Ciência

SpaceX: Musk quer ir a Marte, mas foguetes não param de explodir; o que falta para missão decolar?

Após nova falha no Texas, empresa enfrenta desafio técnico e logístico para lançar missão interplanetária em 2026 — prazo crucial para alcançar o planeta vermelho

Foguete da SpaceX: quatro explosões da Starship foram registradas apenas em 2025 (Brandon Moser/Central Florida Public Media/Getty Images)

Foguete da SpaceX: quatro explosões da Starship foram registradas apenas em 2025 (Brandon Moser/Central Florida Public Media/Getty Images)

Publicado em 21 de junho de 2025 às 18h12.

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Elon Musk quer chegar a Marte. Mas, para isso, os foguetes da SpaceX, sua empresa de exploração espacial avaliada em US$ 350 bilhões, precisam parar de explodir.

A companhia, considerada uma das mais valiosas do mundo, lidera o setor global de lançamentos espaciais e é responsável por mais de 9.000 satélites da constelação Starlink lançados desde 2019. Seu foguete reutilizável Falcon 9 mantém uma taxa de sucesso superior a 99%, segundo dados da CNET e ElectroIQ. Em 2024, a SpaceX bateu recorde com 134 lançamentos bem-sucedidos e mira 170 missões até o fim de 2025.

Apesar desse histórico de excelência com o Falcon 9, os testes com a Starship — nave projetada para levar humanos a Marte — continuam enfrentando falhas. A mais recente ocorreu na quarta-feira, 18, quando o protótipo Starship 36 explodiu durante um teste estático de solo em Boca Chica, no Texas. O veículo, que deveria passar por uma simulação de ignição, foi destruído antes mesmo de decolar. Segundo a Reuters, a causa preliminar foi a falha de um tanque de nitrogênio pressurizado, que rompeu abaixo do limite de segurança, gerando uma reação em cadeia ao entrar em contato com os propelentes metano e oxigênio líquido usados no sistema de propulsão.

Com esse episódio, sobe para quatro o número de falhas envolvendo a Starship apenas em 2025. Incidentes anteriores ocorreram em janeiro, março e maio, todos envolvendo o estágio superior da nave durante tentativas de ascensão ou reentrada. A destruição completa do veículo durante um teste em solo amplia ainda mais a pressão sobre a empresa.

Apesar do histórico de explosões, Musk afirmou publicamente que pretende lançar uma missão não tripulada a Marte em 2026. Essa meta depende de aproveitar a chamada janela de transferência entre a Terra e Marte — um curto período que ocorre aproximadamente a cada 26 meses, quando os dois planetas estão mais próximos, a cerca de 55 milhões de quilômetros de distância. Perder essa janela significa esperar até 2028 para uma nova oportunidade, com maior custo de combustível e viagem mais demorada.

As entraves da SpaceX

Para cumprir esse cronograma, a SpaceX precisa resolver diversos desafios técnicos. O mais ambicioso deles é o reabastecimento orbital: a nave Starship precisará ser abastecida no espaço com propelente criogênico — metano líquido e oxigênio líquido — antes de seguir viagem rumo a Marte. O procedimento nunca foi realizado com sucesso por nenhuma agência espacial.

Segundo estimativas da própria SpaceX, serão necessários entre 8 e 14 lançamentos adicionais de veículos-tanque Starship para transferir combustível ao Starship principal em órbita baixa da Terra. Cada um desses tanques deverá transportar cerca de 1.200 toneladas de propelente, exigindo coordenação milimétrica, estabilidade orbital e sistemas automatizados de acoplamento e transferência em microgravidade.

O sistema de reabastecimento orbital é considerado hoje o maior gargalo técnico da missão marciana. Além de ser inédito, exige que os propelentes sejam mantidos em temperaturas criogênicas por dias ou semanas em órbita, algo que envolve o uso de tanques superisolados e sistemas ativos de controle térmico. O risco de ebulição ou perda parcial do combustível é significativo.

