E. ON: subsidiária italiana engajou funcionários e clientes numa campanha de alerta para as mudanças climáticas (Wolfgang Rattay/Reuters)
Escola de Negócios
Publicado em 11 de outubro de 2025 às 12h24.
Verdade seja dita: o principal propósito de uma empresa é o lucro.
No entanto, muitas empresas também querem causar outro tipo de impacto, seja ajudando os clientes a resolver algum problema, preenchendo uma lacuna no mercado ou promovendo uma mudança social mais ampla.
Em casos mais ambiciosos, estas motivações conflitantes podem criar um aparente paradoxo: Seria possível se ter uma empresa e um mundo melhor ao mesmo tempo?
A resposta, segundo Brayden King, da Kellogg, está na criação de uma cultura de movimento bem-sucedida na empresa — uma que mobilize as pessoas, dentro e fora da organização, para trabalharem juntas em prol de um determinado propósito social.
Não significa ir atrás de ideais elevados às custas dos resultados financeiros. Um movimento eficaz, orientado por um propósito, deve estar ligado à estratégia da empresa.
Caso contrário, os funcionários podem acabar se desmotivando, o que faz com que se crie um conflito entre os incentivos econômicos e os objetivos cívicos, afirma King, professor de gestão e organizações.
"As fortes culturas empresariais devem possuir um alinhamento entre a lógica estratégica e o propósito mais abrangente da organização", afirma King.
Num estudo de caso recente, King analisou uma empresa que criou uma cultura de movimento comprovadamente eficaz.
Após se tornar CEO da empresa italiana de energia E.ON Italia em abril de 2021, Frank Meyer procurou canalizar as iniciativas de sustentabilidade de longa data da organização rumo a um movimento mais amplo de energia renovável. O slogan era "Torne a Itália Verde”.
Foi mais do que apenas um slogan de marketing.
Quando Meyer saiu da organização, no início de 2024, o lucro ajustado da empresa havia triplicado — e milhões de italianos participaram na campanha da E. ON Italia por meio de instalações artísticas, voluntariado e uma aplicação de monitorização da pegada de carbono.
King e seus colaboradores, Marco Clemente, professor na Escola de Gestão e Direito ZHAW, e Amy Klopfenstein, investigadora de casos na Escola de Negócios Darden da Universidade da Virgínia, analisaram a forma como a equipe de liderança da E.ON Italia desenvolveu uma cultura que viria a motivar os funcionários, e o público italiano no geral, a adotar a sustentabilidade.
A E.ON Italia é a prova de que desenvolver uma cultura de movimento pode resultar na diferenciação e crescimento, afirma King.
Abaixo King nos dá algumas sugestões sobre como as organizações podem empreender uma redefinição cultural e como podem fazer com que uma campanha cultural se expanda além da própria empresa.
Na E.ON Italia, Meyer reconheceu que a criação de uma cultura de movimento bem-sucedida dependia do alinhamento de tal cultura com a estratégia de negócio da empresa.
Projetos relacionados com a sustentabilidade faziam parte da história da E.ON Italia quase que desde sua criação como parte da multinacional europeia de eletricidade E. ON Group em 2000.
Assim, a empresa já possuía um bom alicerce como base para crescer.
Seria fora de séries se a maioria das empresas seguisse este caminho e criasse uma cultura baseada nos valores já estabelecidos internamente.
“Descubra qual é o seu propósito baseado naquilo que já faz bem, no que acredita atualmente”, diz King, “e, depois, enfatize o propósito como uma forma de tornar essa cultura mais precisa e esclarecida ”.
Nos últimos anos, face à pressão regulatória, o Grupo E.ON migrou dos serviços de geração de combustíveis fósseis e de energia nuclear para um novo modelo de negócio baseado na sustentabilidade.
Para a E.ON Itália, priorizar a sustentabilidade ambiental como propósito também abordou o desafio social mais amplo: incentivar os italianos a combater as alterações climáticas.
A campanha Torne a Itália Verde proporcionou à empresa a oportunidade de promover esta missão ambiental e, ao mesmo tempo, se promover também.
A E.ON Itália criou instalações de arte por toda a Itália, incluindo um edifício residencial congelado devido ao ar condicionado excessivo e um barco suspenso sobre o Lago de Garda, ilustrando a redução do nível das águas no maior lago de Itália.
Embora tenham sido motivadas pelo marketing, estas instalações artísticas também chamaram a atenção para as ameaças das alterações climáticas.
“As campanhas da marca E.ON Italia ajudaram os consumidores italianos a compreender como o uso de energia contribuía para as alterações climáticas”, afirma King.
“Essas campanhas convidaram os consumidores a se juntarem à E.ON Italia formação de um movimento que visa reduzir as emissões de carbono”.
Ao estabelecer uma campanha cultural, o ideal é útil construí-la tendo a organização como ponto de partida, começando pelo seu alicerce.
