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As lições de liderança de Andy Reid, técnico do Kansas City Chiefs e vencedor de três Super Bowls

Para Joaquim Santini, pesquisador, consultor e palestrante sobre a vida organizacional, Reid é um "player coach", ou seja, um técnico que joga junto, mesmo sem entrar em campo

Travis Kelce e Andy Reid: para consultor, segundas chances mostram uma boa liderança

Travis Kelce e Andy Reid: para consultor, segundas chances mostram uma boa liderança

Publicado em 5 de setembro de 2025 às 06h07.

No ano passado, durante o Super Bowl LVIII, viralizou uma cena que ilustra bem o perfil de liderança de Andy Reid, o técnico do Kansas City Chiefs: durante o jogo, o tight end Travis Kelce gritou com Reid, que ficou impassível diante do momento. Reid, que está no Chiefs há 12 anos, é conhecido por ser um líder calmo, justo e exigente. E, não à toa, coleciona três Super Bowls com a equipe do time de Kansas.

Para Joaquim Santini, pesquisador, consultor e palestrante sobre a vida organizacional, Reid é um "player coach", ou seja, um técnico que joga junto, mesmo sem entrar em campo.

"Reid combina autoridade técnica com uma gestão relacional profundamente humana. Em um contexto em que as relações são fluidas e as organizações precisam lidar com complexidade e incerteza, Reid atua como um verdadeiro professor: mantém autocontrole, é honesto, ensina e é consistente", diz em entrevista à EXAME. "Ele raramente levanta a voz em público, preferindo orientar de modo construtivo e criando um ambiente leve nos treinos — inclusive com momentos de diversão que reforçam os vínculos emocionais e simbólicos dentro da equipe. Sua liderança reconhece que vínculos invisíveis e pactos de confiança sustentam o sucesso coletivo", afirma.

Segundo Santini, é justamente por seu perfil de criar um ambiente de confiança e autonomia que Reid consegue construir um time de sucesso. Durante sua gestão, o treinador estabeleceu um comitê de liderança de atletas para ouvir reclamações e ajustar práticas, o que, para Santini, demonstra "sensibilidade às dinâmicas sociais e emocionais do grupo".

"O ambiente de confiança é peça-chave de sua liderança. Ele criou uma cultura em que jogadores e assistentes se sentem apoiados e respeitados, o que fortalece a motivação e a inovação", diz. "Escutar atentamente permite que Reid capte alianças implícitas, preconceitos ocultos e sinais de descontentamento, ajustando suas decisões de forma mais precisa e humana. Dessa forma, ele fortalece a confiança, incentiva a participação e toma decisões mais alinhadas às necessidades reais do grupo, legitimando seu papel de líder e promovendo resultados mais consistentes em campo."

As apostas nas estrelas

Para Santini, outro ponto positivo de Reid é a forma como ele valoriza seus jogadores, tornando-os parte da família, além de incentivar as relações mais próximas de seus jogadores, como a de Kelce com o quarterback Patrick Mahomes.

"Ao liderar o Kansas City Chiefs, [Reid] demonstra que, quando o grupo confia no líder e entre si, talentos são atraídos e retidos, a criatividade floresce e os resultados aparecem. Em um mundo fluido e incerto, essa confiança age como âncora emocional: a equipe se sente segura para experimentar e se adaptar. Reid também valoriza laços pessoais — trata seus jogadores como família — reduzindo o medo de errar, aumentando a lealdade e o engajamento. Esse vínculo permite que ansiedades e pactos invisíveis sejam elaborados e transformados em energia construtiva para a mudança", afirma.

Segundo o consultor, é justamente por isso que Reid conseguir conduzir suas equipes ao sucesso ao combinar sistemas táticos flexíveis, foco em fundamentos e gestão humana. Como técnico do Chiefs, ele ganhou três Super Bowls, chegou a cinco finais consecutivas de conferência e atingiu o recorde de vitórias da franquia.

"Ele prepara sequências de jogadas que valorizam diferentes grupos (como a linha ofensiva), dá autonomia aos jogadores para ajustar estratégias em campo e mantém consistência nos treinos. Sua atenção a detalhes e sua capacidade de colocar cada jogador na função certa contribuem para o alto rendimento", diz.

A filosofia de Reid

Outro ponto que diferencia Reid dos demais técnicos é a filosofia de "não julgar", segundo Santini. Isso, para o especialista, ensina que líderes são responsáveis por desenvolver pessoas, não descartá-las e reflete uma compreensão das dimensões invisíveis que sustentam os grupos: vínculos simbólicos, fantasias inconscientes e pactos de lealdade.

"Ao dar segundas chances a atletas e técnicos com passados problemáticos, Reid demonstra que erros não definem o valor de alguém e que a redenção é possível. Reconhecer a subjetividade e a complexidade da trajetória de cada indivíduo gera lealdade, engaja talentos que poderiam ser desperdiçados e constrói um ambiente mais humano e inclusivo, no qual as pessoas podem elaborar seus medos e se reinventar", afirma.

No Super Bowl passado, quando Kelce gritou com ele, Reid entendeu que se tratava de um momento relacionado ao jogo. Kelce admitiu que seu comportamento foi "inaceitável", pediu desculpas e explicou que sua intensidade vinha do "desejo enorme de vencer". Reid, por sua vez, demonstrou entender a paixão do jogador e não levou o incidente adiante.

"Esse olhar sistêmico considera o indivíduo em sua totalidade, valorizando o potencial latente e reconhecendo que o aprendizado ocorre por meio de experimentação e mudança de papéis. Planos de carreira personalizados, espaços para experimentação e reconhecimento constante ajudam a destravar o potencial individual, ao mesmo tempo que fortalecem os laços coletivos", diz.

O estilo de gestão de Reid parece faltar tanto em outros times da National Footbal League (NFL) quanto em empresas tradicionais. Para Santini, os Andy Reids estão em falta. "No Brasil, não existe nenhum técnico brasileiro que possa minimamente comparar com ele", afirma.

As lições de Reid*

  • Mantenha autocontrole e coerência nos princípios;
  • Seja honesto e cumpra o que promete, cultivando confiança;
  • Atue como professor: ensine, corrija e adapte seu sistema aos talentos disponíveis, reconhecendo a singularidade de cada um;
  • Invista em relações pessoais genuínas com a equipe, acolhendo emoções e construindo pactos de confiança;
  • Dê segundas chances e suspenda julgamentos precipitados, entendendo que todos estão em processo de evolução;
  • Equilibre rigor técnico com empatia e humor, integrando razão e emoção na condução do grupo;
  • Crie espaços de escuta e participação, nos quais diferentes vozes e perspectivas possam se expressar e se interconectar;
  • Foque nos detalhes e fundamentos sem perder a visão humana, percebendo a organização como um organismo vivo e interdependente;
  • Valorize a ambiguidade e a incerteza como fontes de criatividade, estimulando a reflexão e a adaptação contínua;
  • Reconheça e trabalhe as alianças invisíveis e as resistências, transformando-as em energia de coesão e performance.

*Segundo Joaquim Santini, pesquisador, consultor e palestrante sobre a vida organizacional

 

 

 

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