Outro problema crítico é o escudo térmico da Starship, responsável por proteger a estrutura da nave durante a entrada na atmosfera de Marte e, posteriormente, no retorno à Terra. Ao penetrar na atmosfera marciana a velocidades de até 20.000 km/h, a nave enfrentará temperaturas superiores a 1.500 °C. Para suportar esse calor extremo, a SpaceX desenvolveu um sistema de azulejos cerâmicos hexagonais reutilizáveis que cobrem grande parte do casco da nave.

Em maio, Musk reconheceu que a aderência e durabilidade desses azulejos são "um dos problemas mais difíceis de resolver". Durante testes anteriores, algumas peças se soltaram ou derreteram parcialmente, indicando falhas no sistema de fixação ou na resistência térmica dos materiais utilizados.

Além disso, a empresa ainda precisa desenvolver sistemas eficazes contra a radiação cósmica, uma ameaça constante em voos interplanetários. A missão a Marte exigirá um trajeto de cerca de seis a nove meses em cada direção, durante o qual a tripulação ficará exposta a altos níveis de radiação solar e de partículas energéticas galácticas. Segundo a Nasa, um voo de ida e volta a Marte pode expor os astronautas a até 1.000 mSv (milisieverts) de radiação — o equivalente a 50 radiografias de tórax por dia durante um ano inteiro.

Para mitigar esse risco, a SpaceX estuda o uso de blindagens passivas com água ou polímeros ricos em hidrogênio, e até módulos internos protegidos por tanques de propelente ou sistemas ativos de campo magnético — embora esses últimos ainda estejam em estágio conceitual.

Por que os foguetes da SpaceX explodem?

As explosões dos foguetes Starship não são resultado de um único defeito, mas refletem a estratégia de desenvolvimento adotada pela SpaceX. A empresa opera sob o princípio de rapid iterative testing, ou desenvolvimento iterativo rápido, na tradução literal, que envolve construir, testar, aprender com as falhas e ajustar os projetos rapidamente. Essa abordagem contrasta com o modelo tradicional da Nasa, que preza pela validação exaustiva e testes altamente controlados antes de lançar qualquer protótipo. Como resultado, a SpaceX experimenta mais falhas públicas — incluindo explosões —, mas avança mais rapidamente na inovação tecnológica.

De acordo com análises do mercado, cada explosão representa um revés caro — cada protótipo da Starship custa entre US$ 90 milhões e US$ 100 milhões —, mas é encarada pela empresa como uma oportunidade de aprendizado, e não como uma falha fatal. No entanto, à medida que os custos aumentam e o cronograma da Nasa passa a depender do sucesso da SpaceX, cresce também a pressão por resultados mais consistentes.

Do ponto de vista técnico, os motivos para as explosões são variados e envolvem tanto falhas estruturais quanto problemas de software, desempenho de motores e operação de sistemas pressurizados. Entre as causas mais comuns estão vazamentos de propelente, falhas nos tanques de pressão, ignições não planejadas e colapsos estruturais.

Nos testes realizados entre janeiro e junho de 2025, por exemplo, três voos da Starship terminaram em explosão durante a subida ou na reentrada. Em janeiro e março, falhas nos motores Raptor causaram perda de estabilidade e ativação do sistema de autodestruição. Em maio, o veículo entrou em rotação descontrolada na reentrada e se desintegrou na atmosfera.

1- Elon Musk

Elon Musk: bilionário não vê explosões como problema  (Nathan Laine/Bloomberg/Getty Images)

Outro problema recorrente são as falhas no sistema de azulejos térmicos, que se soltam durante os testes de voo e comprometem a integridade do escudo térmico. Durante o voo do Starship 9, em 2021, uma falha semelhante levou à perda do veículo ao final da descida controlada. A complexidade do sistema — com mais de 18 mil azulejos cerâmicos montados individualmente — torna o processo vulnerável a erros de instalação ou vibração excessiva.

