Leandro Karnal, historiador: “Hoje, eu diria ao jovem Leandro que, por necessidade, já ficou mais tempo do que deveria em instituições ruins: corte despesas, invente outra função, procure outra empresa.” (Risnic Fotografia/Divulgação)
Repórter
Publicado em 14 de maio de 2025 às 15h04.
“Sua saúde mental vale mais do que qualquer salário”, diz Leandro Karnal, historiador e escritor best-seller.
No mundo profissional contemporâneo, a escuta se tornou um dos maiores ativos de liderança – assim como de um profissional bem-sucedido.
"Ouvir seus funcionários, fazer pesquisas, estar atento e entender que toda crítica, mesmo a injusta e não verdadeira, revela algo sobre o ambiente – e isso é fundamental," afirma.
Em entrevista à EXAME, durante o evento “Transformation Talks” realizado pela Robert Half e pela It’sSeg, em São Paulo, nesta terça-feira, 13, Karnal refletiu sobre o cenário atual do mercado de trabalho, os impactos da nova NR-1, o papel das lideranças e o avanço da inteligência artificial, sempre com um olhar filosófico e prático.
Apesar dos avanços em saúde mental dentro das empresas, Karnal é categórico ao afirmar que ainda não é possível falar no fim da liderança tóxica.
"Não existe fim, como nunca existiu o fim para o assediador, apesar da legislação. O mal é uma característica nossa", diz.
Para ele, o primeiro passo é parar de admirar e glorificar comportamentos nocivos. “Ainda existe espaço para admirar o chefe autoritário e tóxico, infelizmente. Especialmente quando ele entrega resultados.”
Mas os números podem enganar. Karnal compara lideranças tóxicas ao uso de esteroides anabolizantes. “Atingem resultados a curto prazo, mas ao custo da própria vida da organização. O medo funciona, sim, mas não é sustentável. Gera sabotagem, raiva e colapso.”
Ao falar com quem sofre sob lideranças tóxicas, Karnal não romantiza a demissão imediata, mas recomenda reflexão e planejamento.
“Às vezes, a pressão pelos boletos faz com que a pessoa aceite o inaceitável. Mas a vida é um valor absoluto. Sua saúde mental vale mais do que qualquer salário”, afirma.
Ele compartilha que, por necessidade, já ficou mais tempo do que deveria em instituições ruins. “Hoje, eu diria ao jovem Leandro: corte despesas, invente outra função, procure outra empresa.”
Com a atualização da NR-1 (Norma Regulamentadora nº 1), que determina a implementação de medidas para a promoção da saúde mental no ambiente de trabalho, surge uma nova esperança, e segundo Karnal, a medida pode ser vista como um avanço.
“Não é uma solução definitiva, mas é um passo. Ela pode ajudar a sensibilizar lideranças e gerar ambientes mais equilibrados, onde o melhor das pessoas venha à tona.”
Para ele, o grande divisor de águas é que, hoje, saúde mental não é mais apenas responsabilidade do RH. “É uma necessidade da presidência, dos gestores, de todos os setores”, afirma.
Ainda sobre ambiente de trabalho, na visão de Karnal, empresas éticas não são aquelas com um código bonito impresso e esquecido na gaveta, mas que aprenderam a colocar em prática as normas.
“Toda empresa envolvida em escândalo tinha um código de ética. A diferença está em aplicar a ética na prática. Como exemplo, rejeitar fornecedores que não respeitam direitos humanos, meio ambiente ou diversidade - mesmo que isso custe mais,” afirma.
Ao ser questionado sobre o impacto da inteligência artificial, Karnal é direto. “Estamos colocando no centro da arena uma habilidade que ninguém tem”.
Para ele, a IA não se aprende por osmose, como o uso do celular. Exige capacitação formal, contínua e inclusiva. “A empresa precisa se transformar em uma escola — não por caridade, mas por sobrevivência. Assim como muitas escolas já funcionam como empresas”, afirma.
A visão tradicional de sucesso, baseada exclusivamente em poder aquisitivo, perdeu espaço entre as novas gerações. “A tendência mundial é job, não emprego. Um contrato por projeto, não um projeto de vida. O desafio é criar estabilidade em um mundo instável”, afirma.
Karnal também aponta que oferecer apenas altos salários já não é suficiente para reter talentos. “A nova geração quer propósito, escuta e oportunidades de crescimento real.”
Karnal encerra com um conselho para líderes que desejam evoluir. “Um general perde a guerra quando fica no quartel-general e não vai às trincheiras. Ouvir seus funcionários, fazer pesquisas, entender que até uma crítica injusta diz algo sobre o ambiente... isso é liderança moderna.”
No fim, para ele, a melhor resposta ainda é a escuta — e o aprendizado constante. “Ninguém tem todas as respostas. Mas quem escuta, tem mais chance de encontrá-las.”