Repórter
Publicado em 6 de maio de 2025 às 16h57.
Última atualização em 6 de maio de 2025 às 17h04.
*BOSTON |“Empatia não é só sentimento. É ação.” A afirmação, feita por Jacinda Ardern durante o IBM Think 2025, realizado em Boston nesta terça-feira, 6, resume o que ela propôs ao longo de uma conversa franca sobre política, tecnologia, crise e futuro.
Ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, Ardern compartilhou aprendizados acumulados em seis anos de liderança em meio a desafios extremos: um ataque terrorista, uma pandemia global, pressão geopolítica e transformações digitais profundas. A lição mais importante, segundo ela, é que liderar com humanidade exige tanto firmeza quanto autoconhecimento. Inclusive para saber a hora de sair de cena.
IBM vira a chave e aposta tudo em IA corporativa, com foco em agentes que já ajudam até a FerrariAo lembrar o início da pandemia, ela explicou que suas decisões foram guiadas pela busca por evidências e previsibilidade em meio ao desconhecido. “Reuni especialistas, pedi modelos matemáticos e fiz a pergunta mais importante: se tomarmos essa decisão, qual é o caminho de menor arrependimento?”, contou.
Jacinda Ardern: ex-primeira ministra da Nova Zelândia. (Marla Aufmuth/Getty Images)
A mesma lógica foi aplicada no episódio mais sombrio de seu mandato: o atentado terrorista de Christchurch, em 2019. O ataque, cometido por um extremista de direita, matou 51 pessoas em duas mesquitas e foi transmitido ao vivo nas redes sociais. “Foi o dia mais devastador da nossa história”, disse. Nos dias seguintes, a Nova Zelândia baniu armas semiautomáticas e lançou a iniciativa internacional Christchurch Call, em que governos e empresas se comprometem a combater o extremismo e a violência online.
“Vi o vídeo do ataque quando fui postar uma mensagem de apoio à população. Ele apareceu no meu feed. Joguei o celular longe, em choque”, relatou. “Aquela dor se transformou em ação”.
A experiência com redes sociais levou Ardern a refletir sobre os riscos da inteligência artificial. Ela defende que o debate sobre regulação e ética da tecnologia não pode ser deixado para depois, como aconteceu com as plataformas digitais. “Regulação é um instrumento bruto. Precisamos pensar em princípios e salvaguardas desde o início. Retroativamente, é sempre mais difícil”.
Ela também argumentou que as decisões técnicas precisam incluir não só governos e empresas, mas sociedade civil e especialistas diversos. “Quando todos estão na mesma mesa, um corrige o outro. Isso melhora os padrões. A ética não pode ser um apêndice. Tem que estar no início da arquitetura”.
O mesmo pragmatismo apareceu ao tratar das mudanças climáticas. Para ela, qualquer motivação que leve à redução de emissões já é válida — mesmo que não seja “nobre”. “Tem gente que dirige carro elétrico para caçar em silêncio. Se o resultado é menos carbono na atmosfera, pouco importa o motivo”, disse. “O erro é querer sempre ganhar o debate moral. O que importa é o resultado”.
Ardern também falou sobre sua saída do cargo de primeira-ministra, muitas vezes interpretada como um caso de burnout. Ela preferiu dar outra nuance: “Não era que eu não podia continuar. Mas eu sentia que não conseguiria continuar sendo a líder que eu acreditava ser: curiosa, aberta, não defensiva”.
Depois de seis anos intensos, disse, percebeu que esses traços estavam se desgastando. “Está tudo bem em sair. Se você fez seu trabalho direito, preparou quem virá depois".
Hoje, ela segue em novos projetos: leciona em Harvard, lança um livro e se mantém ativa em causas públicas. “Passei 15 anos tentando ser útil na política. Agora vou encontrar outra forma de ser útil. Comecei entregando panfletos e posso voltar a fazer isso. São só diferentes formas de contribuição".
Ao fim da conversa, Ardern inverteu uma provocação comum — a de que governos deveriam ser mais parecidos com empresas. Para ela, o setor privado também tem o que aprender com o público: “Empresas precisam pensar nos impactos de longo prazo, inclusive os imprevistos. Não basta pensar só no que pode dar certo, mas também no que pode dar errado”.
*O jornalista viajou a convite da IBM.