Solidão por IA: mulheres são as mais afetadas, segundo o MIT (master1305/Getty Images)
Colunista
Publicado em 18 de julho de 2025 às 20h14.
Recentemente, assisti ao filme Companion (Acompanhante Perfeita, disponível na Amazon Prime) a conselho de Victor Lazarte, ex-CEO da Wildlife e sócio da Benchmark. Saí da sessão com minha esposa, confesso, inquieto. A trama é simples, mas perturbadora: um homem adquire uma robô de companhia — bela, prestativa, com uma empatia tão perfeita que parece humana. Mas o que me marcou não foi a tecnologia em si. Foi o vazio que ela tenta preencher.
Companion não é só sobre robôs. É sobre nós. Sobre a carência que disfarçamos com conveniência. A robô não organiza tarefas ou otimiza rotinas — ela ocupa um espaço emocional que, até pouco tempo, pertencia a amigos, parceiros, família. Relações humanas, com suas falhas, silêncios e contradições. O desconforto cresce conforme percebemos que a lógica da personalização afetiva, tão presente nas redes e nas recomendações algorítmicas, pode facilmente escalar para vínculos simulados sob medida. E quando isso acontece, fica difícil saber se estamos diante de uma companhia… ou apenas de um reflexo programado do que queremos ouvir.
Não é difícil entender por que isso funciona. Vivemos uma epidemia silenciosa de solidão. Segundo a OMS, cem pessoas morrem por hora no mundo por causas relacionadas à desconexão social. É um número tão brutal quanto invisível.
Talvez a adesão às máquinas não seja sinal de desumanização, mas de cansaço. Cansaço de ser ignorado, mal compreendido ou interrompido. Nos rendemos a ela por ser funcional. Depois de escutar "peraí que vou ver aqui" por uma eternidade, o algoritmo que responde em segundos soa quase como um alívio emocional. Preferimos interações seguras, previsíveis, sem fricção.
Na minha última coluna, falei sobre como as IAs já são capazes de simular emoções com a frieza meticulosa de um estelionatário emocional. Mas Companion escancara outra camada: estamos começando a preferir a ilusão do afeto à bagunça do amor real. E esse futuro, aliás, não é mais ficção. No Japão, por exemplo, a solidão virou problema de Estado: o país criou um Ministério da Solidão para lidar com os efeitos do isolamento social. Robôs como o Lovot, projetado para “fazer você feliz”, e hologramas como o Gatebox, uma espécie de “namorada” virtual, já são vendidos como soluções para a alma. Milhões de japoneses acordam e dormem conversando com IAs que perguntam, com voz suave: “Como foi o seu dia?”
E aí eu me pego lembrando da minha infância no Colégio Santo Agostinho — das disputas na quadra, dos amigos que passavam horas debatendo quem era melhor, Romário ou Edmundo, e das risadas que vinham do nada, sem propósito nem filtro. Momentos assim não podem ser reproduzidos por tecnologia. Porque no fim, tanto na vida quanto nos investimentos, o que faz diferença não é quem responde mais rápido — é quem te conhece o suficiente pra saber quando dizer: “calma, vai passar”.
Por isso, desejo que minha filha cresça rodeada de amigos de verdade. Que jogue conversa fora, que brigue e faça as pazes, que se apaixone e se frustre. Que aprenda que afeto exige presença, não apenas respostas rápidas. Que nunca troque a bagunça humana por uma tela que promete uma perfeição ilusória.
No fim do filme, brinquei com minha esposa: "Será que vendem versão loira também?" (a do filme é morena). Ela riu, fez cara de poucos amigos e seguiu resmungando baixinho. Mas a verdade é que não tem Companion que substitua a convivência com ela. Nem quando ela deixa nosso quarto todo bagunçado.
Enquanto treinamos máquinas para simular empatia, às vezes esquecemos de praticá-la entre nós. E, no fundo, talvez esse seja o maior desafio do futuro: não ensinar as máquinas a sentir, mas redescobrirmos o que nos faz humanos. Vamos tomar um chopp?