(Andrey Popov/Thinkstock)
Colunista - Instituto Millenium na Exame
Publicado em 11 de julho de 2025 às 14h13.
O argumento de promoção de justiça tributária tem sido levantado inúmeras vezes no Brasil para justificar elevações da carga tributária. Taxar mais os super ricos e o sistema financeiro aparecem frequentemente na lista de ações necessárias. Outras políticas também têm sido propostas, mas não têm o mesmo apego popular. Entretanto, para que possamos fazer boas políticas, no sentido de alcançar um resultado desejável a baixo custo, devemos sempre começar com a definição de um bom objetivo. E aí cabe a pergunta: o que é justiça tributária?
Se definir justiça já é difícil por ser um conceito complexo, em que áreas distintas de conhecimento costumam enfatizar características e propriedades distintas, adicionar adjetivos a este conceito torna a coisa muito mais complicada. O risco é o de criar as famosas palavras-doninha, que são palavras sem significado objetivo, que servem como base para discurso vazio e enganoso. A gíria inglesa palavras-doninha (weasel words) vem da ideia de que doninhas sugam o conteúdo dos ovos mantendo a casca intacta, como forma de estimular as galinhas a continuarem pondo ovos. Como todo mundo gosta das palavras justiça e social, junte as duas no discurso político e... Bingo! Eleitores e ativistas irão adorar. Vá até um diretório acadêmico e junte as palavras revolução e cultural, que a mágica acontece novamente. O problema é que estas palavras-doninha são vazias, na melhor das hipóteses, mas podem carregar sentido e intenção opostos ao que se espera. Já pensou no que as palavras-doninha “from the river to the sea” realmente significam?
E o conceito de justiça tributária? O que será que significa? Ideias tão distintas como taxar os super ricos, financiar gastos sociais ou, simplesmente, “aumentar o IOF” refletem o sentimento predominante nas discussões sobre o tema. O problema é que é muito fácil transformar este conceito em palavras-doninha e implantar políticas cujo resultado é contrário ao que se deseja.
Muito da discussão aqui no Brasil sobre justiça tributária está centrada na necessidade do governo de levantar maiores receitas para financiar seus gastos crescentes. Ocorre que impostos são, geralmente, distorcivos, isto é, eles pioram a alocação de recursos. O pior é que quanto maior a carga tributária, mais distorcivos eles se tornam. Elevar alíquotas e a carga tributária apenas para financiar gastos torna a desculpa de promover justiça tributária em argumentos de doninha.
O Brasil já tem uma das maiores cargas tributárias do planeta, na casa dos 32,3% do PIB em 2024, maior do que quase todos os países de renda per capita semelhante e maior inclusive do que vários países mais ricos. Ocorre que em países mais ricos, a demanda por proteção à criação de riqueza é maior. Como postulado por Adam Smith, em “A Riqueza das Nações”, de 1776, a função apropriada de governo é a proteção dos direitos naturais das pessoas, que são a vida, a propriedade e a liberdade, com o objetivo de promover paz e prosperidade na sociedade. Ora, o Brasil tem uma taxa de homicídios extremamente elevada, peca na proteção à propriedade, com um judiciário caríssimo, que produz elevados custos de transação e insegurança jurídica, e tem dificuldades crônicas de prosperar. Dizer que se promove justiça tributária alimentando este Leviatã é o mais explícito e escancarado argumento de doninha.
Justiça tributária não é sobre levantar receitas para o governo, é sobre como aplicar princípios de Direito e Economia para determinar quem paga, o quanto paga e qual a racionalidade do sistema tributário. Um sistema tributário legalmente justo precisa respeitar a regra da lei e direitos individuais, promovendo segurança jurídica; enquanto que um sistema tributário economicamente justo precisa garantir que os impostos promovam equidade, neutralidade, progressividade e simplicidade sem minar os princípios de liberdade econômica que levam a ganhos de produtividade e crescimento da renda per capita.
Um sistema tributário como o nosso, complexo e caro, cheio de brechas jurídicas e exceções, com inúmeras alíquotas setoriais e regionais que escapam de qualquer racionalidade econômica, que custa caro para administrar e que protege determinados setores com subsídios e incentivos fiscais, às custas do encarecimento e da “desproteção” dos demais setores da economia, exala um forte odor de injustiça. O argumento de que é necessário aumentar a carga tributária para promover justiça tributária é coisa para doninha nenhuma botar defeito.