Javier Gimeno, presidente da Saint-Gobain para a América Latina (Divulgação)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 17 de maio de 2025 às 10h00.
A Saint-Gobain, gigante francesa do setor de materiais de construção, celebra duas conquistas: teve um primeiro trimestre de forte crescimento, no Brasil e no mundo, e tem conseguido evitar os efeitos da guerra comercial iniciada pelo presidente americano Donald Trump.
A companhia teve alta de 3,2% nas vendas globais no primeiro trimestre de 2025, em um total de 11,7 bilhões de euros. Na América Latina, a alta de vendas foi de 9,8% no período, com destaque para o Brasil.
Ao todo, a Saint-Gobain atua em 80 países. No Brasíl, são 58 fábricas. O grupo é dono de marcas como Brasilit, Quartzolit e TekBond, além da rede de lojas Telhanorte.
A empresa, que completa 360 anos em 2025, se baseia no modelo de produção e venda local. "No Brasil, fabricamos no país 99,9% do que vendemos aqui. Deste modo, as tarifas de Trump, ou de qualquer outro país, impactam muito pouco os nossos resultados", disse Javier Gimeno, presidente da Saint-Gobain para a América Latina, em entrevista à EXAME.
Para ele, o mundo passa por uma mudança mais profunda. "A globalização acabou. A menos neste momento, a história humana é como um pêndulo e às vezes vai para um lado e vai para o outro, então depois deve voltar para o outro lado", diz.
Na entrevista, ele falou ainda sobre as perspectivas para o Brasil, México, Argentina e a possibilidade de novas aquisições. Leia a seguir.
Como tem sido o desempenho da Saint-Gobain no Brasil neste começo de ano?
Temos começado o ano bem, com um crescimento aqui na América Latina de quase 10% com relação ao ano passado. O Brasil representa por volta de 60% de nossas vendas totais na região. Vemos uma continuação do que já observamos no segundo semestre do ano passado, quando foi registrado um crescimento de média de 5%. Essa tendência tem sido confirmada no primeiro trimestre de 2025, o que não quer dizer exatamente que o mercado brasileiro da construção civil esteja evoluindo de forma particularmente positiva. A evolução das vendas reflete duas coisas: primeiro, que o segmento da construção leve, onde a Saint-Gobain é um líder indiscutível da indústria brasileira, está crescendo bem acima da média de crescimento da construção civil brasileira. Dentro desse segmento, a Saint-Gobain está realizando alguns ganhos de market share.
Como vê as perspectivas para o varejo neste ano no país?
O varejo de materiais da construção no Brasil está em uma situação, eu diria, delicada desde três ou quatro anos. Tivemos um momento de demanda muito aquecida depois da pandemia, e depois sofremos por esse reflexo da demanda, porque o consumidor brasileiro antecipou de forma muito importante os investimentos [e reduziu as compras depois]. Desde o final do ano passado tínhamos percebido uma melhoria. Nada particularmente espetacular, mas era já um início de retomada dos volumes anteriores à crise. Por enquanto, a situação continua bem encaminhada, mas as condições têm mudado de forma ruim, por duas razões. A primeira são os altos juros. Estamos falando da taxa de juro real mais alta da América Latina, é 14,25%, que pode continuar aumentando. É uma taxa muito, muito alta. Por outro lado, há a depreciação do real frente as principais moedas mundiais, o que tem também provocado muito aumento da inflação. Ter produtos mais caros, e com condições de crédito mais ruins, com acesso mais difícil, não é a fórmula para que o varejo brasileiro tenha no ano 2025 um bom ano.
A Saint-Gobain teve um resultado muito bom mesmo em um cenário de incertezas globais, puxadas pelas tarifas impostas pelo presidente Donald Trump?
A Saint-Gobain fica muito pouco exposta às tarifas, pois tem um modelo de negócio local, no qual você produz e vende localmente. No Brasil, fabricamos no país 99,9% do que vendemos aqui. E os fluxos de importação e exportação são muito limitados. Nesse sentido, os negócios são basicamente locais, tanto em produção quanto em vendas. Deste modo, as tarifas de Trump, ou de qualquer outro país, impactam muito pouco os nossos resultados. Mas ficamos preocupados. Se essa guerra de tarifas provocar uma desaceleração da economia mundial, isso vai terminar impactando também nos mercados, direta ou indiretamente. A globalização acabou. A menos neste momento, a história humana é como um pêndulo e às vezes vai para um lado e vai para o outro, então depois deve voltar para o outro lado.
