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Bússola Vozes: licença-paternidade ampliada é uma resposta urgente à crise de saúde mental no Brasil

Ampliar o tempo de licença para os pais é uma medida concreta de cuidado, bem-estar e saúde coletiva diante do adoecimento da força de trabalho.

PL do Pai Presente visa aumentar significativamente o tempo destinado aos pais no cuidado com seus filhos (Ariel Skelley/Getty Images)

PL do Pai Presente visa aumentar significativamente o tempo destinado aos pais no cuidado com seus filhos (Ariel Skelley/Getty Images)

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Publicado em 27 de maio de 2025 às 15h00.

Por Elisa Dinelli*

Quando falamos em crise de saúde mental no Brasil, precisamos ir além dos sintomas. Precisamos falar, também, de soluções estruturais. Uma delas está, há anos, parada no Congresso Nacional: a ampliação da licença paternidade. Atualmente, a licença maternidade no regime CLT é de 120 dias e a paternidade de 5 dias, podendo ser ampliada por até 15 dias, para trabalhadores de empresas que aderirem ao Programa Empresa Cidadã. Esse desequilíbrio, que tem raízes profundas na divisão sexual do trabalho, impacta diretamente não só a equidade de gênero, mas também a saúde física e mental das famílias brasileiras.

Em nosso último artigo na coluna Bússola Vozes, Juliana Barros, presidente interina da Elas no Poder, discutiu a crise de saúde mental que foi repercutida intensamente no mês de abril por veículos de imprensa. Ao constatar um crescimento de quase 70% nos pedidos de afastamento do trabalho, a discussão pública focou principalmente no impacto desse cenário sobre a produtividade e o desempenho das empresas, além de apontar caminhos para quem busca ajuda, dentro e fora do Sistema Único de Saúde (SUS).

O que ficou evidente, no entanto, é que pouco se falou sobre as estruturas que sustentam essa crise. Ou seja, sobre as causas que sobrecarregam a população e empurram milhares de pessoas para o adoecimento. A precarização das relações de trabalho, cada vez menos formais e protegidas, é uma dessas causas. Mas há outro fator, muitas vezes invisibilizado, que pesa enormemente sobre as costas dos trabalhadores, especialmente das mulheres: o trabalho doméstico e de cuidado não remunerado.

Também chamado de economia do cuidado, esse conjunto de tarefas como cuidar de crianças, de pessoas idosas, da casa e da família, ainda é naturalizado como uma "responsabilidade feminina". Em um país marcado por um histórico de trabalho escravizado, onde o trabalho não pago foi central na manutenção da vida privada, essa herança segue viva, traduzindo-se em desigualdades que atravessam gênero, raça e classe. Mais ainda, deve haver discussão e propostas para que se haja um equilíbrio entre essas jornadas, a do mercado de trabalho e da vida doméstica.

A desigualdade estrutural no cuidado e suas consequências

A chegada de um filho é um momento que escancara, de forma cruel, essa desigualdade. A legislação atual envia um recado claro: o cuidado com os filhos é responsabilidade das mulheres.

Atualmente, tramita no Senado Federal, na Comissão de Constituição e Justiça, o PL 3773/2023, conhecido como PL do Pai Presente, que propõe a ampliação da licença-paternidade no Brasil. A proposta busca aumentar significativamente o tempo destinado aos pais no cuidado com seus filhos, aproximando-o dos 120 dias garantidos às mães no regime CLT.

A Coalizão Licença Paternidade (CoPai), movimento que a Elas no Poder integra e participa ativamente, propõe a extensão do período remunerado destinado aos pais para o cuidado com os filhos recém nascidos, entendendo que esse avanço é essencial para promover maior equilíbrio na divisão das responsabilidades de cuidado.

Benefícios e desafios da licença-paternidade ampliada

Os benefícios da licença paternidade ampliada são diversos: maior conexão do pai com a criança; maior conexão entre o casal e, no caso dos que não se relacionam afetivamente, menos desentendimentos e brigas; mercado de trabalho mais justo e inclusivo para trabalhadoras mulheres; ganhos consideráveis de bem-estar aos homens.

"Embora a aprovação do PL seja um marco relevante, ela precisa ser entendida como um ponto de partida e não de chegada." O compromisso das organizações é com um modelo mais robusto, que garanta a licença parental compartilhada, com períodos iguais, intransferíveis e remunerados para mães e pais, de forma a combater a sobrecarga que recai, historicamente, sobre as mulheres.

Essa transformação não se resume apenas ao aumento do tempo, mas exige políticas públicas estruturadas, baseadas na equidade de gênero e no reconhecimento do cuidado como um trabalho essencial para a sociedade. Há exemplos para serem estudados, incorporados e adaptados à realidade brasileira, como a licença-parental, em que o período de afastamento é compartilhado e o tempo que cada um ficará com a criança vai de acordo com a escolha da família. Ainda que apreciemos a ampliação, a Elas no Poder entende que deve haver paridade em relação aos dias de licença, colocando os 120 dias mínimos de licença, tanto para homens quanto para mulheres.

Licença-paternidade e a promoção da saúde coletiva

Ampliar a licença paternidade é ampliar a promoção da saúde coletiva, justiça social e fortalecimento das famílias brasileiras. "É hora de enxergar o cuidado como trabalho, e de tratá-lo com a dignidade e corresponsabilidade."

*Elisa Dinelli é bacharel em Relações Econômicas Internacionais e Diretora de Captação da Elas no Poder.

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