Série "O Cacador de Marajás": a saga de Fernando Collor (Globoplay/Divulgação)
Editor de Casual e Especiais
Publicado em 1 de novembro de 2025 às 07h00.
"Era uma coisa muito grande né. Difícil de acreditar”, diz Thereza Collor, sobre a candidatura à presidência de seu então cunhado Fernando Collor. “Eu achava que ele tinha chance zero”, fala Leleco Barbosa, filho do Chacrinha e amigo de Fernando. O empresário José Victor Oliva, então rei da noite paulistana, foi mais direto. “Presidente? Não fode.”
Nem as pessoas mais próximas acreditavam que Fernando Collor, então um desconhecido governador de um dos estados mais pobres da federação, teria chance de vitória na primeira eleição presidencial do Brasil após duas décadas de ditadura militar. De início, apenas seu núcleo duro, que mais tarde seria conhecido como República de Alagoas, apostou em sua candidatura.
Collor começou a campanha com 4% de intenção de voto, pelo pequeno e recém-criado PRN, quando a imprensa sequer sabia se o seu nome se escrevia com um L ou dois. Terminou o primeiro turno com 28% e o segundo com 53%, em que venceu Luís Inácio Lula da Silva por uma diferença de seis pontos percentuais.
A saga do enérgico político, que pregava austeridade e caiu por corrupção, é contada na série “O Caçador de Marajás”, na Globoplay. Com direção de Charly Braun e direção de fotografia de Carol Quintanilha, os sete episódios do documentário contam com depoimentos de quem participou daqueles loucos anos, de 1987, ano em que Collor assumiu o governo de Alagoas, até o impeachment da presidência, em 1992.
Muitos personagens daquela época ajudam a reconstituir os fatos da época, como Thereza Collor, o empresário Luiz Estevão, os jornalistas Mario Sergio Conti, Eduardo Oinegue, Boris Casoy, Boni, o apresentador Jô Soares, assessores das campanhas de Lula como Ricardo Kotscho e Paulo de Tarso, assessores de Collor como Etevaldo Dias, os economistas Persio Arida e Elena Landau, entre outros. A produção do documentário começou dez anos atrás.
O avô de Fernando, Lindolfo Collor, foi deputado federal e ministro. Seu pai, Arnon de Mello, foi deputado federal, governador de Alagoas e senador. Acabou preso após ter matado com um tiro no peito um suplente de senador, no Congresso. A vítima estava há um dia de se aposentar. Foi um engano. O alvo do disparo era um rival de Arnon, o senador Péricles de Góis Monteiro.
O futuro presidente do Brasil nasceu em Maceió e passou a juventude entre Rio de Janeiro e Brasília. A família controlava um império local de mídia, com jornal, rádio e emissora de TV. Collor foi prefeito de Maceió de 1979 a 1982 e deputado federal de 1982 a 1986.
No Congresso, Collor pertencia ao baixo clero. O anonimato não combinava com sua vaidade e ele se lançou como governador. No Palácio dos Martírios, a marca de seu mandato foi a chamada caça aos marajás, o combate aos altos salários e benefícios de servidores públicos.
Foi com essa alcunha, a de caçador de marajás, em uma bem-sucedida estratégia de marketing, que Collor se disputou a primeira eleição presidencial de 1989. Eram no total 22 candidatos — sim, 22. Os debates, os primeiros da história da TV brasileira, foram marcados pela informalidade e regras frouxas. Ficou célebre o momento em que Leonel Brizola chama Paulo Maluf, aos berros, de “filhotes de ditadura”.
Silvio Santos chegou a figurar nessa lista por alguns dias, até sua candidatura ser impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Com muitas imagens de época, fica claro como Collor usou a TV para construir sua narrativa e reforçar simbolismos. Ao aparecer chegando em seus compromissos de helicóptero, era como um herói vindo dos céus, diz a jornalista Mônica Waldvogel.
Com o apelido de “Indiana Collor”, o jovem político era filmado nas ruas de mangas arregaçadas, praticando artes marciais, pilotando jet sky. Na polarização com um Lula “que assustava as pessoas”, nas palavras do assessor Kotscho, ele conseguiu transmitir a imagem de um estadista moderno e liberal.
Fernando Collor: mandato conturbado (Globoplay/Divulgação)
Ali Kamel admite em entrevista que a edição do Jornal Nacional do último debate com Lula favoreceu Collor. Na véspera, a campanha do alagoano havia colocado no ar o depoimento de Miriam Cordeiro, com quem Lula tivera uma filha, Lurian. A aparição de Miriam contribuiu para o mau desempenho do sindicalista, visivelmente cansado, no debate da Globo.
A primeira medida de Collor na presidência foi o confisco de cerca de 80% dos depósitos bancários acima de 50 mil cruzados novos, equivalente então a 2 mil dólares, como parte do Plano Brasil Novo, mais conhecido como Plano Collor, para combater a inflação explosiva.
Na coletiva para apresentar o tresloucado plano, a ministra Zélia Cardoso e sua equipe se atrapalham com as perguntas dos jornalistas. Segundo o jornalista Bob Fernandes, Fidel Castro teria dito que ele mesmo jamais teria conseguido apoio político para tomar uma medida daquelas. O Plano Brasil Novo não funcionou. Os supermercados ficaram desabastecidos, empresários quebraram, a inflação voltou e o país caiu em recessão.
O político que se fez com a imagem da caça aos privilégios acabou caindo por denúncias de lavagem e desvio de dinheiro de seu tesoureiro, PC Farias, em parte reveladas por uma explosiva entrevista do irmão de Pedro Collor, em uma história trágica de rompimento familiar.
A trilha sonora do documentário, entre o sertanejo pop de Chitãozinho & Chororó e o incipiente rock nacional, contextualiza aquele frenético período. Momentos trágicos se misturam a situações engraçadas. Na campanha de 1989, a grande maioria dos artistas fez campanha para Lula. No programa de TV, eles aparecem cantando o “Lula-lá”, música que se tornou símbolo da campanha do petista. Entre os poucos atores que ficaram ao lado de Collor estava o então casal Alexandre Frota e Claudia Raia. “Às vezes eu me arrependo da minha posição”, diz Frota, na série. “Eu devia estar lá com eles, cantando aquela parada.”