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IA pode ajudar instituições financeiras frente à judicialização em massa

Levantamento da Alvarez & Marsal Performance detalha como dados e IA potencializam gestão do contencioso

Inteligência artificial é ferramenta poderosa para gestão das finanças (KTSDESIGN SCIENCE PHOTO LIBRARY/Getty Images)

Inteligência artificial é ferramenta poderosa para gestão das finanças (KTSDESIGN SCIENCE PHOTO LIBRARY/Getty Images)

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Publicado em 31 de outubro de 2025 às 15h00.

Por Rodrigo Hong e Janice Garay*

A digitalização acelerada, somada à alta complexidade regulatória e a busca por escala nas operações, coloca as instituições financeiras em um dos ambientes de maior risco jurídico do mercado. 

A combinação de diversos produtos financeiros, vendidos por canais distintos e sob diferentes regulações, gera enorme volume de dados. Somam-se a isso as variadas relações trabalhistas de executivos C-level a terceiros e correspondentes, dificultando o controle por meios tradicionais.

Essa complexidade tem um custo altíssimo. Segundo levantamento da A&M Performance - núcleo de excelência em performance da consultoria Alvarez & Marsal - as instituições financeiras figuram como rés em 15% de todas as ações cíveis e em 5% das ações trabalhistas no país nos últimos 12 meses. 

O impacto financeiro direto é gritante: o valor destinado a provisões judiciais em ações cíveis e trabalhistas aumentou, respectivamente, 82% e 87% entre 2021 e 2024. 

Este é um desafio multibilionário que exige uma mudança radical na gestão do contencioso. O problema reside no fato de que os sistemas jurídicos convencionais, como ERPs, capturam apenas dados estruturados básicos, falhando em revelar a essência do conflito.

O que os sistemas jurídicos ainda não mostram

A maior parte dos sinais de alerta e das oportunidades de prevenção está escondida dentro dos próprios processos. Informações como o produto financeiro envolvido, o canal de venda, o tipo de falha operacional alegada ou mesmo o perfil do reclamante raramente são capturadas nos sistemas jurídicos tradicionais.

Sem acesso a essas variáveis, fica mais difícil para o jurídico identificar padrões ou estabelecer correlações com áreas operacionais, como compliance, atendimento ou RH. Na prática, isso limita a capacidade de tomar decisões com base em evidências.

IA como alavanca investigativa

É nesse contexto que a inteligência artificial (IA) se torna um vetor estratégico. Ao permitir a leitura automatizada e inteligente de peças processuais, a IA consegue extrair variáveis essenciais, como:

  • O motivo principal da ação e sua frequência por produto ou região.
  • O tipo de contrato ou cláusula questionada;
  • O perfil do autor (idade, escolaridade, vínculo com a instituição, etc.);
  • O padrão de decisões e jurisprudências aplicadas;
  • A existência de litigância predatória em determinadas teses ou autores;
  • Valores de danos morais e materiais pleiteados e concedidos;
  • Padrões de comportamento de escritórios específicos.

Ao estruturar essas informações em painéis analíticos, o jurídico ganha uma nova função: ele deixa de ser apenas uma linha de defesa e se transforma em um radar preventivo. É possível antecipar riscos, apoiar decisões de negócio com dados objetivos e propor ações com impacto direto na redução da reincidência.

Por que o setor financeiro exige expertise

Instituições financeiras lidam com um tipo de judicialização bastante particular e por isso, têm desafios únicos:

  • Os serviços e contratos complexos geram litígios que são volumosos, mas repletos de nuances, dificultando a padronização e o controle.
  • A sobreposição de múltiplas regulações e fiscalização (Bacen, CVM, Procons,Susep) exige um alto grau de rastreabilidade documental e compliance
  • As provisões judiciais também afetam diretamente indicadores como Basileia e lucro líquido, tornando a otimização da carteira uma prioridade financeira, não apenas legal.

Para completar, os riscos reputacionais são intensificados pela visibilidade do setor e pelo potencial de amplificação nas redes sociais e na mídia. Por fim, a vendas com múltiplos intermediários e relações trabalhistas híbridas adicionam complexidade à identificação das causas-raiz de processos trabalhistas, dificultando a rastreabilidade com base apenas nos ERPs jurídicos tradicionais.

De insights à redução de custos

A verdadeira transformação, no entanto, acontecerá quando o insight extraído da IA se converte em ação corretiva disciplinada. A aplicação da expertise na metodologia analítica não se limita a relatórios; ela exige uma integração profunda com as áreas de negócio:

  • Cruzamento Operacional: Liga a narrativa jurídica com a base de dados operacionais e de RH.
  • Identificação de Causas-Raiz: Cria mapas de calor que conectam a tese jurídica diretamente à área de negócio (ex: produto X, canal Y, causa de pedir Z).
  • Ação Acionável: Traduz o insight em metas para revisão de contratos, fluxos de atendimento ou políticas internas, reduzindo o volume de ações e, consequentemente, os provisionamentos futuros.
  • Eficiência Operacional: Reduz em até 90% o tempo de leitura de documentos

A IA é o facilitador; a ação investigativa é a chave. A jornada só se completa quando os dados se transformam em ações práticas, mudanças operacionais concretas, revertendo a curva de crescimento da judicialização e protegendo a margem financeira.

O futuro da IA no jurídico vai além da gestão de processos, focando em conectar dados do litígio às decisões operacionais. Instituições que souberem usar esses dados para antecipar e reduzir erros terão uma vantagem competitiva em um mercado regulado e desafiador.

*Rodrigo Hong e Janice Garay são Managing Directors na área de Legal Optimization da A&M Performance.

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