Carreira

“A aposentadoria não é o fim, mas um novo começo”, afirma João Carlos Martins

Prestes a completar 85 anos, o pianista e maestro brasileiro anuncia o fim da carreira internacional nos Estados Unidos. À EXAME, ele conta seus maiores desafios e conquistas de um trabalho que tocou os quatro cantos do mundo

João Carlos Martins em New York, EUA: “A cada novo desafio, a cada nova apresentação, sigo em frente com a mesma paixão que me guiou desde os 8 anos de idade" (Claudio Alves/Divulgação)

João Carlos Martins em New York, EUA: “A cada novo desafio, a cada nova apresentação, sigo em frente com a mesma paixão que me guiou desde os 8 anos de idade" (Claudio Alves/Divulgação)

Publicado em 21 de junho de 2025 às 07h51.

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Foram mais de 60 países e quase 4.000 apresentações. Difícil contar todos os eventos que marcaram a trajetória de 77 anos do pianista e maestro João Carlos Martins. Nascido em São Paulo, sua ligação com o piano foi profundamente influenciada por seu pai, um imigrante português que, apesar de trabalhar desde jovem em uma gráfica, cultivava um fascínio pelo instrumento. Após um acidente que resultou na perda de parte de sua mão, o pai transferiu seu sonho de ser pianista para seus três filhos, incluindo João, que desde cedo se viu tocado pela música.

Tendo como irmãos o jurista Ives Gandra Martins e o também pianista José Eduardo Martins, João mostrou talento para a música desde muito cedo. Aos 8 anos, começou a estudar piano, e rapidamente se destacou, ganhando seu primeiro concurso musical aos 11 anos.

"Meu pai teve a grande influência na minha vida, mas eu me apaixonei pelo piano de forma genuína. Aos 8 anos, percebi que tinha algum talento natural para o instrumento, e a disciplina necessária veio logo em seguida", afirma João.

A música se tornou sua vida e seu trabalho, atravessando fronteiras e conquistando plateias. João teve sua estreia profissional aos 13 anos, mas foi aos 18 que sua carreira internacional começou, com apresentações em diversos países. Ao longo de sua jornada, foram mais de 1.500 concertos, e ele chegou a dividir o palco com artistas como Tom Jobim e João Gilberto em New York.

Hoje, prestes a completar 85 anos no dia 25 de junho, ele anunciou sua aposentadoria dos palcos internacionais, pronto para um novo desafio.

O seu maior medo

O pianista revela que seu maior medo sempre foi o de não conseguir transmitir emoção ao público, um temor que sempre esteve presente antes de cada apresentação.

"Eu tinha receio de não ser capaz de tocar com a mesma intensidade que o público esperava. Mas, ao pisar no palco, isso sempre desaparecia. O medo se transformava em entrega total," afirma.

A música não tocava apenas a plateia, mas como pianista e maestro, João também tem sua música preferida.

"No piano, uma música chamada Goldberg Variations, de Johann Sebastian Bach, é uma obra profundamente significativa para mim. Já na regência, a Nona Sinfonia de Beethoven é uma das que mais mexe comigo," afirma.

As 3 apresentações mais marcantes de uma carreira de mais de 70 anos

Há um lugar especial para João quando ele relembra as três apresentações mais marcantes de sua carreira: Carnegie Hall, em New York.

"Foi lá que estreei a minha carreira internacional. Foi um momento muito marcante na minha vida, com a presença de Eleanor Roosevelt. Também foi inesquecível o retorno ao Carnegie Hall após minha recuperação com a luva”, afirma o músico.

Não foi à toa que a despedida da carreira internacional aconteceu lá também, em maio deste ano. “O público inteiro se levantou e aplaudiu de pé. Aquele foi, sem dúvida, um dos meus melhores concertos da minha vida," diz João emocionado e com um histórico de concertos em mais de 60 países, sendo o Estados Unidos o país em que ele mais tocou, depois do Brasil.

O maior arrependimento – e os maiores desafios

O maior arrependimento do pianista foi ter se afastado da música em dois momentos de sua carreira, devido a algumas dificuldades pessoais e de saúde.

"No fundo, acredito que um músico é um missionário e deve seguir na música até o fim da vida. Apesar dessas interrupções, minha jornada tem sido muito gratificante," afirma João.

Aos 22 anos, uma rara doença neurológica, a distonia focal, ameaçou a carreira do pianista, o que tornou o ato de tocar piano um grande desafio. Mesmo assim, ele nunca desistiu de sua arte.

"A distonia focal foi um grande desafio na minha carreira. Ela afetou a minha mão direita e, por um tempo, me impediu de tocar com a precisão que eu costumava ter. Mas, ao invés de desistir, encontrei formas de continuar a tocar e adaptar a minha técnica. A música sempre foi minha vida, e a paixão que sinto por ela me impulsionou a seguir em frente, apesar das limitações."

