Delegação do Vale do Silício vem ao Brasil (Chris Denbow/Creative Commons)
Publicado em 1 de julho de 2025 às 00h02.
Última atualização em 2 de julho de 2025 às 18h03.
Por Pedro Portes e Daniel Coimbra*
A inovação consiste na introdução de novidades ou no aprimoramento de soluções já existentes. Trata-se de um processo coletivo, em que cada avanço se apoia em conhecimentos acumulados ao longo do tempo. Matt Ridley descreve esse fenômeno como o “acasalamento de ideias” — a combinação entre conceitos pré-existentes que, reorganizados, geram algo novo. Ela não surge do nada, mas de conexões entre elementos que já estavam disponíveis no ambiente intelectual, social e técnico de determinada época.
Apesar da vasta literatura sobre o tema, ainda se compreende pouco sobre como a inovação realmente acontece. Não há um método capaz de produzi-la de forma previsível, pois ela é, por natureza, incerta. Ao contrário de processos padronizados, inovar envolve a convergência de múltiplos fatores — como interação social, disponibilidade de capital humano, ambiente institucional e o acaso. Além disso, muitas inovações relevantes surgem fora de ambientes formais de pesquisa, o que torna seu entendimento ainda mais desafiador.
O que os estudos indicam com mais clareza é onde a inovação tende a acontecer. Da Florença renascentista à Califórnia dos dias atuais, ela se concentra em lugares com características semelhantes. Em Triunfo da Cidade, Edward Glaeser argumenta que o capital humano é o principal motor da inovação, assim como do progresso econômico e social. Ele ressalta, porém, que tanto a formação desse capital quanto sua transformação em avanços tecnológicos dependem diretamente do ambiente físico — já que a concentração de pessoas em um mesmo lugar é fator decisivo.
Nesse ponto a cidade ganha o protagonismo, por reunir os elementos indispensáveis — diversidade, densidade e interação. Ao aproximar pessoas, facilitar o intercâmbio de ideias e permitir maior especialização e colaboração, cria-se o contexto ideal. Mas, para que o fenômeno tenha um campo fertil, é essencial combinar densidade, mobilidade eficiente, espaços públicos de qualidade e um design urbano feito focado o pedestre.
Vários exemplos ao longo da história ilustram como ambientes urbanos favorecem a inovação. A Casa da Sabedoria, fundada em Bagdá no século IX, foi um centro de aprendizado e produção de conhecimento que reuniu estudiosos de diversas culturas e áreas, como matemática, medicina e filosofia. Com grande liberdade de pesquisa para a época, tornou-se um dos mais avançados ecossistemas da época e trouxe contribuições muito relevantes.
Já na Inglaterra do século XVII, os populares cafés se tornaram centros de aprendizado e debate intelectual, ficando conhecidos como as “universidades de um centavo”. Por um pequeno valor, os frequentadores tinham acesso a café, jornais e, sobretudo, a conversas com acadêmicos, artistas e pensadores. Eles ajudaram a democratizar o conhecimento e deram origem a instituições como a Lloyd 's of London, a Royal Society e a Bolsa de Valores de Londres.
Nos dias atuais, o Vale do Silício é o principal centro global da inovação tecnológica. A Universidade de Stanford teve um papel decisivo em sua formação. A partir da década de 1950, passou a incentivar ativamente professores e alunos a empreender, cedeu terrenos para empresas e promoveu vínculos diretos com a indústria - em um ambiente urbano propício. O Vale concentra algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo, como Apple, Google, Facebook e Intel, e abriga um ecossistema dinâmico que integra academia, investidores, startups e profissionais altamente qualificados.
Sua relevância não está apenas na produção de novas tecnologias, mas também no impacto econômico e cultural que exerce no planeta: molda tendências de consumo, impulsiona a economia digital e influencia diretamente a forma como o mundo se comunica, trabalha e vive. É válido mencionar que, atualmente, seu protagonismo é minimizado por conta de uma legislação muito hostil ao desenvolvimento urbano que foi adotada nas últimas décadas. Uma regulação que acarreta danos colossais para a economia justamente por diminuir o dinamismo e tornar o local menos acessível.
