Colunistas

Gestão de patrimônio em tempos de incerteza macroeconômica 

Como transformar cenários macroeconômicos em decisões financeiras inteligentes 

Lucro das empresas caiu pressionado por aumento dos juros  (Vertigo3d/Getty Images)

Lucro das empresas caiu pressionado por aumento dos juros (Vertigo3d/Getty Images)

PE
Panorama Econômico

Panorama Econômico

Publicado em 4 de agosto de 2025 às 21h01.

Última atualização em 4 de agosto de 2025 às 21h01.

Três cenários para 12–24 meses e como convertê-los em liquidez, proteção e diversificação. 

Em um ambiente de maior incerteza macroeconômica, decisões apressadas costumam custar caro. O caminho é usar hipóteses macro como guia — calibrando prazo, risco e proteção cambial de forma disciplinada. 

Por que a leitura macro importa para quem tem investimentos no Brasil? 

Antes de falarmos da sua importância, é prudente nivelar o que é visão macroeconômica: gerir o portfólio olhando primeiro para o ciclo da economia e das políticas públicas — inflação, juros, crescimento, câmbio, liquidez global — para ajustar risco e alocação antes que os balanços das empresas ou os preços reflitam essas mudanças. 

Quando juros, inflação e câmbio oscilam, o impacto não fica nas manchetes: ele chega ao caixa das famílias, ao poder de compra e à volatilidade do portfólio. A função da gestão patrimonial é traduzir a macro em regras claras, conectando decisões financeiras a objetivos de vida (aposentadoria, viagens, educação dos filhos, segunda residência). Na GS Wealth Consultoria de Investimentos, observamos que organizar essa tradução em etapas — hipótese → implicação → ação — aumenta a previsibilidade e a serenidade do portfólio de investimentos, mesmo quando o noticiário muda de direção. 

Com essa lógica, vale trabalhar três hipóteses macro para os próximos 12–24 meses. Não são previsões, e sim cenários de referência que orientam liquidez, proteção e diversificação. 

1º Cenário: Juros estáveis e desinflação gradual 

O que caracteriza: inflação em queda lenta, curva de juros lateral e dólar sem tendência forte. 

Implicações práticas: 

  • Liquidez: manter reserva tática para oportunidades; prazos moderados em renda fixa. 
  • Proteção: hedge cambial pontual e atenção à inflação implícita. 
  • Diversificação: ampliar gradualmente a relação risco-retorno (por exemplo, crédito high grade), equilibrando a correlação entre classes. 

Se a inflação surpreender para baixo ou a atividade perder fôlego, a carteira já deve ter espaço para aumentar gradualmente a parcela de risco — sem rupturas —, o que nos leva ao cenário 2. 

2º Cenário: Queda adicional de juros e atividade mais fraca 

O que caracteriza: afrouxamento monetário, inflação com sinais de arrefecimento, fim do ciclo de alta nos juros. 

Implicações práticas: 

  • Liquidez: uso do caixa para oportunidades, alongar parte dos prazos com critério e aproveitar janelas de mercado em novas emissões. 
  • Proteção: leve aumento nos ativos de risco descontados pelos juros altos; ampliar a diversificação para suavizar a volatilidade — alguns multimercados conseguem cumprir muito bem esse papel. 
  • Diversificação: transição de investimentos pós-fixados para inflação ou prefixados de longo prazo. Revisar para cima a parcela de ativos globais (ETFs amplos, Treasuries de curto prazo e REITs). 

Se a volatilidade do câmbio persistir neste período, revisite a hipótese e ajuste a faixa de hedge de acordo com a sua carteira e tolerância ao risco. 

3º Cenário: Pressão inflacionária e juros mais altos por mais tempo 

O que caracteriza: inflação acima da meta e curva de juros inclinada para cima. 

Implicações práticas: 

  • Liquidez: priorizar caixa em liquidez; evitar alongamentos sem prêmio adequado. 
  • Proteção: se a pressão inflacionária desencadear altas nos juros, reforçar pós-fixados; se for fim de ciclo de alta, reforçar ativos indexados à inflação e manter disciplina no hedge (evitando “tudo ou nada”). 
  • Diversificação: reduzir exposição a segmentos muito sensíveis a juros longos; priorizar a qualidade dos ativos (risco soberano / emissores AAA). 

O objetivo não é acertar o cenário, e sim manter a carteira capaz de atravessar os três com ajustes táticos — preservando o plano. 

Vistas as hipóteses, o ideal é executar essa estratégia em um processo fluido (do cenário à ação, sem saltos), usando um encadeamento lógico fixo: 

  • Defina metas e prazos — o que precisa de dinheiro certo em 6, 12 e 24 meses? (viagem, educação, obra, entrada de imóvel). 
  • Mapeie riscos relevantes — sua renda depende de ciclos (bônus, colheita, distribuição de lucros)? Quão sensível ela é à inflação e ao dólar? 
  • Traduza o cenário em parâmetros — tamanho do caixa, faixa de hedge, limites de concentração por classe/país. 
  • Escolha instrumentos coerentes — indexadores (CDI ou IPCA), prazos, emissores e, no exterior, veículos simples como títulos soberanos e ETFs — fundos de investimento que replicam um índice (como o S&P 500). 
  • Monitore com métricas claras — drawdown tolerado (maior queda que uma carteira sofre em relação ao seu pico), correlação entre ativos e trilhas de rebalanceamento. 

Com essas regras de execução definidas, só faltará a “cola” que mantém tudo conectado no tempo. É aí que entra o planejamento financeiro. 

Sem planejamento, o portfólio vira reação ao noticiário. Com planejamento, cenário, carteira e objetivos passam a conversar no mesmo idioma. Na GS Wealth, por exemplo, estruturamos o trabalho nas seguintes etapas práticas, que servem ao investidor como referência: 

  • Mapa de objetivos e eventos: cronograma de grandes despesas e marcos (educação, moradia, viagens, filantropia), traduzido em metas financeiras. 
  • Política de investimentos (IPS) viva: documento simples que define faixas de risco, liquidez mínima, limites de hedge e critérios de rebalanceamento — revisado periodicamente e de forma tática. 
  • Consolidação e transparência: visão única (onshore/offshore) que mostra, em tempo real, onde e como cada real/dólar está aplicado. 
  • Rotina de revisão: agenda regular que responde a duas perguntas: “o que mudou na macro?” e “o que mudou na sua vida?”. A estratégia se ajusta a ambas, não a uma só. 

 

Conclusão
Incerteza macroeconômica não precisa significar paralisia. Ao organizar a estratégia em hipóteses → implicações → ações — e ao ancorá-la em planejamento financeiro vivo — o investidor troca ruído por método. A tecnologia encurta o caminho, mas é o processo que preserva a fluidez: do cenário à carteira, da carteira aos objetivos e dos objetivos de volta ao plano, num ciclo contínuo de disciplina e clareza. 

 

Bruno Sprada Kuster, CEA, é cofundador e consultor de investimentos da GS Wealth Consultoria de Investimentos. Graduado em Administração pela UFPR, atua com planejamento financeiro e construção de carteiras de investimentos nacionais e internacionais.