O caminho de João Carlos Martins foi marcado por pausas estratégicas. Aos 29 anos, após uma crítica contundente do New York Times, ele decidiu interromper sua carreira. Sete anos depois, se reinventou como empresário de boxe e foi responsável por levar Éder Jofre de volta aos ringues, ajudando o pugilista a reconquistar o título mundial. "Se ele conseguiu, eu também posso voltar ao piano", conta o pianista.

Quando quase todos os dedos já não respondiam, apareceu Ubiratan Bizarro Costa, um designer de Sumaré, interior de São Paulo, que desenvolveu uma luva biônica capaz de restaurar o toque no maestro. "Achei que era para lutar boxe", brinca Martins. Mas, ao testar a luva, ele se emocionou. O vídeo, que se espalhou nas redes sociais, comoveu fãs ao redor do mundo.

Outra decisão importante de João não foi parar, mas prorrogar um grande sonho: o de ser maestro.

"Talvez aos 30 eu já pudesse ter começado a carreira como maestro, mas foi aos 62 que encontrei a maturidade necessária para isso. Foi uma das melhores decisões da minha vida", afirma.

Em 2025, um novo desafio apareceu: o diagnóstico de câncer de próstata. Após passar por cirurgia, ele segue em recuperação. Mas, como sempre, não parou. Quando perguntado sobre o futuro, João não fala sobre o fim de uma carreira, mas sobre a missão com a música.

"Não falo em fim de carreira. Falo em missão. O importante é sempre ter um objetivo, algo que nos mova”, afirma.

As maiores oportunidades chegam no silêncio

Apesar de sua fama internacional, João acredita que o sucesso e a fama nunca foram os principais objetivos de sua carreira. Para ele, a verdadeira recompensa está no poder de tocar o coração das pessoas, independentemente da dimensão da plateia.

"O importante é a mensagem que você transmite, não o sucesso. Se você consegue emocionar, já cumpriu seu papel”, diz João.

“Quando eu chego numa comunidade e realizo um concerto, ou numa fundação casa ou num presídio, eu percebo que as mesmas lágrimas nos olhos que estão presentes na audiência com os ouvintes, são as mesmas daqueles que estão comparecendo a um concerto.”

O que uma empresa e líderes podem aprender com uma orquestra?

Assim como em uma orquestra, onde todos os músicos devem trabalhar juntos em harmonia para alcançar o sucesso, nas empresas é necessário que todos os setores e colaboradores colaborem para um objetivo comum. Para ele, a verdadeira harmonia é o que permite alcançar resultados e diminuir desigualdades.

"O líder de uma orquestra, assim como o líder de uma empresa, deve procurar a harmonia, garantindo que todos estejam alinhados e contribuindo para o sucesso coletivo", afirma João.

Para ele, a música é a régua do mundo - inclusive para o meio corporativo. "Quando uma empresa vai bem, todo mundo diz que funciona como uma orquestra. A palavra que resume um bom ritmo é a harmonia”.

O que fazer quando chega o tempo de parar?

A aposentadoria de João Carlos Martins dos palcos internacionais não significa uma despedida definitiva da música.

"A aposentadoria não é o fim, mas um novo começo. O importante é sempre ter um objetivo, como ensinar os mais jovens e continuar contribuindo para a música de alguma forma", diz ele.

Agora, João está envolvido em um projeto que visa ensinar crianças de 5 a 6 anos de idade, seguindo a ideia de Heitor Villa-Lobos de espalhar a música de forma lúdica e prazerosa.

“Elas não terão na escola, em 15 minutos, a música enfiada goela abaixo, mas, sim, por meio de uma brincadeira, elas terão amor e procurarão a música como objetivo, porque a música traz paz, solidariedade, amor e, antes de tudo, esperança”, afirma.

Com 85 anos de idade e 77 anos de carreira, o pianista e maestro afirma que continuará as apresentações esporadicamente no Brasil.

"Vou continuar sendo o diretor artístico da Baquiana Filarmônica SESP, com participações especiais, mas com menos intensidade. Continuarei regendo, mas não 100 concertos por ano, talvez uns 30. Pode ser que, um dia, eu volte a New York e toque, quem sabe, aos 90 anos, como fazia 30 anos atrás. Não tenho intenção agora, mas quem sabe um dia," afirma.

Para João, a verdadeira missão de um músico é continuar tocando, inspirando e sendo um exemplo de resiliência e dedicação. Cada novo sonho que nasce, é um combustível para o pianista seguir em frente, tocando antigas e novas gerações.

"Continuarei tocando até quando for possível. A música é minha vida, e enquanto eu puder, vou seguir com ela. A cada novo desafio, a cada nova apresentação, sigo em frente com a mesma paixão que me guiou desde os 8 anos de idade", afirma Martins.

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