(Priscila Zambotto/Getty Images)
Colunista
Publicado em 21 de outubro de 2025 às 13h32.
A Medida Provisória 1303, a chamada MP dos Impostos, perdeu a validade — e talvez tenha sido melhor assim. Ainda assim, não nos livramos de mais impostos. O governo apenas recuou momentaneamente, mas continuará buscando novas formas de aumentar a arrecadação. O conteúdo da MP reunia temas relevantes, que mereciam uma discussão técnica e cuidadosa, e não apenas uma votação apressada movida pela ânsia de fechar as contas públicas. Ao caducar, a medida poupou o próprio governo de mais um vexame: o de defender um pacote improvisado, sem coerência e sem qualquer direção estratégica.
A gênese da MP diz tudo sobre o momento econômico e político em que estamos. O governo só a apresentou porque a Câmara dos Deputados suspendeu um decreto que aumentava o IOF, um imposto de natureza regulatória, usado aqui com finalidade puramente arrecadatória. Ou seja: o governo, pressionado por suas próprias contas desajustadas e pela necessidade de cumprir o resultado primário que ele mesmo prometeu, recorreu ao Congresso em busca de uma nova fonte de receita. A MP 1303 não nasceu de um projeto de país, mas de um improviso fiscal.
Até aquele ponto, nenhuma proposta estrutural estava em pauta. Nenhuma discussão técnica sobre sistema tributário, sobre eficiência, ou sobre “justiça fiscal” — seja lá o que isso signifique — havia sido aventada. A medida só surgiu porque o governo foi provocado e acuado. E, como sempre, respondeu de forma reativa e mal planejada.
O texto da MP reunia uma série de temas que, individualmente, mereceriam debate técnico e aprofundado. Mas foram contaminados pela pressa e pela ânsia de arrecadar. Um exemplo claro são os títulos incentivados, como LCI e LCA, e outros instrumentos semelhantes que, curiosamente, ficaram de fora. A existência desses papéis é uma anomalia econômica: trata-se de uma renúncia fiscal difícil de medir e quase impossível de justificar. A literatura é clara — há formas muito mais eficientes e transparentes de estimular setores específicos, como fundos de equalização ou linhas de financiamento dedicadas. LCI e LCA são uma jabuticaba de baixa eficácia e alto custo.
A MP também incluía a tributação de criptoativos. Nesse caso, o movimento faz sentido. Ainda que o mercado seja novo e careça de padronização internacional, não há fundamento técnico algum para a isenção desses ativos. Cripto é ativo como outro qualquer — deve ser tributado, sem exceções.
Outro ponto tratado foi a diferenciação de alíquotas entre fintechs e bancos. Essa distinção perdeu completamente o sentido. As fintechs já não são startups experimentais. São instituições financeiras plenas, reguladas e fiscalizadas com rigor semelhante ao dos bancos tradicionais. Não há razão técnica, nem social, para manter tratamento tributário diferenciado.
No caso das casas de apostas esportivas, é preciso abandonar o moralismo. O brasileiro é livre para aplicar seu dinheiro onde quiser. A tributação deve seguir o princípio da isonomia: as apostas digitais deveriam pagar os mesmos impostos que as loterias oficiais. Nem mais, nem menos. É o mesmo mercado, e deve ter o mesmo tratamento fiscal.
Já a discussão sobre o fim da isenção do JCP (Juros sobre Capital Próprio) merece outro olhar. Apesar da elevada carga tributária brasileira, as evidências internacionais mostram que a isenção plena do JCP não está alinhada às melhores práticas. Nenhuma grande economia — desenvolvida ou emergente — mantém um modelo semelhante. Há espaço, sim, para revisar esse instrumento, desde que dentro de um debate mais amplo e racional sobre a tributação do lucro e do investimento.a
A MP também previa a inclusão do programa Pé-de-Meia no orçamento da Educação — e essa, sim, era uma boa medida. Programas permanentes precisam ter fonte permanente de financiamento e constar na rubrica orçamentária correta. Isso é transparência e boa prática fiscal. A eficiência do programa é outra discussão, mas o desenho orçamentário estava certo.
Por outro lado, a proposta de unificar as alíquotas de imposto de renda sobre investimentos ia na direção errada. A tributação progressiva, com alíquotas menores para prazos mais longos, existe para incentivar o investimento de longo prazo — algo essencial em economias instáveis como a brasileira. É uma política adotada em várias economias maduras, como Estados Unidos e Europa, justamente para reduzir a volatilidade e estimular a poupança produtiva.
O Congresso, ao derrubar a MP, não agiu contra o país. Ao contrário. Manteve a isenção do IRPF até R$ 5 mil, como o próprio governo propôs, e garantiu as compensações fiscais necessárias. Nenhum programa social foi inviabilizado. Todos continuam com receitas asseguradas. O que se rejeitou foi o aumento de impostos — mais uma tentativa de o governo empurrar para a sociedade a conta de sua falta de controle.
O problema é que o governo brasileiro perdeu o rumo (ou nunca teve?). Sem projeto, sem planejamento e sem prioridades, sua única métrica de sucesso é o tamanho da arrecadação. E sua única obsessão é gastar. Enquanto isso, as discussões técnicas sobre eficiência, produtividade e crescimento seguem sendo soterradas pela política de improviso e pela fome arrecadatória.
Caminhamos, assim, para termos a maior carga tributária mundo — o mais complexo, o mais distorcido e o mais caro. A pergunta que fica é simples, mas incômoda: até quando aceitaremos governos que só sabem gastar e tributar? Quando teremos, enfim, um projeto de país — e não apenas uma planilha de arrecadação?