Loja da Telhanorte (Jean Cabral/Telhanorte/Divulgação)
O que levou a empresa a optar por esse modelo de produção local?
Isso é uma escolha, mas também o resultado de uma realidade: a construção é uma indústria local. Os métodos construtivos são diferentes em cada país e, mesmo dentro de cada país, vocês têm formas diferentes de construção em cada região, porque o clima, as matérias-primas existentes determinam quais serão os sistemas e soluções utilizado. A natureza da indústria construtiva é local. Os sistemas de construção na China têm pouco a ver com sistemas de construção no Brasil, que é completamente diferente dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, essa proximidade da indústria de construção em termos de proximidade física entre o cliente e o produtor permite criar um relacionamento forte, que é uma defesa frente às importações, especialmente de origem asiática, que têm causado danos importantes a muitos setores.
Quais são as perspectivas para o México, onde a Saint-Gobain comprou recentemente a Cemix?
O México é, junto com o Brasil, o principal país da América Latina, tanto para a economia latino-americana quanto para a Saint-Gobain. Hoje o México está em 14º lugar entre as economias globais e a previsão é que fique entre as 10 principais nos próximos quatro ou cinco anos. É um país muito dinâmico, com uma população muito grande, uma relação muito estreita, muito íntima com os Estados Unidos que acelera o crescimento. Estávamos no México há muitos anos com uma presença focada em produtos de vidro. Nos últimos anos, temos feito o trabalho de desenvolver as outras famílias de produtos da Saint-Gobain, seja por investimentos “greenfield” ou por aquisições. A aquisição da Cemix, número dois do mercado de argamassas mexicano, foi um passo muito importante para a frente. Foi a transação mais importante da história da Saint-Gobain na América Latina, de 815 milhões de dólares americanos. As sinergias que tínhamos imaginado quando decidimos fazer essa transação tem sido confirmadas.
Como estão os negócios na Argentina, em meio à queda da inflação e retirada das restrições cambiais?
O ano de 2024 foi muito difícil para todos, depois da chegada do presidente Javier Milei e do ajuste macroeconômico tão severo que ele trouxe. A demanda teve uma queda espetacular. Estamos falando de quedas de volumes por multa de 35, 40% em relação ao ano anterior. Mas as equipes souberam reagir. Adotamos uma estratégia de resistência e de hibernação. A partir do final do segundo semestre do ano passado, começamos a perceber alguns sinais de melhoria, que tem sido confirmadas de forma bastante relevante neste início de 2025. A receita econômica está funcionando. A inflação teve uma queda espetacular. As finanças públicas estão muito mais saudáveis. Isso está impulsionando os investimentos e o consumo. Neste início de ano tivemos aumentos expressivos de volumes. Ainda há bastante para fazer, porque o país não se normalizou completamente, mas estamos no caminho certo.
Há planos de novas aquisições?
Umas das políticas de desenvolvimento da Saint-Gobain é a otimização permanente de nosso portfólio de atividades. Isso se traduz às vezes pela saída de algumas unidades de negócio que não ficam bem integradas com a estratégia geral. Esse exercício é permanente e vai continuar sendo permanente o tempo todo. Estamos sempre procurando novas oportunidades. O crescimento inorgânico é uma parte importante do modelo de inovação global, como demonstraram todas as aquisições recentes que temos feito, no México, no Equador, no Chile. Continuamos analisando oportunidades, mas não compramos por comprar.
A Saint-Gobain completa 360 anos em 2025. Qual a razão principal porque a empresa durou tanto tempo, na sua opinião?
É a nossa capacidade para nos reinventar permanentemente. A Saint-Gobain tem uma personalidade, mas os modelos de negócios evoluíram, as linhas de produtos evoluíram, mas essa vontade permanente de inovar, de adaptar, de ser pioneiro, de ser líder, isso tem feito a empresa ser sempre jovem e longeva. Sempre falo que a vida é movimentação. Se você para, você morre.