Uma experiência desportiva ajudou a aumentar a probabilidade de os candidatos conseguirem uma entrevista ou uma oferta de emprego (Cienpies Design/StockXchng)
Escola de Negócios
Publicado em 6 de setembro de 2025 às 06h01.
“Esse candidato pratica ativamente esportes de alto nível”, disse Vera.
“Campeão norueguês, ainda mais!", disse Nora. “Campeão nórdico também!"
Vera observou com aprovação: "É isso que buscamos. Interesses saudáveis que consomem tempo diz muito sobre comprometimento".
Esta foi uma conversa real observada por Lisa Sølvberg, doutoranda em sociologia na Universidade de Bergen. E esse tipo de interação não é considerado algo singular.
Em um estudo junto a empresas norueguesas em setores de alto status, como finanças, contabilidade, direito e medicina, Sølvberg e Lauren Rivera, da Kellogg, descobriram que o tema de esporte era mencionado repetidamente nas avaliações de candidatos.
De fato, uma experiência desportiva ajudou a aumentar a probabilidade de os candidatos conseguirem uma entrevista ou uma oferta de emprego. “Foi uma vantagem palpável", diz Rivera, professora titular de administração e organizações.
Ao observar centenas de avaliações de candidatos, as pesquisadoras descobriram que as empresas norueguesas frequentemente davam tratamento preferencial a candidatos com experiência em esqui, ciclismo e outros esportes populares no país.
Os resultados surpreenderam, dada a reputação da Noruega de ser uma sociedade igualitária com alta mobilidade social. Em trabalhos anteriores, Rivera havia observado um fenômeno semelhante nos EUA, onde a participação atlética de alto nível em determinados esportes foi um fator-chave na avaliação de candidatos em empresas de prestígio.
“[Na Noruega,] ainda vemos essas mesmas ferramentas, ainda que em esportes diferentes, sendo usadas como ferramentas de exclusão que acabam reproduzindo desigualdades”, diz Rivera.
Em uma pesquisa anterior, Rivera descobriu que as atividades extracurriculares desempenhavam "um grande papel" na forma como bancos de investimento, escritórios de advocacia e empresas de consultoria americanas avaliavam possíveis contratações.
As empresas davam preferência a candidatos que praticavam esportes como lacrosse ou squash. Esses são esportes tipicamente associados a um alto poder aquisitivo, especialmente no nível universitário. Atletas que praticam esses esportes tendem a vir de origens privilegiadas, com pais em condições de arcar com as altas despesas com o esporte e com tempo para levar e buscar os filhos aos jogos.
Rivera se envolveu na pesquisa na Noruega quando Sølvberg visitou Kellogg durante o programa de doutorado e disse que havia descoberto padrões semelhantes em determinados tipos de empresas norueguesas.
A pesquisa se concentrou em padrões de contratação em empresas de "elite", ou muito seletivas, em três setores diferentes: primeiro, empresas no ramo de finanças e contabilidade que alcançaram status de elite por meio de capital econômico; segundo, organizações com muito valor cultural, como organizações de artes e publicações de prestígio; e terceiro, empresas "equilibradas", como as de medicina e direito, com um alto nível de capital econômico e também cultural.
Sølvberg entrevistou 50 pessoas com diferentes funções e níveis hierárquicos que participaram ativamente do processo de contratação em suas empresas. Ela também observou o processo de contratação em nove empresas, participando de 61 entrevistas de emprego e cerca de 200 avaliações de candidatos.
Este conjunto de dados foi singular porque, em estudos de contratação, "geralmente não temos acesso a esses momentos privados dentro de empresas", diz Rivera.
As pesquisadoras notaram uma grande ênfase em desportismo nos processos de contratação de empresas de finanças, contabilidade, direito e medicina. Os avaliadores não se acanhavam em declarar suas preferências. “Ficou bastante evidente", diz Rivera. “As pessoas sabiam o que estava acontecendo e, de certa forma, não se importavam com esse viés”.
Por exemplo, algumas empresas atribuíram mais pontos a currículos que incluíam experiência em esportes. Um banqueiro de investimentos disse: "Dou muita importância a pessoas que praticaram esportes competitivos" porque isso "diz muito sobre a personalidade de forma positiva".
Uma gerente de RH observou que um diretor de uma empresa anterior "gostava muito de esqui cross-country. Assim, todos que conseguiam esquiar cross-country em um determinado nível" conseguiam a oportunidade de fazer uma entrevista.
