Talita Lacerda, CEO da Petlove: “Carreira não é linha reta. Em vários momentos, dei passos para trás para aprender e depois crescer” (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter
Publicado em 27 de outubro de 2025 às 09h30.
Última atualização em 27 de outubro de 2025 às 11h48.
Fundada em 1999 pelo médico-veterinário Márcio Waldman, a Petlove nasceu como uma clínica veterinária, mas ganhou espaço no mercado ao se tornar o primeiro e-commerce voltado a pets do país - muito antes de o comércio eletrônico ganhar a força que tem hoje.
O modelo inovador evoluiu para um ecossistema completo que combina varejo de produtos e comida de pet, saúde, serviços e tecnologia. Em 2025, a companhia projeta um crescimento de 38% e receita de R$ 2,45 bilhões, impulsionada pela expansão física, o fortalecimento dos planos de saúde para pets e a consolidação do Clube Petlove, seu programa de assinatura.
O avanço acontece em um cenário de forte movimentação no setor. A possível fusão entre Cobasi e Petz, que aguarda avaliação do Cade, deve criar o maior grupo do segmento na América Latina. Para a Petlove, o momento é de consolidar uma proposta de valor diferenciada, que coloca o pet e o tutor no centro da experiência.
“O que mais me desafia é crescer sem perder o DNA. A cultura, o cuidado e o propósito foram o que nos trouxeram até aqui”, afirma Talita Lacerda, CEO da Petlove, no podcast “De frente com CEO”, da EXAME.
Sob seu comando desde 2021, a executiva quer provar que é possível crescer com propósito e eficiência.
“Queremos ser grandes, mas continuar apaixonados pelo que fazemos”, diz. “Nosso foco está em simplificar e democratizar o cuidado com os pets, ampliando o acesso a produtos, serviços e saúde de qualidade.”
Neta de nordestinos que chegaram a São Paulo “no pau de arara”, Talita Lacerda aprendeu desde cedo o valor do esforço e da educação.
“Meus pais começaram a vida como empregada doméstica e marceneiro, e sempre acreditaram que estudar seria a chave para transformar o nosso futuro”, conta.
Com bolsa integral desde a infância, ela estudou na FGV e, mais tarde, concluiu um MBA na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. O início de carreira foi no mercado financeiro, na Merrill Lynch, seguido de um período na consultoria BCG, onde passou a conhecer de perto diferentes setores e modelos de negócio.
“A minha mãe sempre me dizia para ver oportunidade onde muitos só enxergam problema”, lembra Lacerda. “Ela me ensinou que sonhar grande dá o mesmo trabalho que sonhar pequeno — e que, com resiliência, é possível transformar qualquer realidade”, diz a CEO que precisou de bolsas para se formar em diferentes fases da vida.
A virada veio com o desafio de lançar a marca Sadia na China, quando descobriu o prazer de empreender dentro de grandes empresas.
“Foi ali que aprendi o poder de um time engajado e a importância de transformar problemas em oportunidades”, diz.
De volta ao Brasil, Lacerda se tornou sócia da gestora Kamaroopin, ligada ao fundo Tarpon, e acompanhou de perto o primeiro investimento do grupo — justamente na Petlove. No conselho, atuou ao lado do fundador, Márcio Waldman, apoiando em planejamento estratégico, orçamento e contratação de talentos. Em 2021, após um processo de transição, foi anunciada como a primeira mulher a assumir o comando da empresa.
“Carreira não é linha reta. Em vários momentos, dei passos para trás para aprender e depois crescer”, afirma.
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Sob o comando de Lacerda, a Petlove passou a se definir não mais como uma varejista digital, mas como um ecossistema completo que atende todos os elos da cadeia pet.
Hoje, a operação está organizada em três grandes verticais de negócio:
Com 2.300 funcionários, três sedes administrativas (em São Paulo, Porto Alegre e Salvador), 4 centros de distribuição e mais de 30 hubs logísticos, a Petlove combina escala nacional com agilidade de startup.
“O nosso maior desafio é crescer mantendo velocidade”, diz Lacerda. “Temos o tamanho de uma grande empresa, mas não queremos perder o espírito de dono, a colaboração e a rapidez na tomada de decisão que nos trouxeram até aqui.”
Talita Lacerda, CEO da Petlove, com a sua pet May (Petlove/Divulgação)
A cultura corporativa é um dos pontos mais enfatizados pela executiva: 98% dos funcionários têm pets, e a relação com os animais faz parte do dia a dia da empresa — inclusive literalmente. Há licença parental para adoção de pets, plano de saúde pet como benefício e descontos nos produtos e serviços do ecossistema.
“Acreditamos em autonomia e confiança. Cada pessoa aqui tem a liberdade de pensar como dona do negócio e a responsabilidade de entregar resultados”, diz Lacerda, que muitas vezes na semana vê o escritório com pessoas e pets.
A Petlove já recebeu diferentes rodadas de investimento ao longo da sua história, que somaram mais de R$ 700 milhões. “Contamos hoje com uma estrutura robusta de governança, com comitês de auditoria, ESG e compliance, além de reportes mensais aos acionistas”, afirma.
Sobre um possível IPO, Lacerda diz que a companhia está preparada, mas não tem planos imediatos.
“O mercado ainda precisa amadurecer. Hoje, o nosso foco está em executar bem, fortalecer o ecossistema e continuar crescendo com eficiência”, afirma.
O crescimento de 2025, segundo a CEO, será impulsionado por novas lojas e franquias, pela ampliação da base de assinantes e pela expansão da vertical de saúde — um segmento ainda incipiente no país. Menos de 1% dos lares brasileiros têm um plano de saúde pet, o que representa uma enorme oportunidade de penetração.
“Existe um potencial gigantesco para ampliar o acesso à saúde animal no Brasil”, afirma Lacerda. “Ainda é uma categoria muito nova, que depende de conscientização e educação. Nosso papel é mostrar que cuidar da saúde do pet pode — e deve — ser algo preventivo, acessível e parte da rotina das famílias.”
Entre as tendências mais promissoras do setor, Lacerda cita a longevidade dos pets, a busca por produtos naturais e rastreáveis e a humanização da relação com os animais.
“O pet passou de um companheiro para um membro da família, e isso muda completamente a dinâmica do consumo”, afirma.
Para acompanhar esse movimento, a empresa firmou parcerias com startups inovadoras, como a PetMoreTime, programa capaz de aumentar em até 25% a expectativa de vida dos pets.
“O futuro do mercado pet está na experiência integrada: produtos, serviços e saúde conectados em uma jornada única. É nisso que estamos apostando,” afirma.
Para a CEO da Petlove, há um conselho que a guia até hoje como líder. Esse conselho ela aprendeu com a mãe, a pessoa que a ajudou a acreditar que tudo era possível, desde a primeira bolsa na escola particular, até chegar ao topo de uma companhia.
“Dê o seu melhor e cuide da plantação, porque a colheita vem depois. Nem tudo está sob o nosso controle, mas o esforço e o propósito estão.”
Com esse mantra, ela lidera uma empresa que saiu de uma clínica — e hoje fatura bilhões sem perder de vista o que a move desde o primeiro dia: cuidar dos pets com amor, inovação e propósito.
“Nosso desafio é ser grandes sem deixar de ser apaixonados pelo que fazemos. E isso, para mim, é o verdadeiro sucesso”, afirma Lacerda.