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Discreto luxo: os novos hábitos da elite cultural

Livro discute por que as pessoas de alta renda estão preferindo adotar hábitos de consumo mais simples do que ostentar a riqueza

LOJA MACY’S, EM NOVA YORK: uma parte crescente da nossa elite em ascensão – aquela que podemos falar de elite cultural – foge desse mundo do consumismo e da ostentação óbvia / Andrew Kelly/ Reuters (Andrew Kelly/Reuters)

LOJA MACY’S, EM NOVA YORK: uma parte crescente da nossa elite em ascensão – aquela que podemos falar de elite cultural – foge desse mundo do consumismo e da ostentação óbvia / Andrew Kelly/ Reuters (Andrew Kelly/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 27 de janeiro de 2018 às 08h16.

Última atualização em 27 de janeiro de 2018 às 09h38.

The Sum of Small Things: A Theory of the Aspirational Class (“A soma de todas as pequenas coisas: uma teoria sobre a classe aspiracional”, numa tradução livre)

Elizabeth Currid-Halkett

Editora Princeton University Press

272 páginas

——

Os sinais de ascensão social e econômica de uma família de classe média são sempre evidentes, não é? Carros novos e importados, casa maior, restaurantes finos, roupas de marca. Para uma parte da população isso é verdade; mas não para todos. Uma parte crescente da nossa elite em ascensão – aquela que podemos falar de elite cultural – foge desse mundo do consumismo e da ostentação óbvia. E optam por uma que é menos óbvia – embora igualmente real.

É esse fenômeno de mudança nos hábitos de consumo da alta classe média que Elizabeth Currid-Halkett estuda em The Sum of Small Things: a Theory of the Aspirational Class (“A soma de todas as pequenas coisas: uma teoria sobre a classe aspiracional”, numa tradução livre). Seu contraponto e inspiração é um livro de 1899, do economista Thorstein Veblen, chamado The Theory of The Leisure Class (A Teoria da Classe Ociosa). Em seu livro, Veblen analisava o consumo da elite capitalista, e observava como essa classe – que podia se dar ao luxo de se dedicar inteiramente ao lazer – praticava o que ele chamava de “consumo conspícuo”. Isto é, comprava bens chamativos e os ostentava para conseguir a admiração do resto da sociedade. Seguia, nisso, a observação do pai da ciência econômica, Adam Smith, ainda no século 18, de que a importância da riqueza para o indivíduo reside principalmente em sua capacidade de atrair a admiração popular.

Hoje, o fenômeno parece ter se invertido. As pessoas mais ricas e mais elegantes não querem mais ter um carrão importado; seu luxo é nem ter carro, e poder ir a pé ao trabalho. Não fazem questão de comidas exóticas e caríssimas trazidas do outro lado do mundo; preferem valorizar a agricultura local e orgânica. Também não fazem questão de marcas e grifes, preferindo artesãos muitas vezes pouco conhecidos fora de seu meio. Seu consumo é pautado por preocupações sociais e ambientais (querem marcas “conscientizadas”). E, por fim, investem o que podem na autoformação e na formação de seus filhos, de preferência nas melhores universidades.

O uso do tempo e pequenos luxos similares na vida profissional moderna são outra área de destaque. Poder amamentar o filho durante o dia, frequentar eventos culturais, cozinhar refeições sofisticadas; tudo isso são sonhos para um americano de classe média que vive em função do trabalho. (Lembrando que, nos Estados Unidos, o horário de almoço via de regra consiste num sanduíche comido à mesa de trabalho.)

Esse tipo de consumo não é conspícuo. Não é o tipo de consumo que impressiona as massas e se adequa ao ideal de riqueza e de “estar bem de vida”. Mas nem por isso ele deixou de lado uma de suas principais funções, que é a distinção social; ou seja, se destacar da massa, se colocar acima dos demais. A diferença é que agora essa mensagem não é comunicada a todos, mas a poucos, apenas àqueles que participam desse mesmo mundo de afluência e consumo. A divisão social continua a existir, mas ela agora é mais discreta, escapa aos olhos não-iniciados. Ela depende, ademais, não apenas do capital financeiro, como principalmente do capital cultural.

Exatamente por ser menos evidente, a barreira à entrada é ainda mais difícil. Não basta acumular dinheiro; é preciso ter a formação cultural correta também, e participar daquele meio. Nisso, se assemelham mais ao velho ideal da aristocracia, que reside antes nos modos e nos costumes do que na posse de bens e riquezas, desprezando novos ricos que tentam comprar sua entrada nos meios exclusivos a peso de ouro. Se o objetivo é uma Ferrari vermelha, eu posso estar bem longe dele, mas ao menos sei em que direção caminhar. Se ele está em pequenas decisões do dia a dia e num estilo de vida que não é imediatamente visível, eu não tenho nem como dar o primeiro passo.

Por fim, há outro aspecto problemático, segundo a autora. Os ricaços de outrora, ao comprar mansões e iates, ostentavam a distância que os separava das massas, mas esse consumo conspícuo não tendia, por si mesmo, a aumentar essa distância. Pelo contrário, na medida em que ele é uma fonte de despesas, ele tendia a tornar o rico um pouco menos rico. O consumo da nova classe aspiracional tem o efeito inverso: ao colocar os filhos nas melhores escolas e estar sempre se aprimorando, ela aumenta constantemente sua distância com relação a todos aqueles que não podem pagar por essa formação.

A autora, que é professora de políticas públicas na Universidade do Sul da Califórnia, faz um excelente trabalho de coleta de dados, e nos dá uma imagem razoavelmente detalhada desse novo padrão de consumo que define toda uma classe. A leitura, contudo, às vezes parece longa demais. Uma vez entendendo a tese central e tendo uma ideia dos dados, o restante do livro fica um pouco repetitivo. Nada que comprometa a importância dessa obra para compreender melhor o mundo em que vivemos, em que discursos sociais e igualitários convivem com condutas que podem estar aumentando o abismo entre os que têm mais e os que têm menos.

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