Brasil: destaque na produção de um tipo nobre de ovas, a bottarga de tainha (Getty Images/Getty Images)
Repórter de Casual
Publicado em 26 de junho de 2025 às 10h44.
Última atualização em 26 de junho de 2025 às 11h44.
Você sabe o que é caviar e como esta ova se diferencia das outras? A primeira menção escrita ao consumo de ovas vem dos persas, que já extraíam os ovos do esturjão no Mar Cáspio. Mas, foi entre os russos e os povos do Cáucaso que o caviar assumiu o protagonismo que hoje ostenta. Séculos depois, franceses o refinaram, e magnatas o transformaram em um ingrediente sofisticado.
No Japão, o ikura — as grandes esferas alaranjadas do salmão — ganhou destaque na mesa como parte dos sushis. No restaurante japonês Maza, o chef Willian Seiji Enokizono explora ao máximo as possibilidades dessa iguaria.
“Gosto muito da combinação da ikura com vieiras. A de tainha, que é como uma bottarga, usamos ralada sobre o wagyu. O tobiko, extraído do peixe-voador, vai no sushi de atum spicy e o massago no tartar de salmão”, diz.
Ao contrário do que se imagina, as ovas foram por muito tempo um alimento popular. Na Islândia, eram servidas no café da manhã. Na Grécia, o taramasalata — um patê à base de ovas de peixe — acompanha pão como entrada cotidiana. No Norte e Nordeste do Brasil, ovas de curimatã ou tainha recheiam moquecas, são fritas inteiras ou misturadas a farofas com azeite de dendê.
No restaurante de culinária peruana Ama.zo, em São Paulo, o chef Enrique Paredes observa a versatilidade das ovas na cozinha contemporânea. “Elas podem trazer sabor, textura e cor a um preparo. Não oferecem apenas uma característica, mas um conjunto de qualidades”, diz.
Ama.zo: restaurante peruano tem no menu ostras com ovas (Luis Morales Tineo/Divulgação)
Já para o chef André Mifano, do restaurante Donna, as ovas acrescentam liberdade criativa aos pratos. “Não há regras para comer ovas. Você pode colocar literalmente em qualquer receita. Elas acrescentam salinidade e essa sensação de maresia que pode transformar um prato inteiro”, explica.
No restaurante Murakami, nos Jardins, que conquistou uma Estrela Michelin em 2024, as ovas estão presentes em diversas criações. Segundo o chef Tsuyoshi Murakami, a escolha do tipo de ova acontece de acordo com a experiência sensorial que a variedade proporciona. “Gosto de brincar com o que variedade traz. Tem ovas que explodem na língua, outras que derretem, algumas que vêm com um leve toque de pimenta. É uma experiência completa”.
A procedência das ovas influencia na textura, sabor e valor. Os caviares do Mar Cáspio continuam sendo os mais prestigiados, mas países como China, Estados Unidos, França e Itália têm se destacado com criadouros sustentáveis.
Embora o Brasil não produza o caviar tradicional de esturjão, o país se destaca na produção de um outro tipo nobre de ovas: a bottarga de tainha. Especialmente nas regiões costeiras de Santa Catarina, essa iguaria tem espaço garantido em restaurantes renomados e nas mesas de apreciadores ao redor do mundo.
Conhecida como “caviar brasileiro”, a bottarga é feita a partir das ovas inteiras da tainha, que passam por um processo artesanal de salga, prensagem e secagem controlada. O resultado é um bloco firme e dourado, de sabor intenso e marcante, com notas que remetem a frutos do mar, nozes e queijos curados, dependendo do grau de maturação.
Donna: prato com espaguete fresco e ovas (Rodolfo Regini/Divulgação)
Em resumo, todo caviar é ova, mas nem toda ova é caviar. O termo “caviar” refere-se exclusivamente às ovas de esturjão, peixe que habita principalmente as águas frias do Mar Cáspio e do Mar Negro.
Sua produção segue métodos tradicionais, envolvendo coleta cuidadosa, processamento rápido e salga leve, garantindo frescor e textura delicada. A origem é fundamental para a qualidade, e exemplares dessas regiões são considerados os mais nobres e caros do mundo.
Com o tempo, “caviar” passou a ser usado comercialmente para ovas de outras espécies, como truta, salmão e até ouriço-do-mar, embora puristas defendam que apenas as ovas de esturjão mereçam essa denominação.
Segundo Mifano, o caviar costuma ser servido em cima de um blini, um canapé com um pouco de ciboulette picadinha e creme fresco. “Tem também o serviço completo de caviar, em que ele é normalmente oferecido em um pote específico junto de limão, gema de ovo, clara de ovo, creme fresco e ciboulette. Aí você vai montando os seus blinis”, explica o chef.
O alto valor está relacionado ao processo de produção. O esturjão leva até vinte anos para atingir a maturidade e a pesca é rigorosamente regulada, já que várias espécies estão ameaçadas de extinção. Alguns criadouros tecnológicos reproduzem as condições do Mar Cáspio e do Mar Negro a fim de garantir qualidade, mas não repõem totalmente o estoque natural.
Com essa oferta limitada, o preço pode variar entre 600 dólares e 2 mil dólares o quilo - o raríssimo Almas, feito com esturjão albino, alcança valores ainda mais altos. Segundo o chef Mifano, “é o mais raro e o mais difícil de conseguir, porque é de lá que saem as melhores ovas. Ele é muito caro porque existe em poucas quantidades e todo mundo quer”.
Maza: vieira trufada com ovas (Luis Morales Tineo/Divulgação)
Do Mar Cáspio ao mundo, o caviar ainda é o padrão-ouro das ovas. Beluga, Ossetra e Sevruga são os tipos mais célebres, cada um com perfis distintos de sabor e textura. Em tempos recentes, fazendas europeias e americanas passaram a produzir versões éticas e mais acessíveis, usando técnicas cirúrgicas que permitem extrair os ovos sem sacrificar o peixe.
Comuns no Japão e no Pacífico Norte, essas ovas são salgadas ou marinadas em shoyu, e aparecem em sushis, bowls e colheres solitárias. São carnudas, suculentas e têm um frescor característico que remete ao fim do outono nos rios do Alasca.
Menores, crocantes e coloridas artificialmente, essas ovas são favoritas em rolls modernos. Adicionam textura, acidez e uma nota levemente defumada.
No Mediterrâneo, sobretudo na Sardenha, a bottarga é um ritual. As ovas são salgadas, prensadas e curadas ao sol até virarem um bloco âmbar de sabor concentrado e aroma inconfundível. Raladas sobre massas com azeite e limão, revelam sua grandiosidade.
Na Coreia e Japão, essas ovas fermentadas e temperadas com pimenta são um alimento de conforto. Aparecem em onigiris, massas e pães. O sabor é intenso, quase viciante.
Parente do tobiko, é a versão mais econômica, comum em sushis do Ocidente. Tem menos crocância, mas cumpre seu papel estético e salgado.
Essas variedades aparecem em diversas culturas locais. No Brasil, ovas de peixe amazônico ou da tilápia são consumidas inteiras, fritas, assadas ou cozidas, e fazem parte da herança alimentar de ribeirinhos. Na Europa Central, a ova de truta é delicadamente curada e servida com creme azedo e pão preto.