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Investindo em valor

Da teoria de Graham à prática de Buffett: lições sobre valor, preço e disciplina

 (Getty Images)

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Panorama Econômico

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Publicado em 21 de outubro de 2025 às 13h29.

“Preço é o que você paga e valor é o que você leva.” Essa frase de Warren Buffett ilustra bem a relevância da diferença entre preço e valor para os investidores. Indo mais além, podemos dizer que o preço é a quantidade monetária pela qual um ativo é negociado no mercado, e que o valor é a quantidade monetária pela qual esse ativo deveria ser negociado, caso se tivesse certeza sobre o fluxo de caixa a ser gerado por esse ativo no futuro e sobre o retorno exigido pelo capital ao longo do tempo. O preço é observável através das transações realizadas; já o valor é apenas estimado, por meio de técnicas de avaliação de ativos.

Assim, “comprar na baixa e vender na alta” — o que a grande maioria dos investidores busca — poderia ser resumido em pagar um preço abaixo do valor e vender por um preço acima do valor de um ativo. Mas, se isso fosse fácil, todos ganhariam dinheiro no mercado financeiro, e a concorrência entre os investidores, por si só, eliminaria a possibilidade de novos ganhos. Pagar barato e vender caro não é fácil.

Note que comprar na baixa e vender na alta não necessariamente significa comprar um ativo por R$ 20,00 e vendê-lo por R$ 30,00. Se o valor desse ativo for, digamos, R$ 60,00 e você o vender por R$ 30,00, mesmo obtendo um ganho de 50%, ainda o terá vendido por um preço abaixo do valor. Por outro lado, se o valor desse ativo fosse de R$ 15,00, você teria pago caro por ele e teria ganho dinheiro apenas porque alguém decidiu pagar ainda mais caro. Assim, pode-se dizer que, para tomar uma decisão de investimento, deve-se ter uma estimativa sobre o valor do ativo. Caso contrário, não se trata de investimento, mas de pura especulação.

Existem diversas técnicas de avaliação de ativos e, devido à profundidade do tema, não entraremos nos detalhes aqui. Podemos, porém, dividir essas técnicas em duas grandes abordagens:

Avaliação relativa (múltiplos): faz uso de indicadores que relacionam métricas de preço (valor de mercado, enterprise value) a métricas de desempenho, econômicas ou patrimoniais (lucro líquido, EBITDA, receita, patrimônio líquido). Busca inferir o valor de um ativo pela comparação de transações realizadas no mercado com ativos considerados comparáveis.

Avaliação absoluta (intrínseca): estima o valor a partir das perspectivas do próprio ativo (fluxos de caixa, custo de capital, necessidade de investimento, risco). O método mais comum é o Fluxo de Caixa Descontado, que busca estimar o valor de um ativo através do valor presente da expectativa de geração de fluxo de caixa, considerando o retorno exigido para o capital investido.

Essas abordagens não são concorrentes; pelo contrário, se complementam. Assim, pode-se dizer que o investidor precisa ter uma estimativa sobre o valor intrínseco de um ativo. Mas também não é só isso. Caso você estime que um ativo vale R$ 50,00 e ele seja negociado por R$ 49,00, você entende que esse seria um bom negócio? Benjamin Graham nos apresentou o conceito de margem de segurança, uma espécie de tolerância para o erro na estimativa de valor e para choques de cenário. Assim, para tomarmos uma decisão de investimento, devemos considerar se o preço está abaixo (ou acima) do valor intrínseco estimado e respeitar uma margem de segurança.

Por exemplo, se o valor estimado do ativo for de R$ 50,00 e nossa margem de segurança for de 20%, compraríamos esse ativo abaixo de R$ 40,00 e reduziríamos ou venderíamos acima de R$ 60,00. A margem de segurança não precisa ser fixa: quanto maior a incerteza ou o risco em relação a um ativo, maior pode ser a nossa margem de segurança.

