Bússola

Um conteúdo Bússola

VOZES: Como a exposição e ofensas à Amber Heard afeta as mulheres

Caso Amber Heard e Johnny Depp ganha repercussão internacional e isso pode afetar diretamente muitas mulheres que sofrem violência

Páginas de extrema direita estão se valendo do episódio para disseminar conteúdos sexistas (Michael REYNOLDS / POOL / AFP / montagem/Getty Images)

Páginas de extrema direita estão se valendo do episódio para disseminar conteúdos sexistas (Michael REYNOLDS / POOL / AFP / montagem/Getty Images)

B

Bússola

Publicado em 7 de junho de 2022 às 09h00.

Sim, precisamos falar sobre como o caso de Amber Heard e de Johnny Depp afeta o combate à violência contra as mulheres e a nossa luta como um todo. É preciso mostrar como ainda existe uma insegurança enorme para que as mulheres denunciem seus agressores. Então não, não falaremos aqui sobre o veredicto, não absolveremos, nem condenaremos Heard – não cabe a nós.

Quando falamos de violência de gênero, entender o contexto é essencial. A cada minuto, 25 brasileiras sofrem violência doméstica, estes dados do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) mostram que, em 2020, 13 milhões de mulheres disseram ter sido alvo de ofensas, agressão física ou sexual. E esses números só subiram durante e após a pandemia.

Com isso em mente, quais as consequências que esse caso trará para a luta das mulheres, principalmente contra a violência de gênero? Um dos fatos que mais impede as mulheres de denunciarem a violência que sofrem é a exposição. E a forma como Amber foi exposta e agredida na “terra sem lei” que se chama internet pode, sim, influenciar ainda mais na insegurança de tantas mulheres que pensam em denunciar seus agressores.

Foram até US$ 47 mil, por exemplo, desembolsados pelo maior produtor de notícias do Facebook atualmente, para impulsionar conteúdos de ódio contra a atriz, segundo o veículo “The Daily Wire”. Mais do que isso: diversas páginas de extrema direita já estão se valendo do episódio para disseminar conteúdos sexistas e contra os direitos das mulheres.

É preciso coragem para denunciar a violência doméstica ou abuso sexual, porque, quando se coloca tudo na balança, há o medo de uma investigação invasiva e um julgamento para além da corte. E claro, ser desacreditada pesa muito. E com tudo o que vem acontecendo, a ação desses grupos só vai fazer com que a situação dessas mulheres vítimas de violência fique ainda mais precária – de novo, em um mundo que já coloca tantas barreiras para que haja punição para os agressores e acolhimento para vítimas.

O machismo se reproduz no ataque de quem acompanha o caso.

Mesmo se Amber tivesse vencido todo o processo, a forma como ela foi ridicularizada ainda tem impactos seríssimos em outras mulheres vítimas. Quem quer estar nesse papel? As pessoas, a maioria fãs de Depp, a chamavam de mentirosa, louca, instável, psicopata, manipuladora e que ela mereceu tudo aquilo. Independentemente do resultado, o nível de machismo nos comentários é inadmissível.

E este é um fato que a luta feminina tenta reverter há anos. Não é fácil expor momentos íntimos, momentos constrangedores. Quantas mulheres você conhece que tiveram coragem de denunciar um abuso? Seja no trabalho, num relacionamento. E quantas mulheres você conhece que desistiram de denunciar uma violência, por terem avaliado as consequências de se posicionar? Esse é o ponto absolutamente necessário que estamos levantando aqui.

Acabar com o medo de denunciar é um processo longo, que demanda muito preparo psicológico, paciência e acolhimento. Uma denúncia com certeza pode ajudar outras a acontecerem, e isso torna o senso de justiça coletivo. E é exatamente por isso que o que ocorreu com a Amber é grave e marca um retrocesso significativo por um sistema mais justo, porque, quando essa denúncia ocorre, a mulher é tratada como culpada, independentemente do veredito final.

Não estamos aqui dizendo que as mulheres devem ganhar todas as ações judiciais. Mas é urgente que entendamos que precisamos de processos judiciários mais justos, e que o respeito às mulheres durante todo o processo deve ser requisito mínimo e absoluto. E isso, somente isso, vai fazer com que outras mulheres vítimas se sintam seguras o suficiente para denunciar.

A denúncia salva vidas, e qualquer mecanismo que coíba ou desencoraje-as afeta diretamente a vida de todas nós. Precisamos garantir que essas mulheres não só não continuem na situação de violência, mas que não sejam vítimas também, mais tarde, de feminicídios.

*Isabela Rahal é diretora de articulação política da ONG Elas no Poder e Juliana Barros é diretora de comunicação da ONG Elas no Poder

Siga a Bússola nas redes: Instagram | LinkedIn | Twitter | Facebook | Youtube

Veja também

E se você pudesse alterar a sua idade? Um holandês tentou isso

A visão de um médico sobre a vida e a morte em UTIs

Qual é o papel dos conselhos na implementação da diversidade?

Acompanhe tudo sobre:MulheresJustiçaPreconceitos

Mais de Bússola

Como a inteligência artificial está transformando treinamentos corporativos

Varejista investe em formação dos colaboradores com plataforma de conteúdo diversificado

Setor de energia elétrica avança na redução de passivo histórico

Rede social ESG aposta no Rio Innovation Week para ampliar sua presença