Ciência

Estudo brasileiro revela como certos tipos de câncer de mama "driblam" tratamento

Pesquisa eleva de 13 para 90 as variações da proteína HER2, alvo de tratamentos avançados; diversidade pode explicar resistência a terapias

Mulher fazendo mamografia; câncer de mama (praetorianphoto/Getty Images)

Mulher fazendo mamografia; câncer de mama (praetorianphoto/Getty Images)

Marina Semensato
Marina Semensato

Colaboradora

Publicado em 26 de novembro de 2025 às 11h03.

Um estudo feito por pesquisadores brasileiros revelou como certos tipos de câncer de mama "driblam" tratamentos considerados eficazes.

O grupo identificou 90 variações da proteína HER2 em tumores, número muito maior que as 13 conhecidas até agora, o que ajuda a entender o motivo pelo qual parte dos pacientes não responde às terapias.

Conduzida no Hospital Sírio-Libanês, a pesquisa foi publicada na revista Genome Research.

Relação entre a HER2 e o câncer de mama

Para compreender o que o estudo concluiu, é interessante entender o que é a HER2 e sua relação com o câncer.

A HER2 é uma proteína que fica na membrana das células e ajuda a controlar seu crescimento. Quando produzida em excesso, como ocorre em alguns tumores, ela envia sinais contínuos de multiplicação e, logo, favorece o avanço e a disseminação do câncer.

No Brasil, cerca de 20% dos casos de câncer de mama apresentam essa superexpressão.

Entre os casos de câncer de mama, um dos tipos mais incidentes entre as mulheres no Brasil e a principal causa de morte por tumor na população feminina, os tumores variam quanto à quantidade de HER2 na superfície das células:

  • Quando os níveis são altos, eles são classificados como HER2-positivos e costumam receber terapias-alvo específicas;
  • Quando baixos, são chamados de HER2-low ou HER2-zero e entram no grupo HER2-negativo.

Nos tumores HER2-positivos, o tratamento padrão combina quimioterapia com anticorpos que bloqueiam os sinais de crescimento da proteína.

O custo médio é de cerca de R$ 40 mil por paciente e pode causar efeitos colaterais como náuseas, diarreia e redução dos glóbulos brancos.

E o que a equipe descobriu?

A equipe observou que algumas versões da proteína HER2 — cuja forma padrão é alvo de vários medicamentos usados no tratamento do câncer — têm estruturas e localizações diferentes nas células.

Isso inclui novas áreas de ligação e até a ausência de regiões usadas pelos anticorpos para reconhecer a HER2.

Para os pesquisadores, essa diversidade pode impedir que medicamentos voltados para a forma padrão da proteína funcionem corretamente, o que reduz o efeito do tratamento.

O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de bolsa de doutorado e de um projeto Jovem Pesquisador concedido a Pedro Galante, coordenador do Grupo de Bioinformática do hospital e autor correspondente do artigo.

“Ao chegarmos às 90 variações, descobrimos que algumas delas não têm domínios proteicos que permitiriam a esperada ancoragem de HER2 na membrana das células. Além disso, elas podem perder essa região de ligação com o anticorpo. Isso é importante porque o anticorpo precisa ser específico para cada proteína, como uma chave serve em uma fechadura”, explica Galante à Agência FAPESP.

Ele adiciona que a análise das linhagens celulares confirmou as previsões da equipe. "As linhagens que expressavam conjuntos alternativos de proteínas HER2, e que havíamos predito como não respondedoras, de fato não responderam à droga. Já as linhagens com a proteína convencional, que deveriam responder ao tratamento, efetivamente apresentaram resposta", pontuou.

Como foi feito o estudo?

Os cientistas analisaram 561 amostras de câncer de mama do The Cancer Genome Atlas (TCGA), nos Estados Unidos, e linhagens celulares cultivadas em laboratório, sensíveis ou resistentes a drogas como trastuzumabe e anticorpos conjugados a fármacos (ADCs).

Nos testes, células com variantes alternativas de HER2, previstas como resistentes, não responderam ao tratamento, enquanto as que tinham a forma padrão responderam.

De acordo com Galante, o fenômeno está ligado ao splicing alternativo, processo que cria diferentes versões de uma mesma proteína a partir de um único gene. Alterações nessa etapa já são associadas a doenças genéticas e a vários tumores, mas seus efeitos diretos na resposta às terapias anti-HER2 ainda eram pouco conhecidos.

"Desde que entrei no grupo, há dez anos, tenho estudado com especial atenção o splicing alternativo. Nesse trabalho, conseguimos colocar foco em um mecanismo não tão explorado na prática clínica, mas que tem impacto em diferentes frentes, inclusive na resposta às terapias, como vimos no caso de HER2. Abre os olhos para esse mecanismo visando, por exemplo, o desenvolvimento de drogas mais específicas e de novas formas de diagnóstico", afirma a pesquisadora do Sírio-Libanês Gabriela Der Agopian Guardia, primeira autora do artigo.

Próximos passos

Agora, os pesquisadores querem avaliar se o padrão de expressão dessas variantes influencia o resultado em pacientes que já receberam terapias anti-HER2, especialmente com ADCs.

Outro objetivo é ampliar as análises para outros tipos de câncer, como o de pulmão, onde a proteína HER2 também pode estar envolvida e tratamentos semelhantes já são aplicados.

Acompanhe tudo sobre:CâncerSaúde no BrasilPesquisa

Mais de Ciência

Conheça o processo que transformou as cinzas de Preta Gil em diamantes

Língua 'artificial' consegue medir potência de pimentas e 'dispensa' humanos

O que Carl Sagan previu décadas atrás sobre o futuro da América segue atual

Einstein 'quase' foi presidente de Israel quando estava nos EUA