Brasileiros podem perder acesso à cidadania italiana se nova regra for aprovada ainda neste mês (Cdric Lopez/Getty Images)
Repórter
Publicado em 7 de maio de 2025 às 18h47.
Última atualização em 7 de maio de 2025 às 19h10.
A cidadania italiana por descendência — caminho trilhado por milhões de brasileiros para trabalhar e viver legalmente na Itália ou em um país da União Eurpeia — pode estar prestes a ser reduzida.
O Senado da Itália votará nas próximas semanas o decreto-lei 36/2025, conhecido como ‘Decreto Tajani’ (graças ao sobrenome do ministro de Estado). Se aprovado este decreto, será restrito o reconhecimento automático da cidadania italiana ius sanguinis a apenas filhos e netos de italianos nascidos na Itália.
Na prática, brasileiros cujos antepassados italianos emigraram para o Brasil nas primeiras levas de imigração, entre 1850 e 1890, podem perder a chance de obter o reconhecimento, a não ser por meio de ações judiciais.
"Esse decreto já está em vigor desde 28 de março e precisa ser convertido em lei até 27 de maio", afirma o advogado Luiz Scarpelli, mestre em Direito pela Università La Sapienza di Roma e especialista em cidadania italianal, que vive e trabalha na Itália.
Segundo o advogado, os consulados italianos no mundo e os comuni na Itália estão, neste momento, com os processos administrativos suspensos.
Caso o decreto seja aprovado sem alterações, Scarpelli afirma que apenas filhos e netos de italianos nascidos na Itália poderão obter o reconhecimento da cidadania pela via administrativa. Isso exclui, por exemplo, os filhos de italianos reconhecidos judicialmente nascidos no Brasil — mesmo que a cidadania dos pais já esteja registrada legalmente.
"Eu sou italiano reconhecido judicialmente há dez anos, mas nascido no Brasil. Se meu filho nascer agora, ele não poderá ser italiano, mesmo eu sendo cidadão", afirma. "O vínculo de sangue entre a Itália e milhões de descendentes na América do Sul seria quebrado."
Para Scarpelli, a solução será recorrer à Justiça. Ele afirma já ter vencido ações após o decreto, inclusive uma recente em Campobasso, em que a juíza classificou a nova norma como inconstitucional e reafirmou o direito adquirido dos descendentes.
"A cidadania italiana não é um benefício. Como advogado, defendo como um direito que nasce com a pessoa. O decreto tenta retroagir esse direito, o que é juridicamente inaceitável", diz.
Ele compara a situação com a via materna — outra frente de luta jurídica. Por décadas, mulheres italianas casadas com estrangeiros e seus filhos não podiam obter cidadania. Hoje, após milhares de sentenças, esse direito é consolidado judicialmente, mesmo sem previsão em lei.
A mudança preocupa não apenas pelos efeitos jurídicos, mas também pelo impacto simbólico e econômico. "Essa medida rompe com a cultura italiana fora da Itália. Somos milhões que consomem produtos italianos, estudam o idioma, viajam para lá. Se isso for aprovado, haverá boicote", afirma.
Scarpelli argumenta ainda que os motivos alegados pelo governo italiano — como risco ao sistema de saúde e desequilíbrio eleitoral — são infundados. "Só tem direito à saúde quem reside legalmente na Itália. E o voto no exterior é minúsculo: a América do Sul elege só quatro deputados."
Se aprovado como está, o decreto-lei 36/2025 irá:
A votação do decreto está prevista para ocorrer entre os dias 14 e 15 de maio. Para Scarpelli, dificilmente haverá espaço para debate ou emendas no Parlamento, que é controlado pelo governo da premiê Giorgia Meloni. "A mudança atende a uma pauta nacionalista, que não considera o papel da diáspora italiana”, diz o advogado.
A recomendação do advogado aos interessados é clara: buscar orientação jurídica o quanto antes. "A Justiça italiana ainda é o último bastião do direito, mas o tempo está contra quem deixar para depois."