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Os direitos do contribuinte e a justiça tributária

ETCO demonstrou que o PL 17/22 deve consolidar os direitos do contribuinte sem inibir a legítima ação do fisco

Tribunal: Justiça tributária viabilizada trabalha também na desigualdade social (Oxford/Getty Images)

Tribunal: Justiça tributária viabilizada trabalha também na desigualdade social (Oxford/Getty Images)

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Publicado em 6 de julho de 2022 às 13h29.

Por Edson Vismona

Há muito tempo é defendida uma reforma tributária que seja estruturante de um modelo que viabilize a justiça fiscal e tributária, vale dizer, que reduza a desigualdade social e incorpore alguns princípios, como eficiência, equidade, simplicidade, estimulando a competitividade e combatendo aqueles que pervertem o sistema, não pagando dolosamente os impostos. Nesse propósito cabe valorizar o contribuinte e coibir o que chamamos “devedor contumaz”, para que os impostos arrecadados sejam destinados para atender as demandas da sociedade e que o Estado receba o que é efetivamente devido, nada mais.

Entretanto, é viável — antes de alcançarmos uma reforma tributária que mereça esse nome — termos uma legislação que simplifique o sistema, combatendo desvios e facilitando a arrecadação. O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial — ETCO, vem, desde sua fundação, em 2003, contribuindo com estudos técnicos, apresentando sugestões para a melhoria das relações entre o fisco e o contribuinte. Identificamos ser urgente afastar imprecisões que incentivam a litigância, causando danos a ambas as partes. O contribuinte deseja a sua regularização fiscal e o tesouro precisa receber, porém, esses objetivos não são alcançados face ao conturbado sistema vigente. O contribuinte não pode ser tratado como um inimigo e o fisco como um algoz.

Em 2019, para apresentar a grave situação que enfrentamos, o ETCO contratou um estudo internacional com a consultoria EY tratando do contencioso tributário. Foi apresentado um quadro desolador, nada comparável com outros países: só no âmbito federal, cerca de R$ 3,4 trilhões estavam sendo discutidos nas instâncias administrativas e judiciais. Para enfrentar esse descalabro apontamos, olhando para o passado, a necessidade de se aperfeiçoar a transação tributária e para o futuro, a adoção da mediação e arbitragem tributária. Para a primeira situação, estimulamos essa discussão em seminários com a PGFN e eméritos tributaristas e, por iniciativa do governo federal foi aprovada a lei 13.988/2020 que foi reforçada pela Lei 14.375/2022. Esses dispositivos e a ação da PGFN resultaram em claros avanços, permitindo a solução de antigas pendências. O contribuinte se regulariza e o fisco arrecada. Com relação à mediação e arbitragem temos projetos de lei nos Estados e no Congresso Nacional, que devem avançar.

Validando a expressão “separar o joio do trigo”, enquanto defendemos uma nova relação fisco — contribuinte, diminuindo as disputas intermináveis e prejudiciais aos que agem de boa-fé, precisamos combater quem se aproveita da confusa situação existente para a cobrança de impostos e se beneficia, estruturando suas ações para nunca pagar impostos, o já aqui referido “devedor contumaz” que tem dívidas ativas no fisco federal de R$ 100 bilhões, somente nos setores de combustível e tabaco. Temos um Projeto de Lei no Senado Federal (PLS 284/17) definindo quem deve ser considerado como devedor contumaz, diferenciando -o dos devedores eventuais e até os reiterados. Está em plenário e, sem uma razão que possa ser compreendida, não é votado.

A mais recente iniciativa do ETCO é um novo estudo internacional com a consultoria EY — que está em fase final — tratando dos direitos do contribuinte, apresentando um diagnóstico da nossa legislação constitucional e infraconstitucional e avaliando a postura de países com as melhores práticas (EUA, Alemanha e Austrália). O objetivo é dimensionar, assim como fizemos no estudo do contencioso, como o contribuinte é tratado e quais sugestões podem ser apontadas para garantir direitos e definir deveres, com o objetivo de estabelecermos um novo patamar nesse relacionamento, hoje de animosidade, para uma atitude de maior compreensão e exatidão das obrigações, o que é do interesse do Estado e dos cidadãos de boa — fé.

Assim, devemos, por exemplo, combater eventuais abusos, como a normalização da representação fiscal para fins penais e a aplicação de multas agravadas em até 150%, sem critérios.

Esse trabalho do ETCO encontrou no Projeto de Lei 17/2022, de autoria do Deputado Felipe Rigoni, a demonstração de quão importante é essa iniciativa de alcançarmos um equilíbrio na convivência mais cidadã no âmbito fiscal. Esse deve ser o objetivo.

Na audiência pública realizada pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara Federal, o ETCO demonstrou que o PL 17/22 deve consolidar os direitos do contribuinte sem inibir a legítima ação do fisco. Esse projeto de lei não deve ser encarado como uma medida contra o fisco ou contra a presença fiscal, aliás, para o exercício dessa ação é dever do agente público defender direitos e definir deveres. Nesse sentido, a redução da litigiosidade; a valorização da boa-fé, apoiar a composição antes da imposição de penalidade, permitindo que o contribuinte aponte fatos e documentos são medidas que longe de defender sonegadores, demonstram um sentido de respeito aos cidadãos e às empresas, em benefício do trabalho da fiscalização, que não tem como objetivo punir e sim arrecadar o que for justo. Importante salientar que os países que contribuíram com o estudo do ETCO/EY, reconhecidos como rigorosos no combate eficiente aos sonegadores, estimulam a defesa dos contribuintes. Os EUA, por exemplo, têm o “Taxpayers Bill of Rigths”. Uma vez definido que é devido o imposto e o seu valor, a ação do fisco é fortalecida.

Claro que o projeto de lei pode e deve ser aperfeiçoado, mas não é crível que seja desacreditado. Essa postura afasta a seriedade da crítica. Por que não termos uma lei que garanta direitos e aponte deveres e que, uma vez estabelecidos, sejam cumpridos?

Para fortalecermos a segurança jurídica é necessário que tenhamos, de um lado, a exata definição do imposto devido, simplificando seu pagamento e a eficiência da arrecadação, afastando o contencioso excessivo e, de outro, uma lei que combata os sonegadores e devedores contumazes.

Esse é o caminho que deve representar avanços na busca da justiça tributária, antes mesmo de alcançarmos uma efetiva reforma tributária.

*Edson Luiz Vismona é advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP). Foi secretário da justiça e defesa da cidadania do Estado de São Paulo (2000/2002)

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