Estagiária de jornalismo
Publicado em 11 de novembro de 2025 às 11h26.
Última atualização em 11 de novembro de 2025 às 12h17.
O Colégio Agostiniano Mendel, na zona leste de São Paulo, costuma se definir como uma “pequena cidade em um quarteirão”. São quase 4.800 alunos e mais de 730 colaboradores circulando diariamente pelo campus.
Com esse tamanho, uma preocupação crescia há anos dentro da equipe pedagógica: o volume de resíduos produzido pela comunidade escolar.
Campanhas pontuais de conscientização sempre existiram, cartazes no pátio, ações na Semana do Meio Ambiente, orientações para que os alunos não deixassem lixo nas mesas.
Mas tudo começava e terminava em datas específicas. Faltava continuidade, método e, sobretudo, participação ativa dos estudantes.
Depois da pandemia, um curso promovido pela prefeitura de Guarulhos apresentou à equipe o conceito de lixo zero, uma metodologia de gestão de resíduos que vai além de separar recicláveis.
“O Lixo Zero, na verdade, é uma metodologia de gestão de resíduos. Mas ele vai muito além dos resíduos. É uma forma da gente atingir o aluno, a família e o colaborador para trabalhar conceitos muito mais amplos, como economia circular e consumo consciente”, explica a professora Luciana Barão Acuña, uma das lideranças do projeto Lixo Zero na escola.
A lógica é trabalhar, de forma prática, temas como economia circular, consumo consciente e responsabilidade socioambiental cotidiana.
A escola enxergou aí a oportunidade de trazer o meio ambiente para perto da realidade dos alunos, saindo do discurso distante sobre Amazônia e Pantanal para falar do copo, da embalagem e do lanche que eles usam todos os dias.

O projeto começou pequeno, em um único andar do 7º ano do ensino fundamental.
Em vez de uma lixeira única, as salas passaram a ter dois recipientes: um para o resíduo reciclável, outro para o que não podia ser reaproveitado, um volume que, ao contrário do imaginário comum, tende a ser bem menor quando há orientação adequada.
Antes de expandir, a equipe fez o que quase ninguém faz, que é olhar de perto o caminho do lixo.
“A gente joga as coisas no lixo, o lixo some, a lixeira está sempre vazia e, como mágica, desaparece. Então a gente não tem essa compreensão de todo o ciclo”, afirma.
Conversou com a equipe de limpeza, entendeu como era a coleta, observou quem atuava “salvando” materiais recicláveis no meio do lixo comum. Ao enxergar toda a cadeia, ficou mais fácil redesenhar o fluxo de resíduos.
Em 15 dias, o teste mostrou que o novo sistema era viável. As funcionárias da limpeza relataram que o trabalho ficara até mais simples, o reciclável não precisava ser recolhido diariamente, por exemplo.
A partir daí, o modelo começou a ser levado para outros andares e prédios, em um processo gradual, ajustado à realidade de cada espaço.

