Na Viaoeste, pedágio custa 23,75 reais a cada 100 km (Divulgação)
Sócio do Escritório Apparecido e Carvalho Pinto Advogados
Publicado em 14 de junho de 2025 às 07h58.
Nenhum incômodo atinge o conjunto dos moradores de grandes cidades tão amplamente quanto os congestionamentos de trânsito. Em São Paulo, já se alcançou a marca dos 1.300 km de vias com tráfego lento ou parado. Não há quem não tenha se irritado profundamente por ter perdido horas preciosas de seu dia parado em um carro ou ônibus, sem que tenha acontecido nenhuma catástrofe natural que justificasse o fato. Se os ricos já sofrem sentados em automóveis equipados com ar condicionado e música, os pobres passam por uma verdadeira tortura, de pé, em ônibus superlotados e sem ventilação adequada. Além disso, têm sua acessibilidade a empregos reduzida.
Os motoristas e passageiros são os maiores prejudicados pelos congestionamentos, mas seus efeitos vão muito além, atingindo toda a sociedade. A atividade econômica é reduzida, devido ao aumento do tempo de deslocamento, que impacta a produtividade e o custo de transporte de mercadorias. Só os congestionamentos de São Paulo reduzem o PIB brasileiro em 2,83%. A poluição atmosférica, causada pela maior emissão de gases provenientes de veículos parados, agrava problemas respiratórios e cardiovasculares. Além disso, o aumento da concentração de gases de efeito estufa contribui para as mudanças climáticas globais. A saúde mental também sofre impactos significativos, com o estresse diário dos indivíduos presos no trânsito, afetando sua qualidade de vida e, consequentemente, o bem-estar social.
Os congestionamentos são tão antigos e disseminados, que a opinião pública tende a vê-lo como parte da paisagem: um ônus próprio da vida em grandes cidades, eventualmente compensado por outras vantagens, e evitável apenas pela mudança para o “interior”. No entanto, essa percepção está errada! É possível morar em metrópoles sem congestionamentos. Existem medidas testadas que podem eliminá-los sem contraindicações.
Os congestionamentos de trânsito são uma situação bem estudada na economia. Apesar dos bilhões de reais gastos na construção de avenidas, rodovias, pontes e túneis, a oferta ainda é insuficiente para atender a demanda crescente. Existem duas maneiras de lidar com a escassez em geral: preços e filas. Ou se aumentam os preços, estimulando um aumento na oferta e uma redução na demanda, ou se forma uma fila, onde quem chegar primeiro recebe o bem de graça e os demais ficam esperando a sua vez.
Há situações em que a fila é inevitável, como o atendimento em serviços públicos. As vagas em escolas públicas, a marcação de consultas no SUS e a concessão de aposentadorias no INSS seguem essa regra. Permitir que alguém passe na frente mediante pagamento seria um ato de corrupção e violaria o princípio da impessoalidade na administração pública. Quando a cobrança de um preço é possível, no entanto, ela é geralmente preferível à fila. É melhor pagar pelo pão do que ficar em uma fila para obtê-lo de graça.
A troca de filas por preços na circulação de veículos pelas vias públicas beneficiaria tanto os passageiros quanto a sociedade em geral. Além de reduzir os tempos de viagem, permitindo que as pessoas tenham mais horas de lazer ou trabalho e melhor saúde mental, haveria melhorias na produtividade da economia, na poluição e na mitigação das mudanças climáticas. Como os recursos arrecadados seriam muito superiores ao necessário para a conservação das vias e a gestão da cobrança, a receita gerada poderia financiar o transporte coletivo (metrôs, trens de superfície, VLTs, BRTs, ônibus e teleféricos) e a mobilidade ativa (ciclovias e calçadas). Isso incentivaria muitos usuários a deixarem de usar o automóvel, favorecendo um desenvolvimento urbano mais denso e eficiente.