Locais como Tel Aviv, Berlim e Singapura também reúnem condições urbanas favoráveis e vem se destacando por suas produções tecnológicas. Tel Aviv combina densidade, diversidade e vida urbana intensa, sendo referência global em cibersegurança, agritech e deep tech. Berlim alia multiculturalismo, infraestrutura e ambiente criativo, com forte presença em tecnologia limpa, mobilidade urbana, economia criativa e fintechs. Já Singapura, com uma infraestrutura eficiente e grandes desafios climáticos, se tornou um polo estratégico para as fintechs, biotecnologia, e sustentabilidade. Cada uma desenvolve um ecossistema adaptado às suas vocações e estruturas urbanas.
Dentro do ambiente urbano, a inovação se concentra nos chamados “clusters”, regiões que reúnem academia, empreendedorismo e poder público em uma área relativamente pequena. As pessoas economizam tempo, têm menos gastos com locomoção e acesso a uma variedade de profissionais qualificados. Apesar disso, boa parte das universidades, centros de tecnologia e “hubs” existentes no Brasil — sejam públicos ou privados — estão inseridos em áreas pouco integradas ao tecido urbano.
O poder público, com frequência, promove essa distorção. Políticas setoriais, subsídios e legislações direcionam as iniciativas para locais pouco acessíveis e desconectados das demandas que poderiam atender. As escolhas equivocadas se somam a um cenário naturalmente adverso. Os problemas crônicos na educação, que resultam no baixo capital humano, encontram cidades excludentes, hostis à circulação de pessoas e à vida pública. Ou seja, um ambiente pouco fertil que as decisões tornam ainda menos promissor.
Mas, há casos que devem ser celebrados. O Porto Digital, no Recife, por exemplo, demonstra como políticas públicas coordenadas e a proximidade entre universidade e mercado são capazes de promover a regeneração urbana e a inovação. Um local antes degradado abriga hoje 475 empresas de tecnologia e economia criativa, emprega 21.000 pessoas e fatura R$ 6,2 bilhões por ano, distribuídas em 24 laboratórios de inovação instalados nos casarões restaurados do Bairro do Recife.
No eixo Paulista–Pinheiros, no complexo da Faculdade de Medicina da USP e do Hospital das Clínicas segue a mesma lógica: oito hospitais, diversos institutos de pesquisa e a incubadora InovaHC compartilham a mesma quadra, produzindo milhares artigos científicos por ano e um ecossistema de “healthtechs” alimentado pelo fluxo diário de técnicos, engenheiros e investidores. Em ambos os casos, o ativo decisivo não é apenas a infraestrutura física, mas a fertilidade social e urbana — a proximidade que faz ideias, talentos e capital colidirem a cada esquina. A proximidade dos problemas que visam solucionar também é fundamental.
Esses exemplos de sucesso devem servir de inspiração para a reversão do quadro atual — tanto do desperdício de recursos para a inovação quanto da falta de dinamismo das cidades. O mercado e o setor público devem compreender a lógica espontânea do processo, investir na formação de capital humano e na construção de ambientes responsivos. Direcionar esforços em “projetos estratégicos” setoriais ou a centros de inovação desconectados do ambiente urbano são fórmulas já conhecidas, e que não renderam bons frutos.
Daniel Coimbra é advogado, MBA em Finanças, atua no mercado de Venture Capital com foco em investimentos, M&A e gestão de portfólio. Especialista em estruturação de operações e avaliação de riscos jurídicos e financeiros.
Pedro Portes é Advogado, especialista em direito público, MBA em Cidades Responsivas, trabalha com relações institucionais e governamentais, planejamento e gestão urbana. Apoiador do movimento YIMBY.