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No corredor estreito de Acemoglu e Robinson: onde se encontra o Brasil? 

Entre o Leviatã Despótico e o Ausente, o Brasil segue à margem da liberdade institucional 

A Justiça é uma escultura localizada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes - Brasilia - DF - Distrito Federal- 

Foto: Leandro Fonseca
data: 27/08/2024 (Leandro Fonseca)

A Justiça é uma escultura localizada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes - Brasilia - DF - Distrito Federal- Foto: Leandro Fonseca data: 27/08/2024 (Leandro Fonseca)

Instituto Millenium
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Instituto Millenium

Publicado em 28 de julho de 2025 às 17h06.

No livro O Corredor Estreito: Estado, Sociedade e o Destino da Liberdade, Daron Acemoglu e James A. Robinson exploram as condições históricas e institucionais que possibilitam o surgimento e a preservação da liberdade. Para os autores, a liberdade não é algo dado ou natural, tampouco um ponto de chegada automático do desenvolvimento político; ela é fruto de um equilíbrio dinâmico e contínuo entre o Estado e a sociedade. Esse equilíbrio só pode se consolidar dentro de um espaço específico e restrito que denominam de “Corredor Estreito”, onde o poder estatal e a força da sociedade civil se moldam mutuamente, contêm-se reciprocamente e evoluem em tensão permanente. 

Mas o que é, afinal, esse tal “Corredor Estreito”? Imaginemos, por exemplo, um plano cartesiano no qual o eixo vertical indica a força do Estado, e o eixo horizontal a força da sociedade civil. Quando ambos são fracos - canto inferior esquerdo - surge o que eles chamam de Leviatã Ausente (ex. Somália e Líbano). Se o Estado é forte, mas a sociedade fraca - canto superior esquerdo - temos o chamado Leviatã Despótico (ex. China e Arábia Saudita). Já o Leviatã Agrilhoado, ideal da teoria, ocupa a diagonal que liga o canto inferior esquerdo ao superior direito: é o Corredor Estreito (ex. EUA e Reino Unido). Ou seja, nesse espaço teórico, a liberdade somente pode surgir quando Estado e sociedade são simultaneamente fortes, existindo uma coevolução.  

Essa coevolução é central para a tese dos autores: o Estado deve ser forte o bastante para prover ordem e serviços, mas a sociedade precisa ser igualmente forte para contê-lo, desafiá-lo e moldá-lo. Esse delicado equilíbrio manteria ambos dentro do Corredor, espaço onde a liberdade não é uma condição pré-estabelecida, mas um processo em constante construção. Embora o juízo de valor sobre a teoria não esteja em discussão, desde já, ressalto minhas discordâncias quanto à ideia de que uma nação precisa de um Estado grande e forte para prosperar. Isto está distante do modelo de sociedade que considero desejável, sobretudo à luz dos princípios da liberdade individual. Aliás, convenhamos: Estado forte e liberdade são tão antagônicos quanto socialismo e liberdade. 

Pois bem, a partir do desenvolvimento da teoria apresentada no livro, onde, afinal, o Brasil se situaria na tipologia do Leviatã proposta pelos autores? A meu ver, ao buscar compreender nossa posição, uma constatação se impõe com clareza: definitivamente, o Brasil não está no Corredor Estreito. E essa conclusão não decorre apenas da conjuntura atual, marcada por retrocessos e desequilíbrios institucionais, mas de uma análise mais ampla: o Brasil nunca esteve dentro do Corredor. Trata-se de um descompasso estrutural entre Estado e sociedade que atravessa nossa história republicana. E não é necessário recuar demasiadamente para identificar as mazelas que se perpetuam desde os alicerces do Brasil moderno. Basta olharmos para marcos específicos do século XX. 

O Estado Novo (1937-1945), sob Getúlio Vargas, consolidou um modelo de Estado intervencionista e autoritário, com centralização de poder e ausência de participação democrática. A criação da CLT e o fortalecimento de instituições estatais ocorreram sem o correspondente na sociedade civil. Sindicatos e associações passaram a funcionar sob tutela estatal, num arranjo corporativista que ampliou o poder do Leviatã, mas não a liberdade. 

O regime militar (1964-1985) manteve esse padrão: Estado forte e em desequilíbrio com a sociedade. A política econômica foi marcada por centralização, intervencionismo e endividamento. O Leviatã se fortaleceu, mas sem legitimidade. Quando a sociedade começou a se reorganizar, nos anos 1980, o Estado já enfrentava colapso fiscal e crise moral. Não houve coevolução, apenas ruptura. 

Com a redemocratização, esperava-se um novo ciclo de equilíbrio entre Estado e sociedade. No entanto, a Constituição de 1988 reforçou o papel de um Estado provedor, centralizador e cartorial, perpetuando a dependência da sociedade civil. O Leviatã seguiu inflado; a sociedade, fragmentada e desorganizada. 