A SpaceX também depende de um sistema automatizado chamado Flight Termination System (FTS), responsável por destruir o foguete caso ele saia da trajetória esperada. Em diversos testes, o próprio sistema foi ativado como medida de segurança, resultando em explosões intencionais para evitar riscos no solo.

Apesar da frequência dos incidentes, os testes são feitos com veículos não tripulados e em zonas controladas, minimizando riscos humanos e ambientais. A empresa considera que detectar falhas em fase de protótipo é mais vantajoso do que descobri-las em missões operacionais. Musk disse em 2021 que “uma explosão vale mais que mil simulações” — e essa filosofia continua sendo o núcleo do desenvolvimento da Starship.

De volta à lua?

A Nasa escolheu a Starship como o módulo de pouso do programa Artemis, que pretende levar astronautas à superfície da Lua ainda nesta década. A missão, batizada de Artemis III, será a primeira tentativa de alunissagem tripulada desde a Apollo 17, em 1972, e marcará também a primeira vez que uma mulher e uma pessoa não branca pisarão no solo lunar.

A parceria entre a Nasa e a SpaceX foi firmada em 2021, com um contrato inicial de US$ 2,9 bilhões para o desenvolvimento da Starship Human Landing System (HLS) — uma versão modificada da Starship projetada exclusivamente para operações lunares. O objetivo é utilizar a cápsula Orion da Nasa para transportar os astronautas até a órbita lunar, onde embarcarão na Starship HLS para descer até a superfície do satélite. Após a missão, a nave os levará de volta à Orion para o retorno à Terra.

Especialistas ouvidos pela OpenTools.ai alertam que atrasos na maturação do sistema Starship podem comprometer os cronogramas do Artemis, especialmente as fases III e IV, previstas para ocorrer entre 2026 e 2028. A depender do andamento dos testes, a Nasa já estuda alternativas para mitigar riscos, como adiar o voo tripulado ou rever o escopo da missão.

A Starship HLS terá que realizar pelo menos um teste não tripulado de alunissagem antes da missão com astronautas, conforme exigência contratual da Nasa. Esse voo de demonstração ainda não tem data marcada, pois depende da conclusão de testes bem-sucedidos do sistema de reabastecimento orbital — o mesmo que será necessário para missões a Marte.

Ainda segundo a agência espacial americana, a missão Artemis III deve ocorrer “não antes de setembro de 2026”, embora o prazo dependa de múltiplos fatores, incluindo o ritmo de lançamentos da Starship, o progresso da cápsula Orion e o desenvolvimento do novo traje espacial lunar, fornecido pela empresa Axiom Space.

Apesar das incertezas, a colaboração com a SpaceX é vista como estratégica para a Nasa. A reutilização do sistema Starship promete reduzir significativamente os custos de transporte lunar a longo prazo e abrir caminho para a criação de uma presença permanente na superfície da Lua, alinhada com os objetivos da futura missão Artemis Base Camp — um projeto que prevê a construção de uma base habitável no polo sul lunar ainda na década de 2030.

O sucesso do Artemis III com a Starship pode redefinir o papel da iniciativa privada na exploração lunar — e servir como ensaio tecnológico para o salto mais ambicioso de Musk: levar humanos a Marte.

E por que Musk quer Marte?

As ambições de Musk com a SpaceX vão além de enviar sondas ou missões tripuladas ao planeta vermelho. Seu objetivo declarado é transformar a humanidade em uma espécie multiplanetária, motivado principalmente pela mitigação de riscos existenciais e pela sobrevivência de longo prazo da civilização humana.

Musk acredita que estabelecer uma colônia autossustentável em Marte é essencial para proteger a humanidade contra eventos de extinção em massa na Terra. Entre os cenários de risco estão desastres naturais como impactos de asteroides e supervulcões, além de ameaças humanas como guerras nucleares, pandemias e mudanças climáticas. Criar um “backup” da civilização em Marte é, segundo ele, uma forma de garantir a preservação da consciência e da cultura humanas caso a Terra se torne inabitável.

