Economia

Governo da Argentina combate a crise e também seus críticos

Executivos argentinos foram pegos de surpresa pela postura do governo, percebida como “quem não está conosco, está contra nós”

Impressão é que Macri seria mais tolerante e não agiria com a mão tão pesada (Marcos Brindicci/Reuters)

Impressão é que Macri seria mais tolerante e não agiria com a mão tão pesada (Marcos Brindicci/Reuters)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 21 de maio de 2018 às 13h34.

Na noite de sexta-feira, 11 de maio, os executivos mais poderosos da Argentina se encontraram às pressas na residência oficial do presidente Mauricio Macri nos arredores de Buenos Aires.

O peso tinha acabado de despencar 6 por cento em relação ao dólar pela segunda semana seguida e o grupo seleto – que incluía um bilionário, um magnata do setor imobiliário e o comandante da Fiat no país – foi convocado para discutir as medidas tomadas para combater o que logo se tornou mais uma crise na Argentina.

A esperança era que Macri, com sua experiência no setor corporativo, compreendesse as preocupações deles e acalmasse os executivos.

Não foi o que aconteceu.

Minutos após a chegada do grupo, começou um bate-boca. A tensão entre os dois lados só piorou nos últimos dias. Segundo três pessoas presentes na reunião, o clima azedou quando presidentes de empresas expressaram preocupação com a decisão do banco central de elevar a taxa básica de juros para 40 por cento.

Eles imediatamente foram interrompidos por dois assessores de Macri – o vice-chefe de gabinete, Gustavo Lopetegui, e o ministro da Indústria, Francisco Cabrera. Os dois insistiram para que os participantes focassem em demonstrar apoio ao governo em tempos difíceis, o que era justamente o objetivo do encontro. Um porta-voz do governo se recusou a comentar sobre a conversa.

O recado foi dado: Obedeça ou fique de boca fechada. Executivos em todo o país entenderam claramente. Quase nenhuma das mais de 20 empresas e instituições financeiras contatadas pela Bloomberg News se dispôs a comentar oficialmente sobre o impacto da crise financeira sobre os negócios.

Muitos foram pegos de surpresa pela postura do governo, percebida como “quem não está conosco, está contra nós”. Era a abordagem que esperavam do casal Kirchner, que tocou uma agenda populista por mais de uma década.

O presidente atual deveria ser diferente. Macri atuou no setor automotivo, comandou um time de futebol, está rodeado de gurus de Wall Street e abriu os mercados para novos investimentos. A impressão é que ele seria mais tolerante e não agiria com a mão tão pesada.

Táticas do passado

“Acho que não voltaremos às táticas que pensávamos ter deixado para trás”, disse Daniel Marx, ex-secretário das Finanças que hoje é responsável pela consultoria Quantum Finanzas, em Buenos Aires. “Mas em momentos de pânico, como na sexta-feira, (as táticas) reapareceram.”

Isso aconteceu em parte porque a magnitude e rapidez da crise foram um choque para um governo que acreditava ter conquistado os investidores internacionais.

Após a resolução da épica moratória de 2001, a Argentina virou menina dos olhos do mercado de títulos de dívida. Nestes dois anos e meio de mandato de Macri, o país vendeu mais de US$ 40 bilhões em instrumentos financeiros, incluindo um raro título com prazo de 100 anos. As autoridades sentiam confiança.

“Estou convencido de que a Argentina será a estrela dos mercados emergentes nos próximos 20 anos”, declarou o ministro das Finanças, Luis Caputo, no ano passado. “Não quero ser arrogante, mas isso é muito evidente.”

No entanto, tem sido lento o avanço das reformas estruturais essenciais – como a redução do déficit público para conter a inflação que chega a 25 por cento ao ano. Quando o rendimento dos ativos disparou subitamente nos EUA, investidores começaram a retirar dinheiro da Argentina.

Com a mudança nos mercados americanos, o peso se depreciou 24 por cento desde o início do ano, o pior desempenho entre as moedas de nações emergentes. Acréscimos sucessivos nos juros e um acordo de ajuda financeira costurado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) seguraram a queda e aliviaram a pressão sobre as autoridades.

Clima segue tenso

O clima continua tenso com a comunidade empresarial. Na semana passada, Luis Pagani, presidente da Arcor SAIC, a maior exportadora de doces do país, foi repreendido por questionar a liderança do presidente em entrevista ao jornal Perfil.

“Não sei se existe um plano no momento”, ele afirmou à reportagem. De acordo com pessoas a par do ocorrido, um representante do governo pediu que Pagani se retratasse e ele se negou. Assessores de imprensa da Arcor e do governo se recusaram a comentar o assunto.

Somente um executivo se dispôs a ter seu nome publicado após a conversa com a Bloomberg News.

Alejandro Reca, diretor da San Ignacio, famosa marca de doce de leite, revelou que a disparada dos juros deixou muitos clientes locais sem acesso a crédito, o que sufocou a demanda. Segundo ele, as encomendas no mercado doméstico diminuíram 50 por cento neste ano.

‘A festa acabou’

Nos últimos dois meses, a San Ignacio tem sido forçada a cobrar na justiça cheques pré-datados sem fundos.

“A festa acabou”, disse Reca. “As pessoas estão cortando o que consomem. Teremos de sobreviver das exportações.”

Acompanhe tudo sobre:ArgentinaMauricio Macri

Mais de Economia

MP do crédito consignado para trabalhadores do setor privado será editada após o carnaval

Com sinais de avanço no impasse sobre as emendas, Congresso prevê votar orçamento até 17 de março

Ministro do Trabalho diz que Brasil abriu mais de 100 mil vagas de emprego em janeiro

É 'irrefutável' que vamos precisar de várias reformas da previdência ao longo do tempo, diz Ceron