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‘Quiet Cracking’: como a exclusão no trabalho pode prejudicar sua carreira e a saúde mental

Se você se sente ‘escanteado’, sem voz e sem novos projetos – cuidado: você pode estar passando por esse fenômeno de ‘rachadura silenciosa’. Veja como se sair dessa

‘Quiet Quitting’ é considerado um pré-turnover e pode estagnar a carreira (Tetiana Mykhailenko/Getty Images)

‘Quiet Quitting’ é considerado um pré-turnover e pode estagnar a carreira (Tetiana Mykhailenko/Getty Images)

Publicado em 9 de agosto de 2025 às 08h09.

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Ser excluído de uma reunião, o projeto novo que não vem e o feedback que nunca chega. Essas 'microexclusões', quando somadas, sinalizam não apenas desatenção da liderança, mas um desinvestimento institucional silencioso, que está sendo conhecido no mercado de trabalho como ‘Quiet Cracking’.

“O Quiet Cracking ou ‘rachadura silenciosa’ é um fenômeno invisível e devastador que tem afetado cada vez mais profissionais em diversos setores”, afirma Joaquim Santini, especialista em cultura organizacional.

Diferente do ‘Quiet Quitting’, que ocorre quando o funcionário decide se afastar de maneira consciente e explícita, o especialista explica que o ‘Quiet Cracking’ é um processo gradual e silencioso, onde o trabalhador vai se distanciando emocional e simbolicamente da empresa.

“O mais alarmante é que, no quiet cracking, a pessoa não abandona o trabalho – é o trabalho que silenciosamente abandona o sujeito”, afirma Santini.

Um funcionário invisível e sem voz 

A analogia simbólica que melhor traduz o ‘Quiet Cracking’ é a de um espelho que perde o reflexo: o funcionário continua lá, mas não se vê mais reconhecido, refletido ou legitimado pelo olhar do grupo.

Neste processo invisível, Santini afirma que 3 pactos são rompidos pela empresa contra o funcionário:

  • O pacto de reconhecimento (ser visto),
  • O pacto de confiança (ser escutado e acolhido),
  • O pacto de investimento afetivo (ser desejado e valorizado no grupo).

“Quando esses pactos são rompidos, mesmo que silenciosamente, o sujeito passa a ocupar um não-lugar dentro da organização. É um processo que mina a presença do funcionário, tirando a voz, o protagonismo e o pertencimento”, diz Santini.

Em outras palavras, o vínculo entre o profissional e a organização vai se deteriorando sem que o indivíduo sequer perceba, até o ponto de perder o protagonismo, o pertencimento e o reconhecimento dentro do ambiente corporativo - e isso pode acontecer em diferentes níveis hierárquicos.

"Já vi estagiário ser ignorado, gerente ser deixado de lado e até C-level 'esfriar' dentro da própria empresa. O fenômeno não escolhe nível. Ele nasce da combinação de má liderança, cultura permissiva e falta de coragem para lidar com conflitos", diz Adriano Lima, ex-CHRO, mentor e especialista em cultura corporativa.

O pré-turnover que impacta a carreira e a saúde mental

Esse movimento não é um desafio novo do mercado de trabalho, segundo Andrea Deis, psicóloga, neurocientista e professora em instituições como FGV e Dom Cabral.

"É um processo que sempre existiu, mas a maneira como nomeamos e compreendemos essa experiência é que muda", afirma Deis, que também é professora especialista em educação corporativa e gestão de pessoas.

Deis explica que, até pouco tempo atrás, o fenômeno era muitas vezes interpretado como uma questão pessoal do funcionário. "A pessoa era vista como alguém que simplesmente não se encaixava, talvez por uma falha própria", diz Deis.

No entanto, com o avanço da psicologia e neurociência social, o ‘Quiet Cracking’ passou a ser reconhecido como uma exclusão sistemática, cujos efeitos vão muito além da simples sensação de ser ignorado.

"Quando a exclusão acontece, ela não afeta apenas a saúde mental da pessoa, mas também o seu corpo", afirma a psicóloga.

Ela explica que a exclusão social ativa áreas no cérebro associadas à dor física, gerando uma sensação real de sofrimento.

“Para muitos, essa falta de pertencimento e reconhecimento no trabalho pode levar a problemas como baixa autoestima, perda de confiança e até burnout”, afirma a psicóloga.

Não é algo novo, mas agora é visto

Ser ‘escanteado’ no trabalho não é algo novo, mas um estudo recente nos Estados Unidos chama atenção para esse fenômeno. Segundo pesquisa da plataforma TalentLMS realizada em março de 2025 com 1.000 profissionais nos Estados Unidos, 54% dos entrevistados já passaram por essa experiência, e quase 20% afirmam vivê-la com frequência.

O estudo também mostra que esses profissionais são 29% menos propensos a receber treinamentos, 47% mais propensos a perceber que não são ouvidos pelos gestores e 68% menos propensos a se sentirem valorizados”.

