Nathalia Tolentino: de Goiana ao NYFW
Repórter de Casual
Publicado em 23 de setembro de 2025 às 13h45.
Última atualização em 23 de setembro de 2025 às 14h43.
"É um desafio muito grande se manter fiel à sua autenticidade em um mercado que te pede o tempo todo para copiar algo." Essa foi a reflexão que Nathalia Tolentino tirou da própria trajetória, uma jornada de 21 anos que a levou a ser uma das poucas estilistas brasileiras a expor na New York Fashion Week de 2025.
Em setembro deste ano, pela primeira vez desde que criou a marca, em 2004, a designer levou o Cerrado para a cosmopolita cidade americana com a nova coleção Legado, de bolsas de luxo — pensadas, desenhadas e costuradas por ela e uma pequena equipe, em um processo quase 100% manual. Os diferentes modelos da linha trazem técnicas de costura variadas, do crochê ao Lunéville (alta-costura de bordado francês). Cada unidade pode levar até 15 dias para ficar pronta.
"A ideia foi levar a nossa cultura brasileira da moda para fora do país, mostrar o que a gente tem de mais rico por aqui. Dei o nome de Legado porque eu vejo a moda hoje como algo muito descartável, e eu queria criar algo que resistisse ao tempo. Algo que minhas filhas e as próximas gerações pudessem valorizar", contou Tolentino à EXAME Casual dias após o desfile na semana de moda americana.
O desfile aconteceu no contexto da Flying Solo, que funciona como uma vitrine internacional para marcas de luxo independentes e autorais no festival. Para remeter à flora brasileira, parte dos modelos levam bordados das flores do Cerrado em cima de ráfia natural, um trabalho todo feito em tear pela Jéssica Brandt. Outras unidades foram feitas em crochê (por Vera Cristina), tricô e entremeado de couro — uma das técnicas mais trabalhosas.
Todo o processo, acredita Tolentino, é um reflexo do impacto cultural e técnico da moda à brasileira.
"Não tem como eu trocar o estilista brasileiro por um de fora, porque o que o Brasil produz em moda tem uma identidade muito única. A gente aqui a gente tem tudo, nossos materiais são muito preciosos", completou a estilista. "A gente precisa enxergar a nossa beleza, a nossa grandiosidade antes de admirar o que vem de fora. Eu não fui lá contemplar o deles. Fui para mostrar o que a gente tem de bonito, de melhor".
Nathalia começou a jornada no design aos 19 anos, quando, ainda na faculdade, criou a primeira bolsa para carregar suas pranchetas. Daquele momento em diante, ela percebeu que a criação de bolsas seria não apenas uma profissão, mas uma missão pessoal. "Fazer bolsas sempre foi algo muito íntimo, uma forma de traduzir minha visão sobre o mundo. No início, não acreditava muito em mim, mas com o tempo fui vendo que esse era o meu caminho", compartilhou a estilista.
Em mais de 20 anos de história, foram diversos altos e baixos. Nos primeiros anos, muitos lojistas pediam para que ela "copiasse" modelos de grandes marcas. Tolentino resistiu à tentação de seguir o caminho do fast fashion, mas passou longos anos receosa de seguir firme com a autenticidade. "Foi o maior aprendizado que eu tive esse ano: confiar nas minhas ideias, ir sem medo de colocar o que eu pensei".
Na pandemia, com o descompasso entre os pedidos e os materiais encomendados, ela quase desistiu. Com as lojas fechadas e a dificuldade de vender para o atacado, ela teve que se adaptar e repensar a estratégia de vendas. Foi nesse cenário que a venda direta ao consumidor, através do e-commerce, se mostrou como um caminho essencial. "Essa mudança me fez conhecer melhor meu público e entender o que eles realmente valorizam nas minhas criações. Foi quando realmente conseguimos solidificar nossa identidade", contou ela.
Em 2025, com a presença na Semana de Moda de Nova York, ela acredita que chegou a um novo recorde de reconhecimento. Não que tenha sido um ano fácil: aos 40 anos e com metade da vida dedicada à marca, ela acredita que ainda há dores do empresariado — mesmo no mercado de luxo — que demoram a ser sanadas. A administração de equipe e a renovação das coleções, na visão da estilista, são os maiores desafios de 2025.
Hoje, a marca produz de duas a três coleções por ano, com uma média de 150 a 200 bolsas por mês. Os preços da coleção, já disponível no site oficial da marca, variam entre R$ 1,890 a R$ 8,490. "Enquanto muitas marcas produzem em massa, a nossa produção é limitada e feita com muito cuidado. Isso é o que torna cada bolsa única", conclui a estilista.