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Enquanto milionários deixam o Brasil, a Argentina abre as portas

Milei não se limitou ao ajuste interno. Em 2025, lançou o Decreto 524/2025, criando o primeiro programa de cidadania por investimento da América do Sul

O presidente da Argentina, Javier Milei, discursa para o público durante a reunião anual do Fórum Econômico Mundial (FEM) em Davos, em 23 de janeiro de 2025 (FABRICE COFFRINI/AFP)

O presidente da Argentina, Javier Milei, discursa para o público durante a reunião anual do Fórum Econômico Mundial (FEM) em Davos, em 23 de janeiro de 2025 (FABRICE COFFRINI/AFP)

Instituto Millenium
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Publicado em 28 de agosto de 2025 às 14h08.

Por Paulo Giacomelli*

 

A Argentina, sob Javier Milei, decidiu romper com a tradição de políticas que sufocam a economia. Em vez de elevar tributos, promoveu cortes radicais nos gastos públicos: ministérios foram extintos, subsídios eliminados, secretarias reduzidas. O resultado apareceu rapidamente: em 2024, o país registrou superávit fiscal pela primeira vez em 15 anos. Com menos impostos e mais responsabilidade fiscal, a confiança retornou, a moeda estabilizou, bilhões de dólares foram repatriados e empresas que antes hesitavam voltaram a investir. O ambiente de negócios, antes dominado pela desconfiança, começou a respirar novamente.

Milei não se limitou ao ajuste interno. Em 2025, lançou o Decreto 524/2025, criando o primeiro programa de cidadania por investimento da América do Sul. Estrangeiros que aplicarem entre US$ 250 mil e US$ 500 mil em setores produtivos — do agronegócio à tecnologia, da energia renovável ao turismo — podem obter passaporte argentino em até 30 dias úteis. O documento abre as portas de mais de 170 países sem visto, garante dupla cidadania e livre mobilidade no Mercosul. É uma mensagem clara: depois de arrumar a casa, a Argentina passou a competir ativamente para atrair capital e talentos empreendedores, posicionando-se como polo regional de prosperidade.

Esse movimento contrasta fortemente com o que ocorre no Brasil. Em 2025, mais de mil milionários devem deixar o país, levando consigo não apenas capital, mas também redes de negócios, experiência e capacidade de gerar empregos. É uma sangria silenciosa, que mina o futuro econômico e reduz a base produtiva nacional. Cada saída representa menos arrecadação, menos inovação e menos dinamismo no longo prazo.

As razões que explicam essa debandada são conhecidas. O país combina impostos elevados, instabilidade política, insegurança constante e serviços públicos incapazes de corresponder ao que se paga. Para quem construiu patrimônio, a equação é cruel: paga-se muito, recebe-se pouco e ainda se convive com um discurso oficial que trata prosperidade como culpa. Nessa lógica, sair não é um gesto de egoísmo, mas uma escolha racional de quem busca previsibilidade, liberdade e estabilidade para sua família e seus negócios.

O impacto simbólico é devastador. Quando até os cidadãos mais prósperos desistem de apostar no Brasil, a mensagem ao investidor estrangeiro é inequívoca: se quem nasceu aqui já não confia, por que alguém de fora deveria confiar? Esse descrédito interno contamina a percepção externa, desestimula investimentos estrangeiros e reforça a ideia de que o país não é capaz de oferecer estabilidade a longo prazo. Cria-se um círculo vicioso em que a saída de capital nacional desencoraja novos aportes internacionais, ampliando a percepção de risco e aprofundando a estagnação.

A experiência internacional reforça a gravidade do quadro. A França instituiu nos anos 1980 o Imposto sobre Grandes Fortunas e colheu um êxodo: entre 2000 e 2016, cerca de 60 mil milionários abandonaram o país. O caso mais emblemático foi o do ator Gérard Depardieu, que em 2013 aceitou cidadania russa em protesto contra a tributação excessiva. O episódio virou símbolo global de como políticas fiscais equivocadas podem expulsar até ícones nacionais. Em 2017, Emmanuel Macron reconheceu o fracasso e extinguiu o tributo, admitindo que os custos superavam em muito os ganhos. Ainda hoje, sempre que a esquerda francesa cogita ressuscitar o imposto, cresce a movimentação de milionários planejando nova saída.

Outros países repetiram a mesma trajetória. Noruega e Índia, ao endurecerem a tributação, viram parte de seus ricos migrarem para destinos mais amigáveis. Em contrapartida, jurisdições como Dubai, Suíça, Portugal e Singapura consolidaram-se como polos de atração, justamente porque oferecem estabilidade, impostos competitivos e segurança jurídica. O capital, afinal, é móvel — e no mundo globalizado não existem barreiras intransponíveis para quem deseja preservar o fruto do próprio trabalho.

Enquanto na Argentina a prosperidade voltou a ser vista como motor de progresso, no Brasil ela ainda é tratada como inimiga. Cada milionário que sai significa menos arrecadação futura, menos empregos e menos dinamismo. O governo insiste em confundir justiça social com confisco, mas justiça verdadeira só nasce de um ambiente que permite a todos prosperar.

O dilema é evidente. O país pode insistir na rota francesa, punindo a riqueza e colhendo estagnação, ou aprender com o vizinho argentino, que apostou na liberdade, na responsabilidade fiscal e na atração de capital. A fuga dos milionários não é a causa, mas o sintoma visível de um modelo esgotado. A escolha sobre o futuro, porém, continua em nossas mãos.

 

* Paulo Giacomelli é arquiteto e urbanista, sócio-diretor da Alvear Arquitetura, associado do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) e presidente do Instituto Liberdade.