O que nos impede de avançar no uso de IA em pesquisas sobre comportamentos de consumo? (Hispanolistic/Getty Images)
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Publicado em 2 de maio de 2025 às 13h00.
Por Bruno Strassburger*
A pesquisa com consumidores mudou. Estamos vivenciando um novo paradigma que gera ceticismo e ansiedade para aqueles que construíram sua experiência com questionários de papel e pranchetas – como eu. Uma oportunidade de reaprender a desenhar, planejar e conduzir pesquisas de mercado, consumidores e usuários.
Para compreender o cenário atual da pesquisa com consumidores, é essencial revisitar sua trajetória e analisar o impacto de cada uma de suas fases ao longo do tempo. Isso nos permite identificar os acertos, os desafios ainda presentes e, a partir daí, projetar caminhos mais inovadores para o futuro do setor. A seguir, apresento as três principais ondas que marcaram essa evolução e moldam, ainda hoje, a forma como pesquisamos e interpretamos o comportamento de consumo.
A era tradicional dos levantamentos era dominada por métodos estatísticos clássicos, baseando-se em amostras limitadas e demorando semanas ou meses para análise. Esse modelo possuía baixa adaptabilidade e pouca integração estratégica em tempo real.
A evolução digital trouxe velocidade – Big Data, monitoramento de redes sociais, feedbacks instantâneos. Mas ainda faltava contexto e profundidade. As empresas passaram a coletar mais dados do que conseguiam interpretar de forma eficiente.
A terceira onda representa uma transformação estratégica. A integração de Inteligência Artificial (IA), machine learning e análise preditiva potencializa o processamento de grandes volumes de dados em tempo real.
Segundo o Intuit/Mailchimp, uma das principais vantagens da inteligência artificial é sua capacidade de processar grandes volumes de dados com velocidade e precisão superiores às dos humanos. A IA consegue analisar informações em larga escala, identificando padrões e insights ocultos que poderiam passar despercebidos por profissionais de marketing.
Sem alarde, ferramentas de pesquisa baseadas em Large Language Models (LLMs) estão ganhando espaço no mercado, substituindo processos manuais. A sintetização dos dados de levantamentos já é um caminho promissor – e sem volta. O que antes levava semanas, hoje pode ser realizado em minutos. Processos tradicionais, como recrutamento e seleção de participantes, tornaram-se instantâneos, comparáveis à criação de um avatar em um jogo online. E se esses interagirem entre si? Seria o fim das demandantes e cansativas comunidades online de consumidores? Sim, essa mudança já está acontecendo.
De acordo com a NIQ, “as pessoas nem sempre são totalmente honestas em pesquisas, o que pode comprometer a precisão dos resultados. No entanto, a análise de dados em larga escala permite calibrar e validar essas respostas, proporcionando uma visão mais fiel da realidade.” (NIQ - Does Everybody Lie? The Resiliency of Survey Research Done Right).
Ao reduzir a busca cega por dados primários, nem sempre qualificados, e ao utilizar o conteúdo produzido, postado e compartilhado por pessoas reais, conseguimos acessar um reflexo mais consistente dos padrões de comportamento de consumo – aquele que se manifesta no digital, onde influências externas e barreiras sociais são minimizadas.
Para alguns, remover o fator orgânico da compreensão do consumo humano pode parecer uma heresia. Tudo bem, não precisamos retirar, mas aposto que essas mesmas pessoas estarão com amostras orgânicas bem menores daqui a 5 anos, ou seria daqui 3 anos?
A Qualtrics em seu relatório “2025 Market Research Trends Report” informa que 71% dos pesquisadores entrevistados acreditam que, em até 3 anos, os dados sintéticos representarão mais da metade da coleta de dados na pesquisa de mercado. Esse modelo traz números artificiais que imitam dados do mundo real e são criados por simulações e computadores. Ainda segundo o relatório, 69% dos pesquisadores já utilizaram respostas sintéticas (que vêm desses dados feitos por tecnologias e simulações) em suas pesquisas no último ano. E ainda mais interessante, 74% dos pesquisadores que usam IA regularmente observam um aumento na demanda por pesquisa qualitativa.
Em contrapartida, o artigo “AI Provides an Unrealistic View of Human Behavior”, publicado pelo Nielsen Norman Group, alerta sobre os desafios da IA na captura da complexidade humana. Faz sentido, talvez ainda precisemos de um input de dados orgânicos (RAG). Porém, já encontramos uma forma mais eficiente de investigar, entender e estimular o comportamento do consumidor. Aliás, o marketing digital já faz isso há anos. Ou acredita-se que campanhas em redes sociais são validadas através de grupo focal?
Apegos ao passado? Medo de perder o controle sobre os dados? Ou apenas a dificuldade em aceitar que consumidores sintéticos podem gerar insights mais confiáveis do que humanos? A pesquisa com consumidores mudou e não há como voltar atrás. Estamos deixando de lado a era dos formulários e das entrevistas demoradas para um modelo mais ágil, preciso e escalável. Já sabemos que dados sintéticos e IA não são apenas complementos, mas caminhos estratégicos para entender e prever o comportamento de consumo com maior eficiência.
*Bruno Strassburger é especialista em comportamento de consumo com mais de 15 anos de experiência em pesquisa de mercado, design de serviços e inovação estratégica. É Head de Pesquisa da Neura, consultoria de estudos comportamentais e porquês.
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