Os autores Steven Guilbride e Rafael Albuquerque (Catalysis Wealth/Divulgação)
Colunista Bússola
Publicado em 27 de fevereiro de 2025 às 07h00.
O mercado financeiro está mudando. E as gerações Millennials e Z estão no centro dessa transformação. Essas gerações buscam algo que vai além dos números. Para elas, investir é uma extensão de seus valores pessoais e um meio de gerar impacto real e autêntico.
Por muitos anos, ouvimos promessas de sustentabilidade e responsabilidade corporativa, muitas vezes agrupadas no “rótulo de ESG” (Ambiental, Social e Governança).
No entanto, práticas como o greenwashing – quando empresas mascaram ações ineficazes com discursos sustentáveis – têm feito com que essas gerações percam a paciência com narrativas vazias.
Millennials e Z estão dispostos a investir em empresas que realmente representem seus valores e princípios. E essa é uma lição que as empresas não podem ignorar.
Os Millennials, nascidos entre 1981 e 1996, cresceram em meio a mudanças tecnológicas e crises econômicas que moldaram sua relação com o dinheiro. Já a Geração Z, nascida entre 1997 e 2012, é nativa digital e vive em um ambiente de informações abundantes.
Ambas compartilham uma característica comum: o ceticismo em relação a discursos genéricos e promessas não cumpridas.
Essas gerações valorizam a autenticidade. Para elas, não se trata de “parecer sustentável” ou de seguir tendências. O que importa é mostrar, com dados claros e ações consistentes, como os recursos estão sendo usados para gerar impacto positivo.
E por impacto positivo, não estamos falando apenas de questões ambientais ou sociais amplas. Impacto também pode significar:
O mercado já começa a perceber que alinhar valores pessoais e práticas empresariais sólidas é um caminho que beneficia tanto investidores quanto empresas.
Segundo a Bloomberg, fundos religiosos conservadores, como GuideStone Funds, Inspire Investing, dentre outros, estão ampliando sua influência para pressionar empresas contra políticas progressistas, utilizando cerca de US$ 500 bilhões em ativos. A coalizão combate o financiamento corporativo para custeio de viagens para abortos, dentre outras práticas.
Além disso, participam de ações jurídicas e votações acionárias, contra pautas opostas aos valores familiares dos clientes. O crescimento desse segmento é evidente: ETFs e fundos alinhados à fé ultrapassaram US$ 100 bilhões em 2023, contra US$ 72 bilhões em 2020 (Tim Macready, Brightlight).
Com o aumento do interesse por investimentos responsáveis, muitas empresas tentaram “entrar no jogo” apresentando-se como sustentáveis. Contudo, a falta de transparência e a ausência de resultados concretos revelaram-se um problema. Essa abordagem não engana Millennials e Z, que sabem diferenciar uma narrativa real de uma fachada.
Para conquistar essas gerações, é preciso ir além das falácias de ESG e greenwashing. Empresas que prometem impacto devem entregá-lo. Sem isso, perdem credibilidade – e, consequentemente, investidores.
Millennials e Z não rejeitam o conceito de sustentabilidade, mas demandam algo mais prático e verificável. Não basta plantar árvores e divulgar relatórios coloridos. É preciso mostrar resultados reais, como aumento de eficiência, geração de empregos ou produtos que resolvam problemas concretos.
Outro ponto que conecta Millennials e Z ao mercado financeiro é a busca por estabilidade em um cenário desafiador. Essas gerações enfrentam dificuldades para acumular patrimônio. Enquanto os boomers que poupavam 10% de sua renda ao longo da vida conseguiam acumular 850%, Millennials, com o mesmo esforço, chegam a apenas 430%.
A Geração Z, por sua vez, enfrenta custos de vida altos e salários ainda ajustados à realidade do mercado.
Apesar disso, essas gerações não se acomodam. Elas enxergam no mercado de investimentos uma forma de crescer de forma planejada e estratégica. Mas essa confiança só é depositada onde há confiança e propósito.
O mercado corporativo tem muito a aprender com essa mudança de comportamento. Investimentos alinhados com valores pessoais não são modismos passageiros. Eles representam uma evolução natural em um mundo onde as pessoas querem ver seu capital trabalhando para algo maior – seja gerar inovação, apoiar negócios locais ou investir em projetos relevantes para a sociedade.
Os CEOs e líderes empresariais devem perguntar: “Quais histórias estamos contando para os investidores? Elas refletem a realidade do que fazemos?”
Investidores Millennials e Z não exigem perfeição. Eles aceitam falhas desde que haja transparência e compromisso genuíno com a melhoria. Mas não toleram hipocrisia.
Estima-se que, nos próximos 25 anos, mais de US$80 trilhões serão transferidos da geração boomer para Millenials e Z, abrindo um novo capítulo nos mercados financeiros. Isso cria uma oportunidade única para empresas que sabem alinhar suas práticas aos valores desses investidores.
Estudos recentes mostram que o modelo de Family Office está crescendo significativamente, com um aumento de 31% no número de single-family offices desde 2019 e projeções de que os ativos sob gestão cresçam de US$ 3,1 trilhões para US$ 5,4 trilhões até 2030 (Deloitte, 2024).
Esse crescimento reflete uma demanda por maior independência e alinhamento de valores, especialmente entre as novas gerações de investidores.
O modelo estabelecido pela Resolução CVM 179 - que visa aumentar a prestação de contas e a ética no mercado de capitais - se encaixa nessa tendência, pois reduz conflitos de interesse ao eliminar incentivos que favorecem produtos específicos, garantindo que os investimentos sejam conduzidos com total transparência e alinhamento com os princípios e objetivos de longo prazo das famílias, de forma independente e fiduciária.
Para Millennials e Geração Z, que exigem autenticidade e impacto real, esse modelo é essencial para a construção de confiança e para evitar armadilhas de marketing, como o greenwashing financeiro
Para conquistar esse público, é preciso:
Millennials e Z estão redefinindo o conceito de sucesso nos investimentos. Para eles, crescimento financeiro deve andar lado a lado com a criação de valor genuíno.
Estas gerações estão trazendo uma mudança de paradigma nos investimentos. Para eles, a prioridade não é apenas o lucro, mas sim o que ele representa e transforma.
Empresas que entendem essa dinâmica têm uma oportunidade única de criar conexões mais profundas com investidores que exigem impacto real e alinhamento de valores. Não se trata de seguir modas passageiras, mas de construir um mercado financeiro mais sólido e significativo – para ambos os lados da mesa.
Co-autor:
Steven Guilbride é co-fundador e diretor executivo da gestora Catalysis Wealth.
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