Esses não são apenas benefícios teóricos. Cidades como Singapura (1975), Londres (2003), Estocolmo (2007), Milão (2012), Gotemburgo (2013) e Nova York (2025) implementaram tarifas de congestionamento (congestion pricing), com resultados positivos comprovados. Essas iniciativas resultaram em reduções significativas no tráfego veicular, melhorias na qualidade do ar e aumento do uso de transporte público e da mobilidade ativa.
A arrecadação propiciada por esses sistemas é significativa. Em Londres, por exemplo, a receita líquida para o poder público foi de 300 milhões de dólares em 2024. Em geral, esses recursos são investidos na expansão e modernização da infraestrutura de mobilidade urbana.
No Brasil, os pedágios são amplamente reconhecidos e aceitos como uma forma eficiente e justa de financiar a construção e a manutenção de rodovias estaduais e federais. As concessões rodoviárias têm sido adotadas por governos de diferentes partidos políticos, gerando, em muitos casos, receitas que vão além do necessário para a execução dos serviços, permitindo que o governo receba uma contraprestação (“outorga”) do concessionário. No modelo tradicional, o valor é cobrado de forma fixa nas praças de pedágio, o que frequentemente resulta em congestionamentos. Contudo, esse sistema tende a ser substituído pelo modelo de livre passagem (free flow), onde os usuários são identificados automaticamente, e a cobrança é realizada com base na distância percorrida.
Para a tarifa de congestionamento, é essencial que o modelo de livre passagem seja adotado, pois as praças de pedágio agravariam o trânsito. A cobrança deve ser proporcional à distância percorrida, aos dias e horários, permitindo ajustes dinâmicos para encarecer a circulação em vias congestionadas e horários de pico, limitando os valores para garantir uma velocidade mínima na via.
As condições legais e tecnológicas estão estabelecidas. A Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, permite a cobrança pela utilização da infraestrutura urbana para reduzir o uso do automóvel e direciona a receita para investimentos em transporte coletivo, mobilidade ativa e subsídio tarifário. A cobrança por livre passagem é permitida desde 2021, inclusive em vias urbanas. As tecnologias avançadas, adotadas em cidades inteligentes ao redor do mundo, permitem que as metrópoles brasileiras implementem soluções como o reconhecimento ótico de placas, a comunicação entre veículos e sensores, além do rastreamento por GPS. Além disso, o conhecimento internacional acumulado e analisado pode ser eficazmente utilizado pelo Brasil para evitar erros cometidos por outros países, aproveitando as lições aprendidas e estratégias bem-sucedidas.
Os municípios têm competência para adotar a tarifa de congestionamento. A medida chegou, inclusive, a ser incluída no plano paulistano SP 2040, de 2012. Entretanto, dado que os congestionamentos muitas vezes ultrapassam as divisas municipais, sua adoção nas regiões metropolitanas poderia ser conduzida sob a liderança dos estados, em cooperação com os municípios conurbados. O primeiro passo envolve a elaboração de planos metropolitanos de mobilidade urbana, nos quais essa medida seria analisada detalhadamente e integrada a outros instrumentos e investimentos voltados para a melhoria da circulação nas metrópoles.
Considerando, entretanto, que os congestionamentos afetam vários municípios da região metropolitana, a implementação da tarifa de congestionamento impactará diretamente os residentes das áreas metropolitanas, é essencial realizar estudos de impacto antes da sua adoção. Além disso, deverá ser submetida a consulta pública e comunicada aos cidadãos com antecedência, para alcançar aceitabilidade política. Também é necessário um monitoramento transparente dos resultados, permitindo que a sociedade acompanhe os efeitos da medida e que sejam realizados os ajustes necessários para garantir sua eficácia.
A implementação da tarifa de congestionamento apresenta-se como uma solução eficaz e sustentável para mitigar o trânsito urbano, aprimorar a mobilidade e fomentar investimentos em transporte público e ativo. Com uma gestão transparente e respaldo social, esta medida pode melhorar significativamente a qualidade de vida nas metrópoles brasileiras e promover um desenvolvimento urbano mais sustentável.