Outro argumento recorrente de Musk é o destino inevitável do planeta: com o passar de bilhões de anos, o Sol evoluirá e poderá engolir ou tornar a Terra inabitável, segundo ele. Colonizar Marte seria, para Musk, um tipo de “seguro de vida” para a espécie, oferecendo um novo lar para a humanidade no futuro cósmico distante.

Além das razões existenciais, Musk ressalta o valor inspirador da exploração espacial e os avanços tecnológicos que ela pode gerar. Para ele, a colonização de Marte pode ser uma aventura capaz de unir e motivar a humanidade, além de impulsionar o progresso científico e de engenharia.

O plano final não é apenas visitar Marte, mas construir ali uma colônia democrática, autossustentável e com milhões de habitantes, capaz de operar de forma independente da Terra. O sistema Starship, segundo Musk, é o meio para permitir viagens regulares e acessíveis entre os dois planetas.

Starlink no centro

Apesar dos desafios técnicos e da frequência de falhas, a SpaceX apresenta uma das situações financeiras mais sólidas do setor. De acordo com projeções divulgadas por Reuters, Bloomberg e AeroTime, a empresa deve atingir receita de US$ 15,5 bilhões em 2025, superando o orçamento de US$ 170 milhões da Nasa para atividades espaciais comerciais no mesmo período. 

Grande parte desse faturamento vem do Starlink, serviço de internet via satélite que, até junho de 2025, já contava com mais de 5 milhões de usuários em 125 países. Relatórios da Orbital Today indicam que o número pode ultrapassar 8 milhões até o fim do ano. Só em 2025, o Starlink deverá gerar entre US$ 11,8 bilhões e US$ 12,8 bilhões em receita, superando pela primeira vez a divisão de lançamentos da SpaceX.

Uma grande concorrente no espaço

A Blue Origin, de Jeff Bezos, tem avançado no setor espacial, mas ainda opera em ritmo inferior ao da SpaceX. Desde 2021, o foguete suborbital New Shepard realizou 13 missões tripuladas, com foco no turismo espacial. A mais recente, NS-33, foi adiada antes da decolagem, nesta sexta-feira, 21.

No segmento orbital, o foguete New Glenn fez seu primeiro voo bem-sucedido em janeiro de 2025, colocando um satélite de teste em órbita. O segundo lançamento está previsto para 15 de agosto, com tentativa inédita de recuperar o primeiro estágio. Até agora, o New Glenn ainda não opera regularmente.

A empresa também participa do programa Artemis, com o desenvolvimento do módulo lunar Blue Moon, e tem contratos com a Nasa e a Amazon, por meio do Project Kuiper.

Em comparação, a SpaceX realizou 134 lançamentos em 2024 e projeta 170 missões em 2025, com taxa de sucesso superior a 99%. A Blue Origin ainda realiza menos de 10 lançamentos por ano, somando todos os seus programas ativos.

Enquanto a SpaceX domina cerca de 85% do mercado de lançamentos orbitais em 2025, a Blue Origin ainda disputa espaço no segmento comercial e institucional, com foco em contratos governamentais e voos turísticos, segundo estimativas da BryceTech.

Além disso, a SpaceX recebe cerca de US$ 1,1 bilhão em contratos da Nasa por ano, incluindo o desenvolvimento do módulo de pouso lunar, missões científicas e lançamentos de satélites.

Parcerias com agências de defesa e governos estrangeiros, especialmente na Índia, ajudam a ampliar a base de receita. A aposta na reutilização de foguetes também mantém os custos operacionais em níveis mais baixos do que os concorrentes tradicionais.

Mesmo diante de tantas explosões, a SpaceX mantém sua posição como líder em tecnologia espacial privada. Os desafios para chegar a Marte são monumentais — e os prazos são curtos. Mas, se depender da filosofia de Musk, cada explosão é mais uma etapa em direção ao objetivo final. 

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