Repórter
Publicado em 14 de setembro de 2025 às 12h55.
Uma pesquisa realizada por cientistas brasileiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desenvolveu um medicamento que foi capaz de reverter casos de tetraplegia em pacientes com lesões na medula espinhal.
A substância, batizada de polilaminina, é resultado de 25 anos de trabalho coordenado pela professora Tatiana Coelho de Sampaio, em colaboração com o laboratório farmacêutico Cristália.
O novo medicamento é inspirado na laminina, proteína presente desde os estágios embrionários do corpo humano e responsável por organizar tecidos e facilitar a comunicação entre neurônios.
Quando aplicada em sua versão sintética, a polilaminina estimula a regeneração de axônios — fibras nervosas que transmitem impulsos elétricos —, permitindo a criação de rotas alternativas para a condução de sinais interrompidos.
Nos experimentos, observou-se que a substância pode atuar de duas formas distintas: em lesões recentes, protege a medula contra danos imediatos; em quadros crônicos, ajuda a reconstruir conexões rompidas, reativando circuitos neurais.
“É uma molécula essencial desde os primeiros estágios da vida, encontrada até em organismos simples como esponjas marinhas”, afirmou Tatiana em entrevista à Veja SP.
O primeiro estudo em humanos começou em 2018, com oito pacientes que sofreram lesões graves. Cada um recebeu uma injeção da polilaminina diretamente na medula em até 72 horas após o trauma. Seis sobreviveram e apresentaram recuperação motora em diferentes intensidades.
Entre eles, o caso mais emblemático é o de Bruno Drummond de Freitas, que ficou tetraplégico após um acidente de trânsito.
Tratado um dia depois da lesão, iniciou pequenos movimentos nos pés e, meses depois, voltou a andar e até correr com fisioterapia intensiva.
Outro exemplo é o da atleta Hawanna Cruz Ribeiro, que perdeu os movimentos do tronco para baixo em 2017. Três anos após o acidente, recebeu a polilaminina e relatou ganhos de sensibilidade e autonomia, o que lhe permitiu retomar a prática do esporte.
Em animais, os resultados também foram positivos: ratos lesionados recuperaram movimentos em apenas 24 horas, e cães com lesões espontâneas voltaram a andar após o tratamento.
Durante sete anos, os pacientes foram acompanhados de perto, e até agora não houve registro de efeitos colaterais graves atribuídos ao medicamento. As reações observadas, como dores de cabeça e infecções, foram relacionadas às próprias condições clínicas dos voluntários.
Apesar do avanço, especialistas pedem cautela. O número de pacientes tratados ainda é pequeno, não houve grupo de controle com placebo e permanecem dúvidas sobre quantas doses podem ser aplicadas e por quanto tempo os ganhos são mantidos.
O Cristália aguarda a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar a fase 1 de testes clínicos, dedicada a verificar a segurança em humanos.
Segundo a agência, o pedido formal ainda não foi feito porque faltam dados adicionais de experimentos em animais.
Hospitais como o das Clínicas e a Santa Casa de São Paulo já estão preparados para receber voluntários assim que a autorização for concedida, segundo o jornal Folha de S. Paulo.
A fase inicial pode levar até um ano e meio, e todo o processo de validação regulatória pode se estender por cerca de três anos.
Atualmente, não há terapias capazes de regenerar o tecido nervoso da medula espinhal de maneira eficaz.
Por isso, se a eficácia da polilaminina for comprovada em larga escala, o tratamento pode se tornar uma referência mundial e mudar a vida de milhões de pessoas com paraplegia e tetraplegia.
“Até hoje, nenhum estudo havia mostrado recuperação semelhante no mundo”, declarou o neurocirurgião Marco Aurélio Brás de Lima, membro da equipe, ao Jornal Nacional.
Mesmo com a expectativa crescente, Tatiana reforça a prudência. "O que nos dá confiança são os retornos dos pacientes e os resultados que conseguimos observar”, disse à Folha de S.Paulo.