Ciência

Tempestade solar canibal pode gerar auroras boreais e afetar GPS; entenda

Explosões no Sol devem causar luzes nos EUA e provocar falhas temporárias em comunicações, alerta a NOAA

Aurora boreal: luzes coloridas tomam o céu do hemisfério norte durante a tempestade solar (Johnny Johnson/Getty Images)

Aurora boreal: luzes coloridas tomam o céu do hemisfério norte durante a tempestade solar (Johnny Johnson/Getty Images)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 12 de novembro de 2025 às 07h29.

Uma tempestade solar de grande intensidade está em andamento e afeta diversos continentes simultaneamente. O alerta emitido por agências como a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA) e o Met Office britânico aponta que o fenômeno é global, e deve impactar diretamente a magnetosfera terrestre, com consequências visíveis e operacionais em diferentes regiões do planeta.

Nos últimos dias, o Sol emitiu várias ejeções de massa coronal (CMEs, na sigla em inglês) associadas a explosões solares de alta energia. Entre elas, destaca-se a erupção classificada como X5.1 registrada na terça-feira, 11, que causou apagões de rádio (nível R3) em grande parte da Europa e da África durante o dia, comprometendo comunicações em áreas extensas.

Visibilidade de auroras na Europa e América do Norte

As auroras boreais, tradicionalmente associadas a regiões polares, expandiram sua faixa de visibilidade devido à intensidade da tempestade geomagnética atual.

No Reino Unido, o Met Office emitiu alertas para tempestades G3 (fortes) e G4 (severas), e as luzes já foram vistas até o extremo sul da Inglaterra, em Cornwall. Eventos semelhantes foram registrados em novembro em locais como Alemanha e Escócia.

Nos Estados Unidos, a NOAA prevê auroras visíveis em grande parte do norte do país, com possibilidade de alcance até o Alabama e o norte da Califórnia.

O chamado "oval de aurora", região onde o fenômeno pode ser observado, se expande durante eventos intensos, alcançando também Canadá, Islândia, Escandinávia e Groenlândia.

Impactos sobre comunicações e infraestrutura

Os efeitos da tempestade solar não se limitam aos céus iluminados. As partículas carregadas emitidas pelo Sol podem interferir no funcionamento de satélites, sistemas de GPS, redes elétricas e comunicações via rádio de alta frequência. A tempestade atual, uma das mais severas do ciclo solar vigente, já provocou degradação de sinais de rádio em latitudes acima de 50 graus — o que inclui grande parte da Europa setentrional, da América do Norte e de regiões do norte da Ásia.

Satélites em órbita baixa enfrentam aumento do arrasto atmosférico, o que exige manobras corretivas para manter sua trajetória. Um estudo publicado em 2024 pelo American Institute of Aeronautics and Astronautics documentou que, durante a tempestade de maio daquele ano, a termosfera aqueceu de 1.200°F para mais de 2.100°F, causando expansão atmosférica significativa.

O ICESat-2, da Nasa, perdeu altitude e entrou em modo de segurança, enquanto o satélite CIRBE desorbitou cinco meses antes do previsto. A pesquisa concluiu que essas tempestades criam zonas de maior densidade atmosférica, conhecidas como “sumidouros de detritos”, exigindo manobras corretivas em mais de uma centena de satélites.

No setor elétrico, o risco é semelhante. Correntes induzidas geomagneticamente (GICs) fluem por transformadores de alta tensão, causando saturação magnética, geração de harmônicos e aquecimento localizado.

Uma pesquisa publicada neste ano na revista PLOS One por Figueroa, Acevedo e Porta analisou 24 anos de registros e identificou aumento de interrupções de energia elétrica em anos com maior atividade geomagnética. Um dos episódios mais citados ocorreu em 1989, quando uma tempestade danificou transformadores no Canadá e interrompeu o fornecimento de energia para mais de seis milhões de pessoas durante nove horas.

Outro estudo destacou que redes elétricas situadas em latitudes elevadas são mais vulneráveis a falhas em cascata durante eventos extremos. Simulações indicam que uma tempestade com intensidade comparável à do evento de Carrington, de 1859, poderia causar apagões duradouros, com efeitos prolongados por semanas ou até meses.

As comunicações de rádio também são severamente impactadas. A recente tempestade X5.1 de 11 de novembro causou um apagão de rádio classe R3, com degradação de sinais em frequências de alta frequência (HF) sobre Europa e África. Uma pesquisa do Bureau de Meteorologia da Austrália mostrou que, durante essas tempestades, a ionização na região D da ionosfera pode absorver totalmente sinais HF por várias horas, reduzindo drasticamente a usabilidade dessas bandas para comunicações críticas.

