Economia

Agronegócio sustentável

Na fusão definitiva da ecologia com a agropecuária está o seguro contra o futuro

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h16.

O bom desempenho da agropecuária nacional tem desafiado os analistas da economia agrária. Após espetacular crescimento no início deste século, abrindo fronteiras distantes, inesperadamente os cintos se apertaram, observando-se queda da renda rural nos anos 2004 e 2005, especialmente no Centro-Oeste. Com a liquidez baixa, em parte devido à imobilização de capital na compra de terras, muitos produtores nem conseguiram honrar seus compromissos. Aumentou o endividamento rural, hoje estimado em 80 bilhões de reais.

A contínua valorização do real parecia indicar mais uma prolongada crise. Mesmo porque problemas históricos jamais foram enfrentados pelo governo, como as deficiências de infra-estrutura, particularmente o transporte e a logística de comercialização. Quanto mais avançava pelo Mato Grosso rumo à franja amazônica, ou subia pelo Piauí, galgando o cerrado desde a Bahia, mais longínquos se tornavam os centros de consumo e os portos de exportação.

Para confirmar as más perspectivas, surgem em 2005 focos de aftosa no rebanho bovino sul-mato-grossense, espalhando-se pelo Paraná. Fronteiras internacionais se fecham para a carne bovina e suína. Mais uma vez, o deficiente sistema de defesa animal do país se escancara. Por sorte, a gripe aviária na Ásia some do horizonte, deixando a avicultura em paz.

O dólar não pára de cair, mas, surpreendentemente, as exportações do agronegócio continuam a crescer, garantindo 42% da balança comercial e 90% do superávit. A esperada crise, contrariando todas as previsões, sumiu do horizonte. A carne bovina brasileira, barata, com apelo do "boi natural", marketing que certamente crescerá, continuou sua venda mundo afora. Decerto não ganhou, ainda, os mercados finos do Japão nem dos Estados Unidos, mas sua competitividade é avassaladora. Ainda mais contando com nova, e fortíssima, seca na Austrália.

Nas commodities, ocorreu algo inusitado. O aquecimento do mercado de milho, devido ao crescente volume destinado, nos Estados Unidos, para a fermentação de álcool, fez subir por tabela o preço da soja. Contribuíram para manter firme o mercado as volumosas compras asiáticas, puxadas pela China. O preço das mercadorias em dólar, elevado, no maior nível dos últimos 15 anos, compensou a valorização da moeda nacional, mantendo boa remuneração dos exportadores agrícolas.

Por fim, e não menos importante, o aquecimento do mercado interno rural pela febre do etanol elevou todas as expectativas. As terras subiram de preço e ganharam liquidez, salvando muitos agricultores endividados, cujo patrimônio estava "micado" desde 2005. A indústria de máquinas e implementos agrícolas se esquentou com as encomendas canavieiras. No ramo de defensivos, efeito semelhante se verificou.

Nesse novo contexto, inimaginável há dois anos, pergunta em artigo recente o economista José Roberto Mendonça de Barros: será sustentável o crescimento do agronegócio brasileiro? Parece que sim, conclui o respeitável analista. Mas precisa ajustar sua rota aos novos tempos, arremata.

A grande vantagem da agricultura brasileira reside em sua tecnologia de produção. Após 40 anos de pesquisa e experimentação, as técnicas de cultivo e criação desenvolvidas pela Embrapa, junto com suas congêneres estaduais, como o IAC-Campinas, conseguiram se adaptar e aproveitar as facilidades oferecidas pela condição tropical dos ecossistemas, especialmente na exploração dos cerrados. O sistema de plantio direto e o melhoramento genético permitiram galgar novo patamar de produção. Com várias safras no mesmo terreno, o cultivo múltiplo e, agora, a integração lavoura-pecuária, elevam a produtividade de forma, comparativamente, barata, apavorando os concorrentes, que vêem seus campos gelados, e parados, no inverno.

O Brasil deve radicalizar sua agenda tecnológica, aprimorando sucessivamente o caráter tropical da agronomia e da zootecnia. Mais que estradas, ferrovias, hidrovias e portos, que de resto são fundamentais, aqui está o melhor caminho da sustentabilidade. Boas práticas agrícolas e bem-estar animal, conservação do solo e das águas, proteção da biodiversidade - nessa fusão definitiva da ecologia com a agropecuária está o seguro contra o futuro. A fronteira da biotecnologia, incluindo a transgenia, esboça nova revolução tecnológica. A favor da natureza.

Organização dos produtores, cooperativismo, integração das cadeias produtivas, contratos de safra e futuros, esses são os temperos básicos da receita do crescimento sustentável dos agronegócios. Certificar a produção, garantindo qualidade ao consumidor, será um imperativo. Melhor que isso, somente se o mercado interno, fortificado com empregos e salários, demandasse mais alimentos e matérias-primas. E, como sonho de consumo dos produtores, e sorte da democracia, os invasores de terras pudessem se aquietar.

* Xico Graziano é engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Administração. Foi presidente do Incra no governo de Fernando Henrique Cardoso e secretário da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo durante o governo de Mário Covas, ao término do qual foi eleito deputado federal. Hoje é o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

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