Casual

Livro conta a história de família de Éder Jofre, o campeão de boxe que o Brasil insiste em esquecer

“O Príncipe do Boxe”, do jornalista Fábio Altman, fala da trajetória do campeão mundial, sim, mas o foco da obra é seu avô materno, o também pugilista Waldemar Zumbano, tio de Éder

Waldemar Zumbano (à direita, de óculos) com Joe Louis: visita ao Brasil em 1947 (Álbum de Família/Reprodução)

Waldemar Zumbano (à direita, de óculos) com Joe Louis: visita ao Brasil em 1947 (Álbum de Família/Reprodução)

Ivan Padilla
Ivan Padilla

Editor de Casual e Especiais

Publicado em 21 de junho de 2025 às 08h30.

Tudo sobreBoxe
Saiba mais

Em um país que vive de heróis, mas sofre de amnésia, que não se lembra quem foi Maria Esther Bueno e já começa a ficar distante até mesmo das glórias recentes de atletas como Rebeca Andrade e Fadinha, vale começar este texto recordando quem foi Éder Jofre.

O boxeador Éder Jofre mereceria ter o mesmo reconhecimento de Ayrton Senna e Pelé. Ele foi o maior peso galo da história, duas vezes campeão do mundo. Entre 1956 e 1976, participou de 81 lutas. Só sofreu duas derrotas, ambas para o japonês Masahiko “Fighting” Harada.

Mas no fim da vida, aquele atleta, de tamanho inversamente proposicional à pequena estatura de 1,63 metro, começou a ter repetidos lapsos de memória. Se o Brasil não se lembrava dele, ele também passou a esquecer coisas simples do cotidiano, como o lugar das chaves do carro, a lista do supermercado, o dia do mês.

Éder Jofre "estava aprisionado no porão de um cérebro desafinado, mal compreendia a altura que galgara no boxe”. Ele morava no quarto de uma casa de família, no bairro de Campo Limpo, em São Paulo. Para lembrar das atividades diárias, e até da própria identidade, ele tinha uma folha A4 presa com fita adesiva na porta do quarto. “Eu, Éder Jofre, moro com a minha filha Andrea, o marido, Oliveira, e os filhos Lanika, Axel, Babi e Sydney... Pela manhã, após o café, tenho que me exercitar, desenhar e escrever... Depois do jantar volto a assistir TV até a hora de dormir.”

Éder Jofre, à esquerda, enfrenta Masahiko "Fighting" Harada: únicas duas derrotas da carreira (Sankei Archive/Getty Images)

O Príncipe do Boxe em questão

É dessa maneira que o jornalista Fábio Altman começa o livro “O Príncipe do Boxe”, que acaba de ser lançado pela editora Seja Breve (sejebreve.com.br, R$ 59,90).

Éder Jofre passou a sofrer de dificuldades mentais. No começo desconfiava-se de Alzheimer. Mas o quadro, descobriu-se depois, era encefalopatia traumática crônica, conhecida no meio como “demência pugilística”, resultado de muitos golpes, em muitas lutas, em muitas décadas. O livro teve como ponto de partida uma reportagem de 2014, quando Éder estava com 78 anos, em que Altman investiga, junto a um corpo de médicos, a causa dos problemas mentais do bicampeão mundial.

Altman conta na obra que se sentia “traindo a família” ao investigar a fundo o que ocasionara a demência e, com isso, sujando a imagem do boxe. Isso porque Éder Jofre era sobrinho de Waldemar Zumbano. E Zumbano, por sua vez, era o avô materno de Altman.

Zumbano, o Neno, também era pugilista, com mais de 250 lutas no currículo, Foi o treinador da equipe de boxe do Brasil na Olimpíada de Tóquio em 1964 e reponsável pela formação de muitos lutadores.

E então o livro dá uma guinada, um sucker punch, e dá protagonismo a Zumbano, o príncipe do boxe do título do livro. O apelido foi dado por um amigo, à revelia do pugilista. Sem Zumbano não haveria Éder Jofre, escreve o autor. A começar pelo nome. Militante comunista, Zumbano adotou na clandestinidade durante o governo de Getúlio Vargas o pseudônimo de Frank Éder, emprestado de um pugilista austríaco, que ele lera em um jornal. A alcunha foi resgatada na hora de batizar o sobrinho.

Amigo de Jorge Aamado e Oswald de Andrade

O clã Zumbano-Jofre praticamente introduziu o boxe moderno no Brasil, primeiro a partir de Mococa, no interior de São Paulo, depois na capital paulista, em uma saga que mistura perseguição política e dedicação ao esporte. Daí que o livro é, sim, um relato da grandeza de heróis nacionais, mas é também um prosaico relato de família, em que a história se entrelaça com as memórias de adolescência do autor, de sua mãe e de seus irmãos.

A militância aproximou Zumbano de Jorge Amado, de Zélia Gattai, de Oswald de Andrade. O boxe criou laços de amizade com os carcereiros nas vezes em que foi preso. Uma foto em preto e branco, a que abre este texto, mostra o pugilista com o lendário boxeador Joe Louis em visita ao Brasil, em 1947.

Como já fizeram outros autores, a exemplo de Norman Mailer e David Remnick, de maneiras distintas, Altman consegue transformar o que para muitos é apenas um esporte violento em literatura, algo que transcende a rinha e se transforma em algo maior, uma perspectiva de vida, uma parábola da sociedade.

Na primeira reportagem, e depois no livro, Altman consegue imprimir delicadeza a uma modalidade disputada com os punhos. Voltando a falar do bicampeão mundial, cabe aqui a reprodução de um trecho. "Em Éder Jofre se combinaram admiravelmente a habilidade, a velocidade, a força, o sacrifício, o coração, a inteligência e os reflexos, qualidades que fazem do boxe, senão a única maneira civilizada de liberar a violência inata do homem, com certeza a forma esportiva mais pura de atender ao instinto do domínio sobre outro.”

Acompanhe tudo sobre:BoxeLivros

Mais de Casual

Quanto custa comer no restaurante brasileiro eleito um dos 50 melhores do mundo

Destaque na Bienal do Rio, Pedro Bandeira terá obra adaptada ao cinema

"Senti que a F1 e o cinema se encontraram", diz Lewis Hamilton sobre filme em que é produtor

Luxo à venda: Stellantis avalia desfazer-se da Maserati em meio à reestruturação de marcas