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A busca por investir em ativos descorrelacionados do mercado

Estratégias para preservar patrimônio e buscar consistência em cenários incertos

'Saber interpretar indicadores financeiros é o diferencial que separa os grandes líderes dos gestores medianos', diz professor (Freepik)

'Saber interpretar indicadores financeiros é o diferencial que separa os grandes líderes dos gestores medianos', diz professor (Freepik)

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Panorama Econômico

Panorama Econômico

Publicado em 2 de setembro de 2025 às 19h21.

Por Leonardo Kaufman Gorodovits*

 

É conhecida a dificuldade de prever cenários macroeconômicos. Afinal, a economia se move de acordo com as vontades e receios de milhões de pessoas. Esse conjunto de variáveis é altamente volátil, mesmo se observarmos países mais estáveis, como Estados Unidos ou Japão. Algumas perguntas simples se tornam questões conceituais: com um real adicional na renda, esses cidadãos economizariam ou gastariam? O que fariam se o preço de um bem aumentasse? Para onde iria o preço das ações no caso de uma pandemia?

Existe ainda a chance de ser impossível a previsão, caso as variáveis macro sejam aleatórias, isto é, se não tiverem relação com o período passado ou com outros elementos de comportamento conhecido. A ciência econômica não é exata como a Física ou a Química. Richard Feynman, físico recentemente retratado no filme Oppenheimer, afirma: “Imagine o quão mais difícil a Física seria se os elétrons tivessem sentimentos”.

Esses problemas de previsão são famosos e já foram alvo de piada desde o grupo humorístico Casseta & Planeta até tema de diversos artigos de Howard Marks, o renomado gestor da Oaktree Capital. Dentre esses artigos, recomendo a leitura de You Can’t Predict. You Can Prepare, The Illusion of Knowledge e Nobody Knows (Yet Again). Dito isso, não estou aqui para julgar a possibilidade de prever cenários macroeconômicos. Para fins deste texto, espero que concordemos que esse exercício é trabalhoso e, por vezes, infrutífero.

Para muitos ativos financeiros, é fundamental projetar cenários futuros a fim de estimar sua valorização potencial ou sua geração de fluxo de caixa — dois dos principais fatores considerados na decisão de investimentos. Por exemplo, ações de empresas do varejo são sensíveis à taxa de juros, que, por sua vez, depende da inflação. Da mesma forma, a trajetória do preço do ouro depende do nível global da aversão ao risco, que está exposta a riscos geopolíticos. Como, então, alocar os recursos dos nossos clientes de forma a encontrar ganhos consistentes no longo prazo?

Passamos, assim, a procurar ativos descorrelacionados do restante do mercado. Ativos que: (i) não seguem os mesmos movimentos de ativos tradicionais, como ações ou renda fixa; (ii) tendem a oferecer proteção em cenários adversos, com performance neutra ou positiva com o mercado em queda; (iii) reduzem a volatilidade do portfólio, suavizando os altos e baixos da carteira; (iv) permitem exposição a estratégias únicas. Nesse caso, a descorrelação significa não depender de eleições, guerras, tensões geopolíticas ou projeções macroeconômicas para performar acima do mercado.

Isto é, para esses ativos apresentarem ganhos, não faz diferença se o governo brasileiro é de esquerda ou direita ou se a guerra entre Ucrânia e Rússia continuará. São investimentos que passaram pelo teste de estresse de diversos eventos críticos, como o surto de Covid-19 e a greve dos caminhoneiros de 2018. O único fator relevante aqui é a expertise e a análise criteriosa do gestor e sua equipe. Isso é essencial para a alocação de longo prazo, que visa preservar o patrimônio familiar de forma multigeracional.

Um exemplo interessante desse tipo de investimento é a classe de Legal Claims. Os gestores buscam ações judiciais em estágio avançado e com chances altas de sucesso. Então, adiantam o dinheiro do ganho dessas ações para o autor, com um deságio. Posteriormente, quando a causa é efetivamente vencida, ficam com o lucro. Trata-se de uma estratégia de ganha-ganha, em que o autor recebe os recursos de forma adiantada e o gestor, com mais tempo para aguardar o desfecho do processo, remunera melhor o capital do investidor. Sendo assim, o sucesso dessa classe está atrelado única e exclusivamente ao sucesso da ação.

Não me entendam mal: encontrar investimentos descorrelacionados do mercado e que ofereçam valorização no longo prazo não é uma tarefa simples; pelo contrário. Existem duas metas a serem alcançadas concomitantemente: primeiro, verificar se a direção do preço do ativo não tem ligação com a direção em que o mercado ruma. O passo posterior é checar o potencial de apreciação do investimento. Para isso, a relevância maior é saber se o gestor e a estratégia são adequados. Alguns passos são: fazer um background check nos tomadores de decisão, entender se eles têm expertise de fato no ativo e se já performaram no passado, avaliar se a tese é replicável daqui para frente, se há alinhamento de interesses entre as partes relacionadas no investimento e se o processo dentro da gestora é bem estruturado.

Entendendo o que está em nosso controle e o que não está, a abordagem de investimentos torna-se mais sólida e consistente no longo prazo do que se aventurar, de tempos em tempos, em previsões incertas. Por mais difícil que seja essa avaliação, é melhor do que tentar adivinhar para onde vai o PIB, o câmbio ou a inflação.

*Leonardo Kaufman Gorodovits faz parte do time do Multi Family Office 1618 Investimentos, com mais de 10 anos de experiência na indústria de Wealth Management. É economista pela PUC-Rio e professor na FK Partners, além de CFA® Charterholder e Certified Financial Planner (CFP®).