Carreira

Por que muitos profissionais ainda confundem movimentos de carreira com fracasso?

Em tempos de transições, seu valor profissional não está no que você faz, mas no que só você pode entregar

A carreira não é uma linha reta. É uma espiral, feita de recomeços, pausas, retornos e reinvenções (Alexyz3d/Getty Images)

A carreira não é uma linha reta. É uma espiral, feita de recomeços, pausas, retornos e reinvenções (Alexyz3d/Getty Images)

Renata Vegha
Renata Vegha

Colunista

Publicado em 2 de julho de 2025 às 15h19.

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“Oi, quanto tempo, o que você tem feito?” Quantas vezes você ouviu – ou evitou – essa pergunta? Ela costuma aparecer nos encontros casuais, nas mensagens de WhatsApp inesperadas ou até nos almoços de família. Parece inofensiva, mas carrega um peso quase existencial: nos obriga a resumir nossa complexidade em uma frase funcional. E aí mora o incômodo. Afinal, o que temos feito? E mais: o que estamos nos permitindo ser?

Essa pergunta, tão comum, abre espaço para um mal-estar. Porque nos confronta com aquilo que talvez esteja em movimento, em dúvida, em pausa ou até em desconstrução. E, ao mesmo tempo, escancara um dos maiores mitos da modernidade: a ideia de que sucesso está em uma resposta pronta, em uma definição profissional sólida, imutável – e não em um processo contínuo de descoberta pessoal.

Não somos uma coisa só. E a carreira, ao contrário do que se romantizou por décadas, não é uma linha reta. É uma espiral, feita de recomeços, pausas, retornos e reinvenções. Aproveitando este ponto, é aqui que gosto de destrinchar três conceitos frequentemente confundidos: transição de carreira, mudança de carreira e recolocação profissional.

O que diferencia a transição da mudança de carreira?

Transição é quando você muda de função, mas dentro da mesma área. Como um engenheiro que passa a liderar projetos. Mudança, por sua vez, é mais profunda: como um advogado que vira professor. Já a recolocação é o processo de se reinserir no mercado após uma demissão ou saída, seja no mesmo setor ou em outro.

Vivemos em constante transformação: uma nova liderança, uma mudança no mercado, um impacto emocional, um burnout (infelizmente) ou até um chamado mais íntimo para sair do automático. Nem sempre a mudança é voluntária. Às vezes ela vem como sobrevivência, como reação ao imprevisível.

Há várias boas notícias nisso. Nenhuma experiência é perdida. Nenhum conhecimento é em vão. Tudo se transforma em repertório – e é isso que diferencia quem entrega valor. Peço aqui licença para compartilhar com você uma lenda: dizem que, certa vez, Picasso rabiscava distraidamente um guardanapo enquanto tomava café. Uma mulher, encantada pelo artista, pediu para ficar com o desenho. Ele prontamente respondeu: “Claro, são 20 mil dólares.” Surpresa, ela retrucou: “Mas o senhor levou apenas dois minutos para fazer isso!” E ele respondeu: “Não, senhora. Levei mais de 60 anos para conseguir fazer isso em dois minutos.” O valor está na bagagem, não no tempo de execução.

E o que isso tem a ver com mudança de carreira? Tudo! Trata-se de reconhecer a própria trajetória como um ativo, especialmente quando se decide trilhar um novo caminho profissional em um setor ou campo diferente do atual.

Quem vê de fora pode não entender sua curva de aprendizado, sua entrega, sua competência construída aos poucos. É por isso que o branding se torna ainda mais essencial. Não é autopromoção – é clareza sobre o que só você entrega, com consistência, autenticidade e propósito. Marca pessoal é algo que está presente em todas as suas versões, mesmo quando tudo ao redor muda.

Pessoas inteiras não cabem em divisões exatas

É provável que você já tenha ouvido falar sobre a série Ruptura (Severance), da Apple TV+. Caso não, prometo ser breve na sinopse: na trama, as memórias dos funcionários de uma empresa são divididas por um procedimento experimental. Os personagens não lembram da vida pessoal no trabalho e vice-versa. Parece ficcional demais? Pois 35% dos britânicos gostariam de fazer o mesmo, segundo uma pesquisa da plataforma de saúde mental Unmind. Entre os jovens de 18 a 25 anos, o número sobe para 46%.

Isso mostra como ainda vivemos cartesianamente, em bolhas identitárias onde separamos o “eu profissional” do “eu pessoal”. Muitos criam personas para (sobre)viver no ambiente de trabalho. Mas essa dissociação cobra um preço: afasta o talento da espontaneidade.

Por anos atuei como profissional de RH e, em processos seletivos, sempre fui além do currículo. Perguntava o que a pessoa lia, onde costumava ir e o que fazia quando ninguém estava olhando. Porque é justamente aquilo que fazemos sem julgamento ou recompensa externa que mais revela quem somos – bem mais do que clichês como “qual animal você seria?” ou “qual é o seu maior defeito?”, para os quais boa parte dos candidatos já ensaiaram uma resposta pronta.

Por falar em clichês, peço perdão por dizer que o mundo está em constante transformação, mas é a realidade. Carreiras líquidas, inteligência artificial, novas economias, empreendedorismo por necessidade. Em meio a isso tudo, a pergunta volta: o que você tem feito? E eu te devolvo com outra: o que você tem sido? Porque o que você é, ninguém copia. Não se trata de escolher entre o profissional e o pessoal, mas de integrar ambos com consciência. A sua marca é a sua aura – um perfume que não se vê, mas é sentido. Que marca, porque tem alma. E isso, ninguém te tira.

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