Agora, cuidado: não deve ser fácil encontrarmos ativos sendo negociados abaixo ou acima do valor intrínseco e ainda considerando a margem de segurança. Ou seja, oportunidades genuínas não aparecem a todo momento; se parecem abundantes, talvez as premissas estejam otimistas demais. Além disso, as boas oportunidades costumam aparecer junto com notícias ruins — sejam setoriais, macroeconômicas ou específicas —, o que dificulta a identificação das oportunidades. Muitas vezes, os investidores interpretam como “ativo mais arriscado” o que, na verdade, é apenas um preço descontado por ruído de curto prazo. Quando o ativo está rodeado de notícias boas, geralmente o preço já reflete isso.

Não é raro o caso de empresas que, em determinado momento, foram negociadas por preços muito acima do seu valor intrínseco. Com o passar do tempo, o preço de mercado se encarregou de mostrar que os ativos não valiam os montantes transacionados. As ações da Magazine Luiza caíram 96,7% desde dezembro de 2020; as ações da CVC, 96,8% desde 2019; as ações das Lojas Americanas, 99,9% desde 2020; e, mais recentemente, as ações da Ambipar caíram 98,5% desde o final de 2024. A lista é grande, e poderíamos preencher páginas e páginas de ativos que foram, em algum momento, negociados muito acima do seu valor intrínseco.

Mas o desempenho ruim não fica restrito apenas a ativos de baixa qualidade negociados a preços elevados. Quando bons ativos são negociados muito acima do seu valor intrínseco, a correção também costuma ser acentuada, ou o preço pode ficar anos sem apresentar retorno satisfatório. Por exemplo, as ações da Lojas Renner — uma excelente empresa — caíram 71,5% desde janeiro de 2020. Já as ações da Ambev, outra ótima empresa, caíram 48,5% desde 2018. Assim, para investir bem, não basta escapar das empresas ruins e escolher as boas empresas. Como diz Howard Marks, “não é comprando coisas

boas que obtemos êxito em nossos investimentos, mas quando compramos bem as coisas”. É o caso das ações da Vivo, que subiram 85,0% desde o começo de 2023, e das ações da Marcopolo, que subiram 269,0% desde 2021, apenas para ficarmos em dois exemplos.

É importante deixar claro que a diferença entre preço e valor estimado nem sempre se corrige de forma rápida. Por vezes, demoram anos para que essa diferença se reduza ou seja eliminada. Isso pode representar uma oportunidade, se estivermos comprando um ativo por menos do que ele vale, ou um risco, se estivermos comprando um ativo por mais do que ele vale. Podemos citar dois elementos que contribuem para que essa diferença entre preço e valor seja corrigida:

Catalisadores: eventos que “destravem” valor, tais como desalavancagem, melhora estrutural de margens, mudanças de gestão ou de alocação de capital, saída de um negócio ruim, normalização de ciclo, ganho de escala, spin-offs, M&As, redução ou mudança no custo de capital, desempenho da empresa, entre outros.

Horizonte e disciplina: a tese precisa de tempo para maturar; assim, defina zonas de preço (compra/reforço, manutenção, redução/saída), tamanho de posição compatível com risco e convicção, além de gatilhos para revisar a tese.

Antes de tomar uma decisão de investimento, busque utilizar algum roteiro de avaliação e seleção de ativos, como, por exemplo, o seguinte:

· Avaliação do negócio: diferenciais competitivos, governança corporativa, drivers de receita/margem, necessidade de capital, sensibilidade a ciclo e juros.

· Avaliação do valor intrínseco (fluxo de caixa descontado) e comparação com múltiplos (empresas comparáveis e histórico do próprio ativo).

· Definição de uma margem de segurança conforme a incerteza do ativo.

· Mapeamento dos catalisadores e cenários (base, otimista, conservador), com premissas explícitas.

· Tomada de decisão, monitoramento e reavaliação periódica.

Diferenciar preço de valor é fundamental para investir com consistência. Estimar valor, exigir margem de segurança e manter disciplina de processo reduz a dependência da sorte e aumenta a probabilidade de retornos ajustados ao risco. Em mercados competitivos, o diferencial raramente está em “apostar” no que todos veem, mas em precificar melhor o que poucos se dispõem a

analisar com calma e agir apenas quando o preço de mercado é diferente do valor estimado.

Jorge Ferreira, economista, CFA charterholder, mestre em Ciências Contábeis, sócio-fundador da Ostrya Investimentos e Ostrya Capital, além de professor de economia, finanças e gestão em cursos de graduação, MBA e mestrado na Unisinos.