Congresso Nacional: governo enfrenta resistências de deputados e senadores para aprovar apenas aumento de impostos (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 10 de junho de 2025 às 12h06.
A tensa relação entre o governo petista e o Congresso não dá sinais de melhora, pelo menos no curto prazo. Especialistas ouvidos pela EXAME afirmam que o desequilíbrio de forças entre os dois Poderes, com a proeminência do Legislativo, explica a atual situação em que as seguidas tentativas do Ministério da Fazenda de elevar impostos ou reduzir renúncias fiscais têm sido rejeitadas por deputados e senadores.
Na prática, mesmo com a retomada do debate sobre ajuste fiscal entre a equipe econômica e os líderes do Congresso, o governo não tem sido eficiente em garantir apoio para a aprovação das propostas que aumentam receitas.
Além disso, a falta de disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de cortar despesas que podem afetar a popularidade a pouco mais de um ano das eleições de 2026 também dificultam esse processo.
Na crise mais recente, o Ministério da Fazenda busca uma receita extra de R$ 20,7 bilhões para cumprir a meta fiscal de 2025 e, mais uma vez, recorreu ao aumento de tributos, por meio da elevação das alíquotas do Imposto sobre Operação Financeira (IOF) para tentar fechar a conta. Em reação imediata, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) sinalizou que a medida seria derrubada pelos parlamentares.
Para evitar uma derrota acachapante para o governo, Motta deu 10 dias para que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentasse uma solução, que contemplasse medidas estruturais de longo prazo para sinalizar uma trajetória de sustentabilidade para a dívida pública.
Haddad chegou a afirmar que o pacote de medidas estruturais que seria anunciado teria um impacto fiscal maior do que o aprovado no fim do ano passado.
"Eu acredito que o plano de voo está bom e até superior ao que fizemos no ano passado, com um alcance ainda maior. Do meu ponto de vista, [o pacote de medidas] dá uma estabilidade duradoura para as contas do próximo período", disse.
Antes da derradeira reunião com o governo, Motta voltou a criticar o governo em uma palestra para uma plateia de empresários no Fórum Esfera 2025, realizado no Guarujá (SP).
“Temos um modelo fiscal que, ao invés de organizar o presente, transfere angústias para o futuro. Isso não é apenas ineficiência. Isso é injustiça. Porque a conta — sempre ela — cai no colo do mais fraco. O brasileiro já apertou demais o cinto. Não é razoável que o Estado siga aumentando a própria barriga”, disse.
Apesar das promessas de Haddad, mais uma vez, o governo manteve o foco no aumento de impostos sobre o sistema financeiro, e o ministro da Fazenda anunciou a tributação de títulos de renda fixa e outras aplicações, sem previsão de propostas para reduzir as contas públicas. Esses temas, segundo o chefe da equipe econômica, serão discutidos em outra reunião, sem data definida.
Para piorar a situação, Motta afirmou que não há garantia de aprovação do pacote fiscal que substituirá parte das alíquotas do IOF.
Os seguidos tropeços do governo, afirma o CEO da Arko Advice, Murilo Aragão, têm sinalizado ao Legislativo que o governo não se preocupa com a liturgia existente entre os dois Poderes. Segundo ele, isso ficou claro na sucessão de crises acumuladas. Entre elas estão a crise da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, a crise do Pix, as sucessivas propostas que só aumentam impostos e na mais recente crise do IOF.
“A não consulta [ao Congresso sobre as medidas pretendidas pelo governo] gera um mal-estar e tira prestígio da equipe econômica. E as propostas sempre embutem aumento de imposto quando os líderes do Congresso já disseram ser contra mais tributos. Além disso, o governo não apresenta claramente proposta com redução de gastos, mesmo em benefícios sociais. Eles também falam que querem acabar com renúncias fiscais, que não são temas fáceis de serem resolvidos diante das pressões das corporações”, diz.
Aragão pondera que o poder acumulado pelo Congresso nos últimos anos, com derrubada de vetos presidenciais e definição de emendas impositivas, que chegam a mais de R$ 50 bilhões, reduz a margem de recursos disponíveis para o governo.
“Toda essa relação segue uma norma protocolar que deve reconhecer a centralidade do Congresso como local de decisão. E a equipe econômica não reconhece. O grande agregador de maiorias [para a aprovação de pautas no Legislativo] são os presidentes da Câmara e do Senado. Presidente da República tem voto popular, mas quem faz maioria no Congresso são Motta e Alcolumbre”, disse.
O cabo de guerra entre governo, empresários, parlamentares e servidores públicos têm dificultado uma solução para a crise fiscal, afirmou o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.
“O governo não quer perder arrecadação. Os grupos corporativos empresariais não querem perder benefícios. Os parlamentares não querem perder as emendas. Estados e municípios não querem perder receitas. Servidores não querem reforma administrativa. Ninguém quer abrir mão do que tem”, disse.
Segundo ele, o Executivo passou a ser a parte mais fraca dessa relação, depois que as Medidas Provisórias passarão a ser votadas no Congresso e os parlamentares passarão a controlar o orçamento e tornarão as emendas impositivas. Com esse enfraquecimento do governo, o Legislativo se tornou protagonista.
Melo ainda afirmou que o ajuste fiscal precisa começar pelos benefícios tributários, que nas contas de Haddad totalizarão R$ 800 bilhões em 2025. Segundo ele, exigir um ajuste fiscal somente com redução de mínimos constitucionais para saúde, educação e desvinculação do salário mínimo de aposentadorias é uma enorme injustiça social.
O governo defende um corte de 10% nos gastos tributários, mas não detalhou que setores serão afetados pela medida. A falta de consenso na reunião com líderes do Congresso no último domingo, 8, adiou a decisão. Uma nova reunião sobre o tema será marcada, mas sem data definida.
“Esse ajuste estrutural passa por reduzir os gastos de mais de R$ 50 bilhões com emendas parlamentares, por diminuir benefícios tributários e uma reforma estrutural do funcionalismo público do país”, disse.