“A rachadura, aqui, não é apenas simbólica - ela se traduz em estagnação real de carreira”, diz Santini.

O especialista alerta que o ‘Quiet Cracking’ pode ser considerado uma forma de pré-turnover, onde o vínculo já está rompido, mas a pessoa ainda está fisicamente presente.

“Quando o sujeito não se sente valorizado e não consegue se enxergar na organização, isso gera desengajamento coletivo, mina espaços de colaboração e inovação, e afeta o clima organizacional de forma geral”, diz Santini.

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Os sinais do ‘Quiet Cracking’

O ‘Quiet Cracking’ se manifesta de forma silenciosa, mas seus impactos são profundos. Entre os sinais mais comuns, estão:

  • Redução da proatividade: O profissional começa a perder o entusiasmo por suas tarefas e responsabilidades.
  • Isolamento progressivo: A sensação de estar excluído aumenta, resultando em um distanciamento dos colegas e das equipes.
  • Perda de criatividade e motivação: A ausência de estímulos e reconhecimento reduz a capacidade de inovar e se engajar com projetos desafiadores.
  • Procrastinação recorrente e apatia emocional: O funcionário começa a adiar suas tarefas e se desconectar emocionalmente do trabalho.

O fenômeno, segundo Santini, é causado por uma combinação de fatores, como lideranças frágeis, culturas organizacionais que misturam cortesia com falta de transparência e ambientes tóxicos que permitem práticas como o assédio moral e o silenciamento.

"Quando a organização não escuta o funcionário e não investe em relações autênticas, o sujeito é empurrado para uma zona de desimportância simbólica", afirma Santini.

O ‘Quiet Cracking’, segundo Lima, pode acontecer, inclusive, com profissionais brilhantes.

"Como RH por anos, vi pessoas serem 'congeladas' por causa de política interna, conflito de ego ou porque ameaçavam alguém mais acima. O papel do RH é ser mediador e não cúmplice", afirma.

Como a empresa pode prevenir o ‘Quiet Cracking’?

Prevenir o ‘Quiet Cracking’ exige mais do que iniciativas superficiais de bem-estar. Santini destaca que é preciso criar espaços de escuta genuína, e formar e promover lideranças humanas que saibam cultivar ambientes de trabalho transparentes e acolhedores.

“Trabalho não é só tarefa: é vínculo, identidade e espaço de pertencimento compartilhado. Restaurar esses pactos emocionais é fundamental para a sobrevivência de uma organização saudável”, afirma o especialista.

Líderes bem treinados também podem impedir esse tipo de comportamento dentro do ambiente de trabalho, diz o especialista Lima.

"Liderança é chave. Um líder de verdade não deixa o clima 'azedar' a ponto de alguém ser isolado. Ele aborda conflitos, dá feedback direto, cobra desempenho com clareza e oferece oportunidades justas. Ser líder não é escolher 'o time de amigos', é criar um ambiente onde todos possam entregar resultado", afirma.

É crucial também rever os sistemas de reconhecimento e promoção. “Quando os funcionários não se sentem vistos e ouvidos, o impacto no seu desempenho é imediato”, diz Santini.

Criar um canal de denúncia eficaz contra assédio moral também é uma forma da empresa combater esse fenômeno, uma vez que ele é provocado por ambientes de trabalho tóxicos, onde a falta de reconhecimento, apoio e comunicação transparente pode levar a sentimentos de exclusão.

“O assédio moral pode ser uma das causas subjacentes desse processo, especialmente quando o funcionário se sente desvalorizado ou humilhado repetidamente sem um canal adequado para expressar suas preocupações”, diz Deis.

Está sendo excluído? Veja como lidar com o ‘Quiet Cracking’

Existem algumas estratégias, segundo a psicóloga Deis, para quem enfrenta esse tipo de exclusão.

O primeiro passo é trazer à tona o que está acontecendo. "Entender o que é ideal versus o que é real é fundamental. Às vezes, a sensação de exclusão vem de uma idealização que a pessoa coloca sobre o ambiente de trabalho", sugere.

Ela também recomenda observar e registrar os episódios de exclusão. "Se você percebe que está sendo constantemente deixado de fora de reuniões ou projetos, registre isso. Isso vai ajudar a criar clareza sobre o que está realmente acontecendo", orienta.

Por fim, Deis aconselha que a conversa seja trazida à tona, com mais clareza e objetividade. "É importante comunicar o que você está sentindo. Falar sobre o valor do seu trabalho e buscar um significado maior em suas atividades profissionais pode ser o passo para reverter esse quadro", afirma.

Se não houver mudança por meio da liderança, acione o RH, aconselha Lima.

"Eu já atuei várias vezes com esse tema. E, se nada mudar, é hora de avaliar se faz sentido continuar na empresa. Eu sempre digo: ficar num lugar que já te expulsou é um desperdício de energia e autoestima".

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