Ciência

Ozempic e Wegovy podem reduzir vontade de beber, diz estudo

Pesquisa da Virginia Tech revela que medicamentos como Ozempic e Wegovy podem retardar a absorção do álcool

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 15 de outubro de 2025 às 08h37.

Medicamentos amplamente prescritos para tratar obesidade e diabetes tipo 2, como Ozempic e Wegovy, podem também diminuir os efeitos do álcool no organismo.

Um novo estudo conduzido pela Virginia Tech, publicado na revista Scientific Reports, sugere que os fármacos que contêm semaglutida, liraglutida e tirzepatida — pertencentes à classe dos agonistas do receptor de GLP-1 — retardam a absorção do álcool no sangue, o que reduz o impacto da bebida no cérebro.

Segundo os autores, essa desaceleração fisiológica altera o modo como o corpo sente a embriaguez e pode, no futuro, abrir caminho para novas abordagens terapêuticas no tratamento da dependência alcoólica.

O que os pesquisadores descobriram

O experimento foi conduzido no Fralin Biomedical Research Institute, ligado à Virginia Tech, e contou com 20 participantes com obesidade — todos com índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 30. Metade fazia uso contínuo de medicamentos GLP-1, e a outra metade compôs o grupo de controle.

Todos os voluntários receberam uma quantidade padronizada de álcool, suficiente para atingir 0,08% de concentração no ar expirado — valor semelhante ao obtido após uma taça de vinho ou uma dose de uísque. A equipe então monitorou o nível de álcool no sangue, os sinais vitais e as respostas subjetivas dos participantes durante quatro horas.

Os resultados mostraram uma diferença significativa: entre os usuários de GLP-1, o nível de álcool no sangue subiu de forma mais lenta, e eles relataram sentir menos os efeitos da embriaguez, mesmo tendo consumido a mesma quantidade de bebida.

Nos primeiros 20 minutos após a ingestão, os níveis médios de álcool no ar expirado (BrAC) foram:

  • Grupo controle: 0,037 g/dL (10 min), 0,028 g/dL (15 min) e 0,037 g/dL (20 min)

  • Grupo GLP-1: 0,021 g/dL (10 min), 0,013 g/dL (15 min) e 0,017 g/dL (20 min)

Esses dados indicam que o aumento de álcool no sangue foi até 50% mais lento nos indivíduos que tomavam Ozempic, Wegovy ou medicamentos equivalentes.

Por que o álcool age de forma diferente nesses pacientes

Os agonistas de GLP-1 atuam retardando o esvaziamento gástrico, processo que controla o tempo que o alimento (ou o álcool) leva para sair do estômago e alcançar o intestino — onde ocorre a maior parte da absorção.

Com a passagem mais lenta, o álcool chega gradualmente à corrente sanguínea, o que prolonga o tempo até que seus efeitos sejam percebidos pelo cérebro. O resultado é uma embriaguez menos intensa e mais tardia.

Durante o experimento, os pesquisadores também registraram pressão arterial, glicemia, frequência cardíaca e teor alcoólico ao longo de quatro horas. Em todas as medições, os usuários de GLP-1 apresentaram menores níveis de intoxicação e menos sintomas relacionados à ingestão de álcool.

O desenho do estudo e a rotina dos voluntários

Antes do teste, todos os participantes permaneceram em jejum controlado e receberam uma pequena refeição padronizada, para igualar as condições metabólicas. Noventa minutos depois, cada um foi levado a uma sala de pesquisa — apelidada de Research Bar — onde ingeriu uma bebida alcoólica em até dez minutos.

Após cada dose, os voluntários responderam a questionários sobre desejo de beber, gosto da bebida, efeitos sentidos e sensação de embriaguez, avaliando em uma escala de 0 a 10 “quão bêbado” se sentiam.

Os resultados foram consistentes: quem usava medicamentos GLP-1 relatou menores índices de embriaguez ao longo de todo o teste. A equipe também mediu a glicemia e a concentração de álcool no ar expirado a cada meia hora, além de monitorar sintomas como náusea e apetite — que se mantiveram estáveis em ambos os grupos.

Da observação casual à pesquisa científica

A ideia do estudo surgiu após os cientistas identificarem relatos em fóruns e redes sociais, especialmente no Reddit, de pessoas que afirmavam ter perdido a vontade de beber após iniciar o tratamento com medicamentos para diabetes ou emagrecimento.

O projeto foi liderado por Warren Bickel, diretor do Addiction Recovery Research Center, que morreu em 2024. A pesquisa foi concluída por sua equipe, sob coordenação de Alexandra DiFeliceantonio e Fatima Quddos, que assina o artigo como primeira autora.

“Ele sempre nos perguntava como poderíamos ajudar as pessoas mais rapidamente”, lembrou DiFeliceantonio. “Usar um medicamento já aprovado e seguro pode ser um caminho mais rápido para reduzir o consumo de álcool.”

O que ainda falta descobrir

Os pesquisadores destacam que este é um estudo piloto, com número limitado de participantes, mas que traz evidências iniciais de que os agonistas de GLP-1 podem atuar por mecanismos periféricos — ou seja, fora do sistema nervoso central — para reduzir o impacto do álcool.

Nos Estados Unidos, mais da metade da população adulta consome bebidas alcoólicas regularmente, e cerca de 10% sofre com transtornos relacionados ao álcool, segundo dados de saúde pública. O álcool está ligado a hipertensão, doenças hepáticas e sete tipos de câncer, sendo considerado um carcinógeno de classe 1 pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

No Brasil, pesquisa do Datafolha, divulgada em 2025, mostra que 20% dos adultos afirmam beber uma ou duas vezes por semana.

Diferença na absorção do álcool

A tabela abaixo mostra a diferença na concentração de álcool no ar expirado (BrAC) nos primeiros 20 minutos após o consumo. Nos participantes que faziam uso de medicamentos GLP-1, o aumento foi mais lento e menos intenso em comparação ao grupo controle.

Fonte: Virginia Tech – Fralin Biomedical Research Institute (2025)
Tempo após ingestãoGrupo Controle (BrAC g/dL)Grupo GLP‑1 (BrAC g/dL)
10 minutos0,0370,021
15 minutos0,0280,013
20 minutos0,0370,017
Acompanhe tudo sobre:Pesquisas científicasOzempic

Mais de Ciência

Biohacking: o que é a técnica que transforma tecnologia em aliado da saúde e do envelhecimento

Colisão de buracos negros comprova previsões quase centenárias de Einstein e Hawking

A nova pangeia vem aí? África está se partindo e pode ter novo oceano

Lobotomia e fraude: os casos mais controversos do Prêmio Nobel