A lei brasileira não proíbe que um trabalhador CLT tenha uma empresa ou preste serviços como freelancer nas horas vagas. (Getty Images/Getty Images)
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Publicado em 14 de setembro de 2025 às 08h30.
Dados do IBGE apontam que cerca de 32,5 milhões de brasileiros trabalhavam como autônomos informais ou sem carteira assinada no primeiro trimestre de 2025, representando 31,7% da população ocupada no país. Esse número, que cresceu quase 10% em cinco anos, revela um mercado de trabalho em transformação, onde a informalidade e os trabalhos independentes ganham cada vez mais espaço.
Paralelamente, muitos profissionais com emprego CLT começam a olhar para o trabalho freelancer como uma possibilidade de renda extra sem abrir mão da segurança da carteira assinada. Mas será que é possível conciliar as duas coisas? E mais importante: será que vale a pena encarar essa dupla jornada? As respostas dependem de questões legais, contratuais e, principalmente, da sua capacidade de organização.
O CLT é o regime de trabalho com carteira assinada, regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho. Quando você trabalha CLT, tem direito a férias remuneradas, décimo terceiro salário, FGTS, seguro-desemprego e jornada máxima de 44 horas semanais, entre outros benefícios garantidos por lei.
Esse modelo oferece segurança e previsibilidade, com salário caindo todo mês na conta e proteção em caso de demissão sem justa causa. Por outro lado, exige exclusividade de horário, subordinação hierárquica e presença física ou virtual conforme determina a empresa, limitações que nem sempre combinam com o estilo de vida que muitos profissionais buscam hoje.
O freelancer é o profissional que presta serviços de forma independente, sem vínculo empregatício, podendo atender vários clientes ao mesmo tempo. Qualquer pessoa com uma habilidade vendável pode ser freelancer, desde programadores e designers até redatores, consultores, fotógrafos ou professores particulares.
O freelancer tem liberdade para escolher projetos, definir preços e organizar os próprios horários, mas também assume todos os riscos do negócio. Não tem férias pagas, décimo terceiro ou FGTS, e precisa correr atrás dos próprios clientes, além de cuidar da parte burocrática como emissão de notas fiscais e pagamento de impostos.
A lei brasileira não proíbe que um trabalhador CLT tenha uma empresa ou preste serviços como freelancer nas horas vagas. Você pode perfeitamente trabalhar das 9h às 18h numa empresa e fazer trabalhos extras à noite ou nos fins de semana, desde que respeite algumas regras básicas.
O principal cuidado é não misturar os horários. Se você trabalha CLT das 8h às 17h, não pode pegar freelances para fazer nesse período, mesmo que seja home office. Também não pode prestar serviço como PJ para a mesma empresa onde é CLT, pois isso configuraria fraude trabalhista.
Algumas empresas incluem cláusulas de exclusividade ou não-concorrência no contrato de trabalho, impedindo que o funcionário atue na mesma área para outras empresas. Se você é desenvolvedor CLT numa empresa de tecnologia, por exemplo, pode estar proibido de fazer freelances de programação para concorrentes diretos.
Vale ler com atenção o contrato de trabalho e o código de conduta da empresa antes de aceitar qualquer freelance. Descumprir essas cláusulas pode resultar em demissão por justa causa, perdendo todos os direitos trabalhistas. Na dúvida, converse com o RH ou consulte um advogado trabalhista.
Mapeie quanto tempo sobra depois de cumprir suas obrigações no emprego CLT, considerando deslocamento, horário de almoço e momentos de descanso necessários. Se você tem apenas duas horas livres por dia, não adianta pegar um projeto que demanda quatro horas diárias de dedicação.
Use ferramentas como Google Calendar ou planilhas para separar blocos de tempo para cada atividade, criando faixas de foco onde você se dedica 100% a uma tarefa sem interrupções. A disciplina é fundamental porque ninguém vai cobrar seu horário como freelancer, mas os prazos precisam ser cumpridos.
Comunicação síncrona acontece em tempo real, como reuniões e ligações, enquanto a assíncrona permite responder quando possível, como e-mails e mensagens. Para quem concilia CLT e freelance, priorizar comunicação assíncrona evita conflitos de horário e permite trabalhar nos momentos disponíveis.
Decida se você quer apenas uma renda extra ou está construindo uma transição de carreira. Isso ajuda a definir se você vai aceitar qualquer projeto que aparecer ou quer focar apenas em trabalhos que agregam ao seu portfólio e desenvolvimento profissional.
Um portfólio bem estruturado pode transmitir muito mais do que um currículo. Reúna seus melhores trabalhos em um só lugar, explique como desenvolveu cada projeto e destaque os resultados alcançados para mostrar, na prática, o seu potencial.
Abrir CNPJ facilita muito a vida do freelancer, permitindo emitir notas fiscais, fechar contratos formais e pagar impostos corretamente. O MEI é a opção mais simples e barata, com abertura gratuita e uma "mensalidade" de cerca de R$ 80, ideal para quem fatura até R$ 81 mil por ano.
Existem diversos espaços online que conectam freelancers a clientes em busca de serviços. Algumas plataformas reúnem trabalhos em diferentes áreas, enquanto outras são focadas em nichos específicos, como design ou programação. Além disso, redes profissionais também podem ser ótimos canais para conquistar projetos, principalmente quando você compartilha conteúdos relevantes da sua área de atuação.
A maioria dos bons freelances vem de indicação. Avise amigos e ex-colegas que está disponível para projetos, participe de grupos da sua área no WhatsApp e Facebook, e mantenha contato com sua rede profissional.
Entre as vantagens de ser freelancer mantendo o emprego CLT, a principal é a segurança financeira com possibilidade de crescimento. Você tem o salário garantido todo mês e pode usar os freelances para formar uma reserva, investir ou realizar sonhos sem comprometer o orçamento básico.
Além disso, os freelances permitem explorar novas áreas e desenvolver habilidades que você talvez não use no emprego atual. Muitas pessoas descobrem uma paixão ou talento nos trabalhos paralelos que acaba virando a carreira principal no futuro.
Já as desvantagens de ser freelancer junto com CLT começam pelo cansaço inevitável de trabalhar mais que 44 horas semanais. O risco de burnout é real quando você não respeita os próprios limites, comprometendo tanto o emprego quanto os freelances.
Outro desafio é gerenciar as expectativas de todos os lados. Conseguir a oportunidade é uma coisa, mas garantir a qualidade das entregas trabalhando em dois ou três projetos simultâneos exige organização redobrada e pode gerar muito estresse quando os prazos apertam.
Por fim, vale lembrar que conciliar CLT e freelance pode ser uma estratégia temporária para juntar dinheiro ou uma transição planejada para o empreendedorismo. O importante é ter clareza dos seus objetivos e não deixar que a busca por renda extra comprometa sua saúde, relacionamentos e qualidade de vida.