Conversas sobre esportes também foi um fator frequentemente mencionado durante entrevistas com candidatos em mais de 80% das interações em empresas dos setores econômico e "equilibrado".
Em reuniões de decisão após as entrevistas, os avaliadores geralmente não se referiam diretamente ao histórico esportivo do candidato, mas mencionavam ocasionalmente o esporte como um ponto a favor do candidato, sugerindo que isso poderia "servir como critério de seleção que pode explicitamente levar um candidato para a lista de desejáveis", escreveram as pesquisadoras.
Esportes predominantemente considerados masculinos, como esqui, futebol, remo e ciclismo, foram mencionados 79% nas entrevistas de Sølvberg com funcionários. No setor econômico e em escritórios de advocacia, os avaliadores também preferiram candidatos que tivessem jogado em uma liga profissional ou competitiva para adultos, atividades essas que se concentram especialmente em homens e na classe alta.
As exceções claras eram empresas de elite do setor editorial e das artes. O esporte raramente foi mencionado nessas entrevistas de emprego e somente como parte de uma discussão mais ampla que incluía outros interesses, como música.
Por que alguns empregadores se importam tanto com experiência em esportes, mesmo quando esse aspecto não reflete as responsabilidades profissionais dos candidatos?
Alguns avaliadores veem a prática de esportes como um indicador de características valiosas, como a boa gestão do tempo, ambição, determinação e capacidade de trabalhar em equipe (mesmo que apenas um esporte individual).
Outros avaliadores argumentam que um candidato com experiência esportiva se adaptaria melhor socialmente. Por outro lado, a falta de experiência esportiva era às vezes vista como um sinal de preguiça. Um avaliador admitiu: "Quando analisei aqueles currículos, pensei: será que pessoas que não praticaram esportes são um pouco preguiçosas?"
No entanto, outras atividades pessoais que possam sinalizar traços positivos de caráter não receberam o mesmo peso. Por exemplo, não foi valorizado o fato de o candidato(a) ser pai ou mãe ou de trabalhar ao mesmo tempo que estudava na universidade, que também indicaria boa gestão do tempo. Isso exemplifica o que Rivera chama de mérito da semelhança: muitos funcionários dessas empresas são atletas e "definem o que é um bom trabalhador por meio de sua própria experiência".
Algumas empresas norueguesas pareciam até usar critérios ligados a esportes para contornar leis que proíbem a discriminação com base em deficiência ou condições de saúde. Avaliadores do setor de saúde mencionaram que a prática de esportes sinalizava a capacidade de lidar com jornadas de trabalho intensas e exigências mentais. Eles acreditam que pessoas que praticam esportes são mais "confiáveis" e que estão menos propensas a se beneficiar da generosa política de licença médica da Noruega.
“Eles querem ter funcionários saudáveis o suficiente para nunca precisar usar esse benefício", diz Rivera. Nesse contexto, a preferência por atletas era "uma forma de excluir pessoas com base no estado de saúde e possível deficiência".
Em parte, a ênfase dessas empresas no esporte é específica da Noruega. No setor econômico e nos escritórios de advocacia, atividades esportivas organizadas são essenciais para a cultura da empresa, e muitos funcionários viajam juntos para atividades de esqui ou aventuras de bicicleta. Muitas dessas empresas também competem em eventos esportivos nacionais e internacionais, o que se torna em um motivo de orgulho para a empresa e uma forma de impulsionar o seu status.
Se o "candidato consegue enfrentar pistas de esqui de nível avançado ou ir além do esperado, ele é bom o suficiente para integrar o grupo", diz Rivera.
Em vez de focar tanto em esportes, Rivera acredita que as empresas deveriam levar em consideração as características que desejam medir e avaliá-las de forma mais direta. Por exemplo, se desejam avaliar a gestão de tempo de um candidato, o ideal seria testar especificamente essa habilidade como parte da avaliação.
As empresas que utilizam representantes para tomada de decisão devem "avaliá-los minuciosamente para garantir que não estejam excluindo sistematicamente uma grande parcela da população", diz Rivera. "Os atletas não têm o monopólio da gestão do tempo e do trabalho em equipe".
Os empregadores precisam pensar mais a fundo sobre a forma como avaliam os candidatos para que não usem uma definição muito restrita de mérito, acrescenta ela. Devem se perguntar: "Estamos excluindo pessoas por razões que não têm nada a ver com sua capacidade profissional?"