Podemos tornar a carreira de caminhoneiro uma carreira moderna, segura, rentável e, acima de tudo, respeitada (Nelson Almeida/AFP/Getty Images)
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Publicado em 11 de novembro de 2025 às 10h00.
Por Agapito Sobrinho, CEO da BBM Logística
O Brasil está enfrentando um déficit preocupante de motoristas profissionais para trabalhar com o transporte rodoviário de cargas. Temos cada vez mais caminhões e menos condutores.
Esse descompasso entre a oferta de mão de obra qualificada e as necessidades do mercado cria um risco real de "apagão", gerando desafios no abastecimento de mercadorias essenciais, caso não sejam adotadas medidas para reverter a tendência.
Enquanto a nossa economia busca retomar o crescimento e a demanda por transporte de mercadorias aumenta, estamos perdendo sistematicamente os profissionais que movimentam 67% de tudo que o país produz: os motoristas de caminhão.
Nos últimos 10 anos, o Brasil registrou uma redução de 1,2 milhão de motoristas de caminhão habilitados, equivalente a 22% do total (de 5,6 milhões para 4,4 milhões), conforme dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) analisados pelo Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS).
Paralelamente, a frota cresceu 50%, passando de 5,3 milhões para 8 milhões de veículos em circulação.
É importante pontuar que este não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Nos Estados Unidos, o déficit atual é de 60 mil motoristas, com previsão de alcançar 100 mil vagas em aberto. Na Europa, a carência chega a 400 mil profissionais.
Outro agravante por aqui é que a renovação geracional não está acontecendo. Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte Autônomo (CNTA) realizada em 2024, 54% dos caminhoneiros atuais pretendem deixar a estrada.
Para se ter uma ideia, nos anos 2010, o cenário era mais equilibrado: em 2014, a média etária era de 38 anos e o número de jovens motoristas representava cerca de 20% da força de trabalho. Atualmente, a média de idade da categoria subiu para 46 anos.
Hoje, apenas 4,11% dos condutores têm até 30 anos, enquanto 11,05% já ultrapassaram os 70 anos, e mais de 500 mil motoristas ativos no país têm mais de 71 anos.
As razões para este êxodo são um somatório de situações. Uma delas é que a profissão impõe uma rotina de sacrifícios que as novas gerações não estão dispostas a aceitar: jornadas de trabalho que podem ultrapassar 12 horas diárias e longos períodos longe da família.
Os outros fatores que afastam as novas gerações da profissão são a infraestrutura rodoviária deficiente e escassez de pontos de apoio e insegurança nas estradas.
A cultura de trabalho que exige longas ausências de casa conflita com preferências de jovens por flexibilidade e qualidade de vida, elevando a dificuldade de contratação em todo o país.
A solução para reverter esse quadro requer políticas combinadas de qualificação e atratividade para as novas gerações. Isso passa por remuneração justa, benefícios não financeiros, como programas de saúde, apoio psicológico e iniciativas de qualidade de vida.
Já o uso de tecnologia deve ser empregado para aumentar a segurança do motorista, como o monitoramento para medir a fadiga, e facilitar o trabalho, como os roteirizadores.
Outras ações práticas como investimentos em capacitação profissional e programas para atrair jovens e mulheres também devem fazer parte do dia a dia das empresas do setor.
Contudo, o setor não resolverá esta crise sozinho. Ao Governo Federal cabe o papel de arquiteto de uma solução nacional.
É imperativo ampliar programas de formação em larga escala, subsidiando o alto custo da habilitação profissional (categorias C, D e E) em parceria com o Sistema S.
Medidas de incentivo fiscal para empresas que comprovem investimentos na qualificação e bem-estar de seus motoristas também acelerariam a mudança de cultura no setor.
Já a segurança nas estradas precisa ser vista com maior atenção, recebendo investimentos massivos em policiamento, tecnologia de rastreamento e punição exemplar para crimes de roubo de carga.
Além disso, melhorias na infraestrutura rodoviária, com mais pontos de apoio dignos e seguros para descanso, são investimentos que valorizam o profissional.
Se nada evoluir, tanto do lado público quanto do próprio setor, caminharemos para um cenário ainda pior. Atualmente há caminhões parados por falta de motoristas, especialmente em operações de longa distância.
Não é exagero alertar o mercado: "sem ação imediata, o abastecimento de bens essenciais pode entrar em colapso", elevando custos e freando o crescimento, afinal, o transporte rodoviário é a espinha dorsal da economia brasileira.
Sem motoristas suficientes, teremos aumento exponencial nos preços dos fretes, desabastecimento em diversas regiões, perda de competitividade industrial e agrícola, e inflação sistêmica.
O cenário negativo está posto, mas a solução também está ao nosso alcance.
A colaboração entre o setor privado, com investimentos em valorização e tecnologia, e o poder público, com políticas inteligentes de fomento, segurança e infraestrutura, pode transformar a profissão de motorista de caminhão.
Podemos torná-la uma carreira moderna, segura, rentável e, acima de tudo, respeitada.
O futuro da economia brasileira depende, literalmente, da direção que tomarmos agora.