Sistemas de navegação por satélite também sofrem distorções significativas. De acordo com pesquisas da NOAA, receptores de GPS de frequência única podem apresentar erros de localização de dezenas de metros durante tempestades geomagnéticas severas. Mesmo equipamentos de frequência dupla, mais sofisticados, podem perder o rastreamento de satélites em condições de perturbação ionosférica extrema — fenômeno conhecido como cintilação — especialmente comum em regiões equatoriais, como o Brasil.

A perspectiva histórica reforça os riscos. O evento de Carrington, em 1859, atingiu intensidade estimada entre –0,80 e –1,75 μT e causou falhas generalizadas nos sistemas de telégrafo da Europa e América do Norte. Há registros de operadores recebendo choques e equipamentos pegando fogo. Estudos recentes sugerem que, caso um evento similar ocorra hoje, os danos poderiam interromper sistemas globais de internet, redes elétricas e navegação por satélite, gerando perdas econômicas trilionárias.

Evidências extraídas de núcleos de gelo na Antártica documentam um evento ainda mais intenso ocorrido por volta do ano 774 — conhecido como Evento Miyake —, o que sugere que tempestades solares extremas podem acontecer a cada 500 anos, em média.

Com a aproximação do pico do atual ciclo solar, pesquisadores desenvolvem novos sistemas de previsão, como modelos de “semáforo magnético” que alertam com alguns dias de antecedência. No entanto, a alta variabilidade da velocidade das CMEs — que pode chegar a 3.000 km/s — ainda limita a eficácia das previsões de longo prazo.

Brasil fora da zona de aurora, mas não dos efeitos

Em países de baixa latitude magnética, como o Brasil, a visualização direta das auroras é praticamente impossível. No entanto, isso não significa que o país esteja imune aos efeitos das tempestades solares.

Sistemas de satélite e comunicações podem apresentar falhas ou instabilidade, e as redes de monitoramento global observam possíveis interferências em operações críticas, como o posicionamento por GPS e comunicações aéreas.

O que são as tempestades solares?

Tempestades solares são erupções poderosas de energia emitidas pelo Sol que afetam o espaço e a tecnologia na Terra. Elas são compostas principalmente por dois fenômenos interligados: explosões solares (solar flares) e ejeções de massa coronal (CMEs).

Explosões solares são rajadas intensas de radiação eletromagnética geradas quando campos magnéticos distorcidos na atmosfera solar se reorganizam abruptamente — um processo conhecido como reconexão magnética. Essa liberação repentina de energia pode aquecer materiais a mais de 10 milhões de Kelvins e emitir radiação em diversas faixas do espectro, incluindo raios X, luz ultravioleta e ondas de rádio. As explosões mais intensas, da classe X, podem liberar em minutos uma quantidade de energia equivalente à de bilhões de bombas de hidrogênio, segundo o site Space.

Ejeções de massa coronal são expulsões massivas de plasma e campos magnéticos da coroa solar. Diferentemente das explosões solares, que emitem radiação, as CMEs lançam bilhões de toneladas de partículas carregadas no espaço. Elas podem ou não ocorrer com as flares e são originadas em regiões ativas do Sol, próximas a manchas solares. O tempo de chegada dessas partículas à Terra varia entre 18 horas e três dias, dependendo da velocidade da ejeção.

Quando uma CME alcança o planeta, pode desencadear tempestades geomagnéticas — distúrbios intensos no campo magnético terrestre. Esses eventos ativam correntes elétricas na magnetosfera e ionosfera, podendo afetar diretamente sistemas de navegação, telecomunicações e infraestrutura elétrica, segundo a Nasa e a NOOA.

Essas ocorrências são mais frequentes durante o máximo solar, fase de pico do ciclo de 11 anos do Sol, quando aumentam as atividades de manchas solares e a instabilidade magnética. Durante esse período, o Sol também inverte seus polos magnéticos, gerando mais CMEs e flares.

Acompanhe tudo sobre:Tempestades solares

Mais de Ciência

Você não é 100% humano: entenda a proporção entre células e micróbios

Edição genética pode eliminar necessidade de remédios para colesterol

Golfinhos usam esponjas como 'chapéus' para atrair parceiras

A caminhada espacial que quase terminou em tragédia e mudou a Nasa