Marena Cucina: burrata e ficchi (Daniel Cancini/Divulgação)
Repórter de Casual
Publicado em 20 de outubro de 2025 às 11h29.
A gastronomia vive um momento de efervescência, com o crescimento na busca por experiências e interesse dos consumidores em conhecer a fundo a produção dos alimentos. Entre as tendências atuais está a busca por viagens para conhecer fazendas e diferentes produtores de queijos.
Tal demanda movimenta economias locais e reposiciona regiões inteiras no mapa do turismo gastronômico. Se antes o vinho era o protagonista das viagens gourmet, agora é a vez dos entusiastas por queijos que descobriram que é possível explorar um país inteiro a partir de um pedaço de leite maturado.
Regiões tradicionais da Europa, como França, Itália e Suíça, já entenderam o poder do queijo como atrativo cultural, econômico e emocional. Produtores abriram as portas das queijarias, chefs criaram experiências imersivas e roteiros antes rurais ganharam charme e sofisticação.
A lógica é simples: queijo conta histórias, preserva tradições e gera receita — do campo ao restaurante estrelado.
A empresa europeia Cheese Journeys virou referência global ao transformar queijo em produto de turismo premium. A empresa organiza viagens pela Europa com acesso exclusivo a produtores artesanais, caves de maturação, chefs e sommeliers. Os roteiros incluem degustações, aulas e experiências culturais em destinos como França, Itália e Reino Unido.
Pequenos vilarejos estão se tornando destinos procurados ao manterem métodos ancestrais de produção, gado específico, maturação controlada e aquela aura de produto “que não se encontra no supermercado”.
No Brasil, o movimento começa a ganhar escala, reposiciona regiões, cria novas rotas turísticas e movimenta economias locais com um produto que sempre esteve nas mesas, mas que ainda não era o protagonista.
A lógica é semelhante ao enoturismo, mas com sotaque mineiro, gaúcho, serrano e amazônico. Em vez de taças e videiras, o passaporte é tábua de madeira e faca afiada. Minas Gerais é o epicentro: só o estado tem mais de 30 tipos reconhecidos de queijo artesanal e responde por uma fatia que ultrapassa R$ 2 bilhões por ano na economia local — número que vem crescendo à medida que o turismo rural se profissionaliza.
La Braciera: todos os anos os sócios viajam em busca de novos fornecedores e sabores (Rodolfo Regini/Divulgação)
Em 2023, só o Queijo Canastra movimentou cerca de R$ 600 milhões, segundo cooperativas locais — e isso sem contar os derivados turísticos: hospedagem, gastronomia, eventos e transporte.
O fenômeno já atingiu outros estados. No Sul, o Queijo Serrano dos Campos de Altitude, feito há mais de 200 anos na divisa entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, virou atrativo gastronômico e rota de inverno.
Em São Paulo, produtores do Vale do Paraíba e da Serra da Mantiqueira criaram experiências que juntam trilha, piquenique e maturação em cavernas naturais — com diárias que chegam a R$ 1.200 em hotéis butique.
No Norte, o queijo de búfala do Marajó conquistou chefs e curiosos, abrindo espaço para vivências em fazendas da ilha, onde o combo barco, queijo e cultura ribeirinha cria um turismo difícil de replicar.
Para estados, prefeituras e Sebrae, a rota do queijo é uma oportunidade concreta de desenvolvimento. Programas de certificação, IGs (indicações geográficas) e eventos como o Mundial do Queijo do Brasil geram negócios e reputação. Em 2025, o setor de queijos artesanais brasileiros deve ultrapassar R$ 3,5 bilhões, somando produção, exportação, turismo e gastronomia associada.
O fenômeno também movimenta chefs, como o caso da chef Ana Cremonezi, do Tuy, Cucina. “Fiz algumas viagens atrás de queijos pelo Brasil. Não só para colocar no restaurante, mas porque realmente tenho interesse genuíno no produto e o queijo brasileiro está em uma cena impressionante”, diz. Ana se interessou tanto pelo tema, que passou uma temporada na Bela Fazenda para aprender a fazer burrata. “Hoje sirvo no menu uma pequena seleção dos queijos deles. É inclusive uma forma que tenho de apresentar para o público os queijos incríveis do Brasil”.
Denis Orsi, do italiano Marena Cucina também é adepto ao turismo do queijo, não apenas no Brasil, mas mundo a fora. “Viajar em busca de queijos é, para mim, uma extensão da curiosidade pela origem das coisas. Antigamente eu trazia vinhos na mala, hoje trago pedaços de queijo. E sempre que viajo, vou atrás de produtores que respeitam processos lentos, leite cru e maturações naturais. Não é só sabor; gosto de conhecer produtores que estão fazendo receitas autênticas”, diz.
Denis prefere buscar regiões onde o saber-fazer ainda é preservado, com produtores pequenos e familiares, que mantêm práticas tradicionais. “Na Puglia, conheci um produtor de caciocavallo que matura seus queijos pendurados em cavernas naturais. A textura e a complexidade eram únicas — salinidade, doçura e leve acidez, tudo em equilíbrio”, afirma. Os novos sabores e inspirações se refletem nos pratos do restaurante. “Fico imaginando como cada queijo se comportaria em cada receita”.
O chef Fabio Dante, a frente do restaurante Barletta, possui experiências similares. “Durante nossa viagem à Itália, em janeiro de 2023, exploramos a região de Emilia Romagna, berço de queijos tradicionais como Grana, Parmigiano Reggiano, além de Pecorino e Provolone. Na ocasião, conhecemos pequenos produtores locais e nos deliciamos com queijos de diferentes tempos de maturação. E claro, com isso pensamos outras formas de incorporar os queijos nas nossas receitas.”
Na pizzaria de estilo napolitano La Braciera, todos os anos os sócios viajam em busca de novos fornecedores e sabores. Em setembro, realizaram a Expedição La Braciera pela Itália, onde visitaram a Lateria Sorrentina. Aqui no Brasil, o grupo também pega a estrada para conhecer produtores brasileiros que têm feito um excelente trabalho. “Viajar pelo mundo para buscar o melhor queijo para nossa pizza é algo nós sempre pensamos em fazer. Todos os anos vamos para a Itália, e bancamos os cheese hunters. Mas dessa última vez até fechamos um negócio para trazer os queijos para o Brasil, para as nossa pizzas”, diz o CEO, Daniel Lucco.
O que antes era souvenir de viagem virou motivo de viagem. O turista quer entender de onde vem, quem faz e por que aquele queijo só existe naquela localidade. Um turismo de sabor, história e identidade — com mais mofo nobre do que glamour.