Nos anos FHC (1995-2002), houve avanços institucionais relevantes: Plano Real, privatizações e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Foi uma tentativa de modernizar o Estado e conter seus excessos. Contudo, sem uma sociedade civil atuante, os ganhos foram tecnocráticos e assimétricos. A coevolução necessária para ingressar no Corredor Estreito não ocorreu. 

De 2013 em diante, as manifestações de rua demonstraram inquietação popular, mas sem organização capaz de produzir mudanças estruturais. A Operação Lava Jato revelou a profundidade da corrupção sistêmica e, por um breve período, representou um esforço concreto de responsabilização. No entanto, a reação institucional foi rápida: a operação foi desmantelada e seus instrumentos enfraquecidos. A sociedade, mais uma vez, não teve força institucional para conter o Leviatã. 

O governo Temer (2016-2018), embora impopular, promoveu reformas relevantes, como o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista. Foram avanços na direção da responsabilidade fiscal e de maior autonomia contratual, ainda que limitados e sem respaldo popular consistente. 

Já o governo Bolsonaro (2019-2022) foi marcado por contradições. Reformas como a da Previdência, a autonomia do Banco Central e o Marco do Saneamento indicaram avanços, mas foram neutralizados pela aliança fisiológica com o Centrão, que acabou afastando o país de uma trajetória de equilíbrio duradouro entre Estado e sociedade. 

Com a retomada do poder por Lula em 2023, há uma nítida reversão institucional: expansão da máquina pública, aumento de gastos, subsídios e crédito direcionado, combinados a uma retórica hostil ao setor privado. O intervencionismo retorna com força, reforçando o Leviatã e ampliando o distanciamento do Corredor Estreito 

Mas talvez o traço mais preocupante do presente momento, e o maior entrave ao ingresso no Corredor Estreito, seja a simbiose institucional entre o Executivo e o Judiciário. Assiste-se à consolidação de um novo tipo de Leviatã Despótico, não mais militar ou policial, mas juridificado e blindado contra pressões legítimas da sociedade civil. 

Esse arranjo tem características alarmantes: a judicialização da política, com o STF atuando como legislador em temas morais, penais e eleitorais, sem controle institucional ou accountability democrático; a colaboração estreita e opaca entre ministros do Supremo e o Executivo, em decisões que esvaziam o papel do Legislativo como espaço de mediação e representação; e, sobretudo, a censura e criminalização de manifestações políticas e opiniões divergentes, sob o pretexto da "defesa da democracia", mas com sérios riscos à liberdade de expressão, ao pluralismo e ao direito de crítica ao poder constituído. 

Portanto, ao concluir a ideia central deste artigo, torna-se evidente que carregamos um legado histórico que, infelizmente, não nos oferece muitas razões para nutrir otimismo quanto à possibilidade de uma inflexão rumo ao Corredor Estreito de Acemoglu e Robinson. A análise empírica revela um conjunto robusto de desafios estruturais, e eles não são poucos. O trabalho institucional a ser realizado é árduo, contínuo e de longo prazo. Não podemos nos deixar seduzir por soluções fáceis, embaladas por discursos carismáticos de pretensos salvadores da pátria, cujas promessas imediatistas, embora atraentes aos olhos dos incautos, tendem a cobrar um preço ainda mais alto do que os ônus que hoje enfrentamos. 

Embora se possa, legitimamente, discordar de certas premissas da obra, como a ênfase na necessidade de um Estado forte, há um ponto inescapável e central quando o tema é liberdade: a imprescindibilidade de uma sociedade civil atenta, vigilante e institucionalmente robusta. É esta sociedade - e não o Estado por si só - que deve conter os abusos do poder quando este se desvia de seus princípios fundacionais, seja sob a forma de um personalismo autoritário, seja por meio da captura dos poderes constituídos, que deveriam, em essência, garantir o cumprimento das leis dentro dos estritos limites do ordenamento constitucional. 

As instituições importam, mas uma sociedade que abdica de sua responsabilidade de moldá-las, defendê-las e aprimorá-las, inevitavelmente verá sua liberdade erodida. É preciso reagir, construir e fortalecer os alicerces de uma democracia genuína. Como sabiamente afirmou Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.), um dos expoentes do estoicismo: “Aquele que é corajoso, é livre.” Que tenhamos, portanto, coragem cívica e intelectual. Somente assim poderemos vislumbrar, ainda que em horizonte distante, a possibilidade de um dia adentrarmos, enfim, o tão almejado Corredor Estreito. 

 

*Wesley Reis é Economista, com especialização em Engenharia de Produção, possui experiência no mercado financeiro e na análise das interações entre instituições, poder político e liberdades individuais. Atua em Relações Institucionais e Governamentais na Origem Energia, no setor de óleo e gás, com foco nos impactos regulatórios e na dinâmica do Estado. Diretor do Instituto de Formação de Líderes do Rio de Janeiro (IFL-RJ) 

 

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