Mais que evitar riscos legais, trata-se de construir vantagem competitiva sustentável (Kinga Krzeminska/Getty Images)
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Publicado em 9 de setembro de 2025 às 15h00.
Última atualização em 9 de setembro de 2025 às 15h13.
Por Amanda Schmitz e Verlane Puel
O Setembro Amarelo chegou à sua décima edição no Brasil trazendo um recado claro ao mundo corporativo: campanhas pontuais de conscientização já não bastam. A prevenção ao suicídio e o cuidado com a saúde mental dos colaboradores demandam ações estruturais que vão muito além de palestras e posts nas redes sociais.
Os números justificam essa urgência. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio anualmente no mundo. No Brasil, são 14 mil casos por ano – o equivalente a 38 mortes diárias.
Pesquisas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicam que 17% da população brasileira já pensou em se suicidar e quase 5% chegaram a elaborar um plano. Porém, o suicídio pode ser prevenido em grande parte dos casos. Estudos da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) mostram que 96% das pessoas que cometeram suicídio tinham histórico de transtornos mentais tratáveis.
Ou seja, falar sobre o tema, oferecer acolhimento e garantir acesso a tratamento são medidas fundamentais. E é nesse ponto que a saúde mental deixa de ser apenas uma questão individual e se torna também um compromisso institucional – especialmente dentro das empresas.
A relevância do Setembro Amarelo para as empresas ganhou respaldo legal em 2025, com a nova Norma Regulamentadora nº1 (NR-1). Pela primeira vez na legislação trabalhista brasileira, os riscos psicossociais – como estresse, assédio moral e sobrecarga emocional – devem ser obrigatoriamente incluídos nos programas de gestão de riscos organizacionais.
Esta mudança regulatória não é coincidência: reflete o reconhecimento de que o ambiente de trabalho pode tanto proteger quanto agravar questões de saúde mental.
A nova NR-1 estabelece exigências concretas que transformam o discurso sobre saúde mental em obrigações. Para já, as empresas devem incluir a saúde mental no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), garantir participação ativa dos trabalhadores na identificação de riscos psicossociais e estabelecer canais sigilosos para denúncias de assédio.
Embora a fiscalização tenha caráter educativo até maio de 2026, o verdadeiro desafio é compreender que essa não é apenas uma questão de compliance. Inclusive, diversos e estudos mostram que equipes em ambientes emocionalmente seguros podem ser até 20% mais produtivas, evidenciando que investir em saúde mental é também uma estratégia de negócio.
O tema ganha dimensão humana quando figuras públicas compartilham suas experiências. Recentemente, o jornalista William Bonner anunciou sua saída do Jornal Nacional após 29 anos a frente do noticiário e revelou ter deixado desejos pessoais de lado para atender demandas profissionais – um dilema vivido por milhões de trabalhadores que, em silêncio, sacrificam bem-estar pessoal pela produtividade.
Esse tipo de relato ressoa no ambiente corporativo porque mostra que reconhecer limites e priorizar a saúde mental não é fraqueza, mas maturidade emocional necessária para prevenir adoecimentos mais graves.
Para líderes corporativos, o Setembro Amarelo representa uma oportunidade de reposicionar a saúde mental de tema periférico para prioridade estratégica. Mais que evitar riscos legais, trata-se de construir vantagem competitiva sustentável.
Organizações que implementam políticas efetivas de bem-estar emocional colhem resultados mensuráveis em engajamento, retenção de talentos e inovação. Por outro lado, empresas que mantêm a abordagem superficial ficam expostas a riscos humanos, legais e financeiros crescentes.
O momento de agir é agora. O cuidado com a saúde mental dos colaboradores deixou de ser goodwill corporativo para se tornar imperativo legal e estratégico. A pergunta não é mais se as empresas devem fazer algo, mas como transformar consciência em ação efetiva.
A convergência entre a campanha de prevenção ao suicídio, o novo marco regulatório e exemplos de vulnerabilidade humana cria o cenário perfeito para mudanças estruturais. Empresas que souberem aproveitar esse momento terão colaboradores mais saudáveis, produtivos e engajados – enquanto aquelas que hesitarem enfrentarão consequências cada vez mais severas.
*Amanda Schmitz (psicóloga - CRP 12/08907) e Verlane Puel (psicóloga - CRP 12/000493) são sócio-fundadoras da MetaMente Corporativa, especialistas em implementação da NR1, NR33 e NR35 para criar ambientes de trabalho mais saudáveis e seguros.