Economia

Alívio no curto prazo não reduz risco fiscal à frente

Os desafios estruturais ao equacionamento da dívida pública representam risco para a sustentabilidade fiscal no longo prazo

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 28 de fevereiro de 2025 às 06h18.

Por João Leme*

Os dados fiscais consolidados de 2024 desenharam um quadro mais favorável do que o inicialmente projetado pelo mercado para o último ano. Para 2025, a contribuição do ciclo econômico às contas públicas deve se reduzir, diante do arrefecimento esperado da economia em um ambiente de impulsos fiscal e monetário negativos. Ainda assim, o cumprimento da meta fiscal neste ano parece menos desafiador do que no ano passado, haja vista o efeito esperado do sucesso parcial das medidas de contenção de despesas anunciadas pelo governo, a resiliência do mercado de trabalho e a alta probabilidade de nova distribuição de dividendos extraordinários. Soma-se a isso o espaço fiscal criado pelo desconto, para fins de cumprimento da meta, de R$ 44,1 bilhões a título de precatórios. No entanto, os desafios estruturais ao equacionamento da dívida pública representam risco para a sustentabilidade fiscal no longo prazo.

Em 2024, o déficit acumulado totalizou R$ 43,0 bilhões (-0,4% do PIB), fruto de variação real de +8,9% das Receitas Líquidas e de -0,7% das Despesas Totais. Ao descontarmos os valores referentes aos créditos extraordinários abertos em favor do Rio Grande do Sul e do combate às queimadas no Centro-Oeste e Sudeste, o déficit fiscal ajustado ficou em R$ 11,0 bilhões (-0,1% do PIB), o que representou o cumprimento da meta de déficit zero estabelecida pelo Novo Arcabouço Fiscal (NAF), ao se posicionar dentro da margem de tolerância de 0,25% do PIB.

Esse resultado foi impulsionado por cinco fatores principais:

(1) a expansão disseminada da atividade econômica,

(2) a forte recuperação do mercado de trabalho,

(3) o sucesso parcial das medidas de ampliação da base tributária,

(4) receitas extraordinárias e

(5) a execução da programação orçamentária do governo.

Expansão fiscal e renda das famílias

Vale destacar que a expansão fiscal contribuiu para impulsionar a renda disponível das famílias, estimulando o consumo e gerando impacto positivo na arrecadação. Esse efeito foi potencializado pelo afrouxamento da política monetária no primeiro semestre do ano, que favoreceu o aquecimento disseminado da atividade econômica e reforçou as receitas pró-cíclicas.

Para 2025, essa contribuição do ciclo econômico deve se reduzir. O mercado de trabalho deve permanecer resiliente, mas o crescimento da renda deve perder força e limitar a expansão da arrecadação federal. O impacto da programação orçamentária também deve ser neutralizado com a retomada do cronograma usual de pagamento dos precatórios.

No que tange às medidas de recomposição de receitas, a principal fonte adicional de recursos em 2024 foi a mudança do regime tributário aplicável aos fundos exclusivos e offshores, que gerou R$ 22,8 bilhões aos cofres públicos. Essa fonte de arrecadação, no entanto, deve apresentar contração em 2025, dada a expectativa de que os contribuintes ajustem seu portfólio para minimizar o impacto da tributação.

O governo também contou com o auxílio de receitas extraordinárias, como o acordo com a Vale referente às Estradas de Ferro de Carajás de Vitória de Minas, a transação tributária com a Petrobras, a regularização de depósitos da Caixa Econômica Federal e dividendos do BNDES e de estatais. Para 2025, a tendência é de redução desse tipo de ingresso, embora ainda deva desempenhar papel relevante para o alcance da meta.

Com a exclusão das atipicidades nas receitas e despesas, o déficit primário recorrente ficaria perto de 0,8% do PIB, evidenciando um desequilíbrio estrutural persistente no orçamento. Para estabilizar a dívida pública no nível de dezembro, considerando as estimativas atuais de juros reais e crescimento da economia, seria necessário um superávit primário superior a 1,5% do PIB – patamar não alcançado no cenário básico da Tendências até 2031.

Dentre os fatores de risco que podem piorar esse cenário estão os efeitos da política de valorização do salário mínimo sobre as rubricas a ele indexadas, o aumento de concessões de benefícios previdenciários e assistenciais e a indexação de gastos discricionários ao desempenho da arrecadação (como os mínimos constitucionais de saúde, educação, investimentos e emendas parlamentares).

A volatilidade cambial e o elevado nível de aversão ao risco global também podem aumentar o custo do endividamento e deteriorar o resultado nominal, pressionando ainda mais a trajetória da dívida pública. Embora os números finais de 2024 tenham se acomodado em patamares mais favoráveis, tal movimentação decorreu de fatores transitórios, como a maior venda de reservas internacionais da história do BC em dezembro (cerca de US$ 30 bilhões), que reduziu a dívida bruta (DBGG) em 1,7 p.p. do PIB.

A Tendências projeta um déficit primário cheio de 0,6% do PIB para 2025, que, após ajustes para aferição do cumprimento da meta fiscal, deve se situar em 0,2% do PIB, dentro da margem de tolerância do NAF. A DBGG deve atingir 81,9% do PIB, enquanto a dívida líquida (DLSP) alcançará o patamar de 66,4% do PIB, refletindo um ambiente de juros pressionados e consolidando desafios adicionais para a sustentabilidade fiscal no longo prazo.

*João Leme é analista da Tendências Consultoria

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