Se o movimento tiver o potencial de gerar um vínculo pessoal dentro da empresa, é mais provável que se repercuta na sociedade em geral.
Na E.ON Itália, Meyer não se limitou a ditar a mensagem "Torne a Itália Verde" aos funcionários da empresa.
"É impossível se alcançar a cultura desejada se simplesmente disser às pessoas o que devem fazer", diz King.
“Também é preciso ouvir os funcionários e fazer com que façam parte do processo”.
Para isso, a E.ON Itália realizou reuniões públicas nas quais recebeu feedback dos funcionários.
Além disso, contratou um consultor analisar esse feedback e visualizá-lo como um mapa que mostrasse a visão da organização e os desafios futuros de forma gráfica.
“É preciso haver uma forma de ouvir e, depois, criar algo material sobre o que os funcionários acreditem ser a cultura", diz o pesquisador. "Isto é um lembrete para eles, mas também uma representação física da cultura".
O Torne a Itália Verde também atuou como um conceito unificador para as atividades de marketing e voluntariado da E.ON Itália.
Embora a limpeza das praias ou plantação de árvores sejam formas comuns de envolvimento corporativo com a comunidade, na visão de Meyer, esses atividades eram uma forma de os funcionários exprimirem o propósito da empresa.
“Começamos a observar que os funcionários mudaram o comportamento nas suas próprias vidas", diz King, por exemplo, eles começaram a ajustar o termostato em casa e a usar transporte público em vez de se locomover por automóveis.
A componente-chave de uma cultura de movimento, no entanto, é ela estar ligada a um propósito social mais amplo, alinhado com as crenças e práticas da empresa.
“Não sei se Steve Jobs usou o termo 'cultura de movimento', mas quando liderava a Apple como CEO, sem dúvida, via as tecnologias da Apple como uma forma de transformar a cultura de forma mais ampla na sociedade", diz King.
“Ele cansou-se da ideia de que só se ganha dinheiro com isso. Quis criar coisas que mudassem a forma como as pessoas se relacionavam com o mundo e simplificassem suas vidas. O design era para ele o caminho para se chegar aonde queria".
O propósito da Apple era diferente do da E.ON Italia, mas era, da mesma forma, transformador e ligado a um propósito que transcendia a organização.
Como uma das menores empresas de energia da Itália, a E.ON Italia lançou a campanha de marketing "Torne a Itália Verde" para o povo italiano em geral, e não apenas para potenciais clientes.
A empresa lançou um aplicativo que qualquer pessoa poderia usar para monitorar sua pegada de carbono, independentemente de usar ou não a E.ON Italia como fornecedora de energia.
Para se ter uma cultura de movimento, as empresas precisam ir além dos seus habituais jardins murados, diz King. “Os limites precisam ser muito mais permeáveis para que as pessoas possam utilizar os recursos que a empresa fornece para atingir os objetivos do movimento".
“Talvez resulte em custos que não incorreria de outra forma, mas as pessoas vêem isto como algo vantajoso para todos, porque atinge os objetivos do movimento, mas está também aumenta a visibilidade da marca e potencialmente expande sua base de clientes, além de aumentar o comprometimento e o engajamento dos funcionários”, afirma King.
“Não se trata de um modelo ingênuo, baseado em ideais. É também um modelo que claramente leva à estratégia de crescimento da empresa”.
Implementar uma cultura de movimento não é fácil. Requer comunicação clara e adesão de funcionários em toda a organização, alguns dos quais podem se opor ao propósito social de forma geral.
No entanto, King afirma que um certo grau de rotatividade possa ser uma ferramenta útil de fortalecimento da cultura.
“Provavelmente perderemos funcionários que talvez acreditem menos no propósito, mesmo que atraia pessoas que acreditam. Um certo nível de rotatividade ajuda a fortalecer a cultura", diz.
Adotar um propósito também pode expor a organização à resistência de clientes e do público em geral.
Após a reclamação de um cliente quando um funcionário da E.ON Italia chegou a um local dirigindo um carro a diesel para instalar de painéis solares, a empresa criou um plano para a transição da sua frota para veículos elétricos.
"Sempre que, como empresa, você se posiciona sobre algo relacionado a valores, está se expondo a críticas", diz King. "É algo que a empresa e os executivos precisam estar dispostos a fazer se acreditarem ser importante”.
Embora qualquer cultura de movimento não seja puramente altruísta, é fundamental haver consistência.
“As empresas que fazem essas escolhas precisam garantir que o que dizem externamente seja solidificado pelo que fazem internamente”, afirma King.
Ele sugere que experiência da E.ON Italia mostra que uma abordagem coerente e holística pode fazer toda a diferença.
“Uma pessoa cínica pode olhar para isto e dizer: ‘Ah, isto é tudo apenas greenwashing’”, diz. “Se fosse apenas marketing inteligente, seria uma crítica válida. Mas o fato de terem ido mais adiante e terem aderido à ideia é realmente inspirador.”