Alta da Selic: inflação elevada faz com que muitos papéis da renda fixa ainda deem retorno negativo para o investidor (Jonathan Kitchen/Getty Images)
Panorama Econômico
Publicado em 19 de agosto de 2025 às 20h45.
Por Jorge Ferreira*
O risco de crédito corresponde à possibilidade de descumprimento das obrigações assumidas em um contrato ou acordo, resultando em potenciais perdas financeiras para os credores em razão da perda da capacidade de pagamento do tomador. Embora esteja mais associado a títulos privados, ele também está presente em títulos públicos emitidos por governos. No cenário global, apenas um grupo restrito de países é considerado virtualmente livre de risco, como Alemanha, Suíça, Noruega, Holanda, Dinamarca e outros, que possuem a mais alta nota de crédito atribuída pelas agências de classificação de risco, o rating AAA.
As agências de rating são instituições especializadas na análise da capacidade de pagamento de governos, no caso do crédito soberano, e de empresas privadas, no caso do crédito corporativo. Essa avaliação resulta na atribuição de uma nota que vai dos níveis mais elevados, como o AAA, até níveis mais baixos, que refletem maior probabilidade de inadimplência. Para países, são considerados fatores como situação fiscal e dívida pública, estabilidade política e segurança jurídica, crescimento econômico, ambiente de negócios e condições sociais e institucionais. Já no caso de empresas privadas, a análise leva em conta a qualidade da governança corporativa, a estrutura e solidez econômico-financeira, as perspectivas do setor de atuação e o histórico de pagamento e liquidez.
Mesmo economias desenvolvidas não estão isentas de risco. Os Estados Unidos, por exemplo, perderam o rating AAA em 5 de agosto de 2011, quando a Standard & Poor’s rebaixou sua nota para AA+, citando riscos políticos e o aumento da dívida pública. Em 2023, a Fitch também reduziu a nota de crédito do país e, em 2025, a Moody’s completou o movimento, retirando definitivamente o selo AAA das dívidas soberanas norte-americanas.
Nos mercados emergentes, como o Brasil, a percepção de risco é naturalmente mais elevada. Um dos principais indicadores usados para mensurar esse risco é o Credit Default Swap (CDS), um derivativo de crédito que expressa o prêmio exigido pelo investidor para assumir o risco de determinado emissor. Em 25 de agosto de 2025, o CDS brasileiro estava em 133,9 pontos, indicando que o mercado precificava um prêmio de risco de aproximadamente 1,33% ao ano sobre os títulos públicos do país. Trata-se de uma das menores taxas dos últimos anos. Apesar disso, mesmo em patamares mais baixos, há sempre alguma percepção de risco, que deve ser incorporado na análise e decisão de investimento.
De forma geral, os títulos públicos de um país representam o menor risco de crédito doméstico. Já no caso de emissores privados ou instituições financeiras, há um prêmio adicional sobre a taxa paga pelo governo, que varia de acordo com a solidez do emissor. Por exemplo, se um título público brasileiro indexado ao IPCA, com vencimento em 2029, oferece uma remuneração de IPCA + 7,60% ao ano, uma empresa privada pode emitir um título com mesmo vencimento pagando algo como IPCA + 8,00% ao ano, incorporando um prêmio de risco adicional que, conforme apresentado, será maior ou menor de acordo com a expectativa de risco.
No Brasil, o risco de crédito bancário é parcialmente mitigado pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que cobre até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, por instituição financeira, com limite global de R$ 1 milhão a cada quatro anos. Essa proteção abrange produtos como CDBs, LCAs, LCIs, cadernetas de poupança e outros. Essa garantia permite que bancos captem recursos a taxas próximas ao custo soberano e, em alguns casos, até inferiores, em função de ineficiências de mercado ou da falta de conhecimento do investidor.
Já os títulos emitidos por empresas não financeiras, como debêntures, e instrumentos securitizados, como CRAs e CRIs, não contam com cobertura do FGC. Nesses casos, o retorno do investimento depende exclusivamente da capacidade de pagamento do emissor. Casos de inadimplência, como os de Lojas Americanas, AgroGalaxy, Light, Oi e tantas outras, mostram que o risco é real e que o investidor deve estar atento à análise prévia desses ativos.
A questão, portanto, não é simplesmente evitar o risco de crédito, mas sim avaliá-lo e gerenciá-lo de forma criteriosa. Para isso, é fundamental que o investidor conheça seu perfil de risco e seus objetivos financeiros, compreenda as características de cada emissor e título e diversifique prazos, emissores e tipos de instrumento. Uma carteira balanceada pode incluir títulos públicos com liquidez diária e prazos definidos, títulos bancários com e sem liquidez e uma exposição controlada a crédito privado de qualidade, preferencialmente por meio de fundos de investimento geridos por profissionais com histórico consistente de desempenho, baixo custo e sólido controle de riscos. Dependendo do perfil de risco e das necessidades de liquidez, o investidor pode buscar prêmios relevantes acima da taxa básica de juros (alguns pontos percentuais ao ano) por meio de uma alocação estratégica em títulos bancários e crédito privado, desde que essa exposição seja planejada e compatível com seus objetivos e tolerância ao risco.
A renda fixa, apesar do nome, não é isenta de riscos. Ela oferece oportunidades para todos os perfis de investidor, mas exige conhecimento, análise e disciplina. Ao compreender a natureza do risco de crédito e ao construir um portfólio diversificado e alinhado aos objetivos pessoais, o investidor pode aproveitar o prêmio de retorno que ele oferece, contribuindo para a construção sustentável do patrimônio ao longo do tempo.
*Jorge Ferreira, economista, CFA charterholder, mestre em Ciências Contábeis, sócio fundador da Ostrya Investimentos e Ostrya Capital, além de professor de economia, finanças e gestão em cursos de graduação, MBA e Mestrado na Unisinos.