Com mais de 4.500 alunos, o maior desafio nunca foi apenas logístico, mas de engajamento. Não é possível reunir toda a comunidade em um auditório ou pátio para “falar sobre lixo”. A saída foi multiplicar a liderança.
O colégio criou um grupo de representantes Lixo Zero entre os colaboradores, com pessoas de setores diferentes, comunicação, cantina, manutenção, limpeza, inspetoria. Cada área traz suas demandas específicas e participa de reuniões mensais ou bimestrais para pensar soluções conjuntas.
Entre os alunos, o caminho foi ainda mais interessante. Surgiu primeiro um grupo de estudantes engajados, voluntários que se dispuseram a observar o dia a dia da escola e sugerir melhorias.
Muitas das ideias pareciam, à primeira vista, “maluquices”. Aos poucos, foram sendo lapidadas pela equipe pedagógica e transformadas em ações concretas.
Hoje, o colégio mantém um grupo de ação socioambiental, com alunos do fundamental e do médio, dedicado a fortalecer o projeto e pensar formas de ampliar seu impacto.
Quando uma proposta nascida em sala de aula vira mudança real na rotina, o recado para os estudantes é direto: suas decisões importam. E isso é formação cidadã, na prática.
O impacto não ficou restrito aos muros do colégio. As crianças menores passaram a cobrar em casa o mesmo padrão de organização de resíduos que veem na escola: perguntam pela caixa de recicláveis, pelo baldinho do orgânico e pela composteira.
Muitas famílias procuram a coordenação para entender melhor o modelo e replicar parte das práticas em casa.
Para aproximar responsáveis e comunidade, o Mendel promove oficinas e palestras em momentos de grande circulação, como mostras culturais, a Semana Lixo Zero e eventos temáticos.
Em vez de apenas informar, a escola procura oferecer experiências práticas, em que pais e filhos participam juntos de atividades ligadas ao reaproveitamento de materiais, compostagem e consumo consciente.
Com o programa “Mendel de portas abertas”, recebe escolas e empresas interessadas em conhecer o projeto de perto, seja por visitas presenciais, seja por videoconferências.
Já com o “Lixo Zero além dos muros”, quem assume o protagonismo são os alunos do grupo socioambiental, que vão a creches, escolas e faculdades como a Fatec para explicar, com a linguagem de estudante para estudante, como o projeto funciona.
“É importante ter esse espaço de abertura para as famílias poderem conhecer de perto”, explica a professora.

O projeto ganhou escala dentro da própria mantenedora. A Sociedade Agostiniana de Educação e Assistência (SAEA), responsável por diversos colégios, creches e obras sociais, assinou compromisso formal com o Instituto Lixo Zero Brasil.
Outra unidade, o Liceu Vivere, em Pirassununga, já avança com suas próprias ações, e creches da rede começam a adaptar o modelo à realidade da educação infantil.
Em 2024, o Mendel organizou um Congresso de Escolas Lixo Zero, reunindo instituições públicas e privadas de diferentes perfis e regiões do país.
A mensagem final do encontro foi simples e poderosa: é preciso começar. Não existe projeto perfeito nem hora ideal. Começa-se com o que se tem e, a partir daí, equipes são formadas, os processos são ajustados e o impacto cresce.
Para sistematizar a experiência, a equipe escreveu um livro com 13 práticas pedagógicas ligadas ao Lixo Zero, incluindo jogos e oficinas que funcionam bem com seus alunos.
O material, ilustrado e didático, funciona como guia prático para outras escolas que querem sair do discurso e entrar na rotina. Um novo paradigma já está em produção, reforçando a ideia de que o projeto extrapola a fala em eventos e ganha força quando se transforma em ferramenta concreta de trabalho.
Um dos pontos ressaltados por Luciana Barão, professora e referência no projeto dentro do colégio, é o caráter social da iniciativa. Ao deixar de misturar tudo na mesma lixeira, o que antes era lixo passa a ser resíduo — e resíduo tem valor.
Quando corretamente separado e encaminhado, o material reciclável sustenta uma cadeia que vai dos catadores às indústrias que o reaproveitam, gerando emprego e renda em diferentes etapas.
O orgânico, por sua vez, pode virar adubo para as hortas e fechar o ciclo do alimento. O papel dos alunos, nesse contexto, é simples e ao mesmo tempo decisivo: repensar o consumo e destinar corretamente o que é gerado.
Para famílias que buscam uma escola alinhada às exigências do século 21, o recado é claro: empresas e sociedade já cobram profissionais capazes de entender os impactos ambientais e propor soluções responsáveis, independentemente da área de atuação, seja engenharia, arquitetura, comunicação ou negócios.
No Mendel, essa consciência começa cedo, não apenas em aulas de Ciências ou Geografia, mas na rotina do recreio, na forma de descartar o lanche e na participação ativa em projetos socioambientais.
Mais do que um selo ou uma campanha, o Lixo Zero se tornou parte da cultura da escola. E, para quem olha para a educação como ferramenta de transformação, esse tipo de vivência pode fazer toda a diferença na formação de crianças e jovens preparados para o mundo que está em construção agora.