Marcelo Melchior, CEO da Nestlé Brasil: “Estar bem no trabalho vem antes; o sucesso é consequência, não objetivo” (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter
Publicado em 15 de outubro de 2025 às 07h05.
Marcelo Melchior costuma dizer que aprendeu a liderar antes de assumir a cadeira de CEO da Nestlé Brasil. Na juventude, pagou os estudos trabalhando como salva-vidas, pedreiro e, sobretudo, professor - experiência que, segundo ele, moldou sua forma de conduzir pessoas.
“Todas as características de liderança você aprende como professor. Já dei aula para criança e adolescente e aprendi que se for duro demais, perde o grupo; se for mole demais, não te respeitam. Eles não precisam de mais um amigo, precisam de um guia”, afirma o CEO em entrevista ao podcast “De frente com CEO”, da EXAME.
Veja também: Michelin não quer mais ser apenas 'a empresa dos pneus' — veja o plano ambicioso
Carioca, ele passou por Paraguai, Chile e Portugal na adolescência, estudou interno nos Alpes suíços e escolheu Administração por pragmatismo. “O curso de três anos cabia no bolso de e eu precisava bancar a moradia e despesas por conta própria”, afirma Melchior.
Nos anos 1980, entrou como trainee na Nestlé Brasil, começando no chão da loja: promotor no antigo supermercado do Shopping Eldorado, em São Paulo, ele chegava às 5h da manhã para organizar gôndolas em plena era de remarcação manual de preços.
“Hoje se fala em dados e aplicativos, mas a essência comercial é a mesma: entender o cliente, estar perto dele e resolver o problema na hora. A tecnologia muda, a relação com o cliente não”, diz.
Essa vivência virou lente permanente nas reuniões com o time comercial - um antídoto contra decisões desconectadas da realidade do ponto de venda.
Três décadas depois, a rotina do executivo continua calcada em disciplina. Ele chega ao escritório às 7h; às 8h conduz o Daily Operational Review com seus diretos para acelerar respostas a um ambiente que muda rápido.
Às 18h, encerra o expediente “aconteça o que acontecer” e, meia hora depois, pratica yoga — hábito diário há cerca de 15 anos.
“Yoga trabalha corpo e, principalmente, mente e respiração. Me ajuda a sinalizar ao organismo que o dia acabou”, conta. O ritual, segundo o CEO, cria um “colchão” entre o turbilhão corporativo e a vida pessoal.
Veja também: ‘Estamos preparando a Cimed para dobrar de tamanho no Brasil’, diz João Adibe
Ao falar de talentos, Melchior insiste que o filtro mudou: hoje, no programa de Trainee da companhia, o que pesa é atitude e experiência de vida.
“É irrelevante se foi na FGV, na USP ou numa faculdade à noite. A experiência de vida vale tanto quanto as melhores faculdades”, afirma.
A lógica vem de um objetivo: fazer da Nestlé um espelho da sociedade brasileira - algo essencial para quem está presente em 99% dos lares. “Pesquisa ajuda, mas vivência traz o insight que faz diferença.”
Na estratégia, o executivo repete um mantra: equilibrar inovação com a renovação do core.
“Inovação nasce pequena; o core financia a inovação. Se a base se desgasta, o resto não compensa.”
Para manter rigor sensorial, a empresa adota o teste 60–40: ao menos 60% dos consumidores, às cegas, precisam preferir o produto da Nestlé frente à concorrência.
Quando o assunto volta à carreira, Melchior entrega o conselho que norteia seu caminho: protagonismo e voz.
“Somos os únicos responsáveis pela nossa carreira. É mais cômodo entrar mudo e sair calado, mas não fazemos nossa parte assim. Comunique sua ambição e seu ponto de vista, ninguém lê pensamentos.”
Para ele, felicidade precede o sucesso. “Estar bem no trabalho vem antes; o sucesso é consequência, não objetivo.”
É a síntese de uma trajetória que começou na sala de aula, passou pela gôndola do supermercado e hoje comanda um gigante, sem perder do horizonte as lições simples que o levaram até lá: disciplina, curiosidade e atitude.