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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h16.
O governo Lula deveria pensar seriamente em privatizar a Petrobras. E mais: apesar de não assumir, já está privatizando. A crítica de Luiz Carlos Mendonça de Barros mostra que o ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) acredita na privatização como uma forma de driblar o desperdício do dinheiro público. (Se você é assinante, leia também o debate entre Mailson da Nóbrega e o ex-ministro.)
Conheça as idéias de Mendonça de Barros sobre a participação do Estado na economia nessa entrevista.
Portal EXAME Como o senhor avalia a posição do governo Lula em relação ao processo de desestatização?
Luiz Carlos Mendonça de Barros É uma postura absolutamente contraditória. Não tem coerência nem com o passado deles, nem com a racionalidade que tanto criticaram no governo anterior. Trata-se de uma mistura de planejamento soviético com economia de mercado. Nesse momento estão trabalhando com o discurso oportunista de que o Estado não tem condições de fazer todos os investimentos sozinho e, no final das contas, estão privatizando com outros nomes. Os leilões de energia elétrica, as concessões de estradas e as parcerias público-privadas nada mais são que privatizações. O problema é que eles não deixam claro o que pretendem. As mensagens são contraditórias sobre o que consideram certo e errado em relação à participação do Estado na economia, e, com isso, o processo não funciona. O setor privado não sente confiança.
EXAME O que o senhor acha que deveria ser privatizado?
Mendonça Há muita coisa ainda, como os serviços portuários, as estradas de rodagem, o setor elétrico, a Petrobras.
EXAME A privatização da Petrobras seria extremamente polêmica, não?
Mendonça Sem dúvida. Ainda não tenho opinião formada sobre o assunto, mas se eu estivesse no próximo governo, trabalharia forte na privatização da Petrobras. Esse não é um projeto simples. Tem de ser muito bem estudado, muito bem planejado. Mas acho que deveríamos quebrar esse monopólio que hoje não se justifica. Privatizar ou não é uma questão que tem de ser avaliada de maneira objetiva, não ideológica. Não tenho nada contra a empresa pública, mas quando a empresa pública não tem mais razão de existir, ela precisa ser extinta, e o negócio, vendido para a iniciativa privada.
EXAME O senhor pode detalhar um pouco mais essa posição?
Mendonça Quem tiver isenção e capacidade de compreensão histórica e econômica, inevitavelmente chegará à conclusão de que a experiência brasileira do Estado no controle de empresas é muito rica. No setor de petróleo, por exemplo, o Estado foi estratégico. Decidiu-se fazer um investimento em um momento em que ninguém iria querer ou teria condições de investir. Com isso, o Estado criou uma empresa que gerou um valioso conhecimento, uma alta tecnologia de extração de óleo em águas profundas. Os militares também acertaram ao estatizar a telefonia. Não havia interessados naquele momento em desenvolver o setor. Por outro lado, o país não poderia ficar parado. Acontece que quando o mercado já está suficientemente desenvolvido e há condições de concorrência e, portanto, de melhorias que o Estado não pode oferecer, ele tem de sair de campo.
EXAME Por quê?
Mendonça Porque o governo não tem capacidade financeira de suportar os investimentos necessários aos setores produtivos. A empresa pública necessariamente perde em produtividade porque precisa justificadamente de mecanismos de controle, como as licitações, por exemplo, que minam a competitividade frente às empresas privadas. Lembro de um caso na CVRD, que trabalhava com cinco tipos daquelas máquinas gigantescas que escavam as montanhas, o que a obrigava a ter cinco estoques diferentes de peças de reposição e várias equipes de manutenção. Por que isso? Porque em cada licitação vencia uma empresa diferente. Essas empresas também são alvo de influência política, e não estamos falando em corrupção, mas nos cargos de confiança, que mudam em cada governo ou ainda nas várias composições políticas de cada governo. O pior de tudo ocorre quando se instala a corrupção, como a indicação de pessoas para determinados cargos, condicionada à desvios de verbas para financiar campanhas políticas, por exemplo.
EXAME O senhor acha que o país tem hoje mais condições de privatizar seus ativos do que tinha na década de 90? Falo em termos de credibilidade internacional e experiência em contratos de concessão com a iniciativa privada, por exemplo.
Mendonça Acho que sim. Apesar de alguns problemas que aconteceram no início do governo Lula, como o caso do ex-ministro das Comunicações Miro Teixeira e a mudança do indexador nos contratos das telefônicas, o governo Lula evoluiu para uma melhor compreensão da privatização dos serviços públicos. Infelizmente, em termos de aperfeiçoamento do quadro regulatório da área de serviços públicos e do petróleo, pouco se caminhou. Na minha opinião, antes da retomada das privatizações, será necessário uma revisão e modernização do arcabouço regulatório atual. Outro ponto importante é que quando ocorreram as privatizações no governo FHC vivíamos uma bolha especulativa nos mercados de ações do mundo todo. Esta situação particular permitiu que o governo alienasse suas ações nas estatais a preços incríveis. Para se ter uma idéia da diferença de cenário, o valor das ações das empresas de telefonia no mercado hoje é, em média, 60% menor do que por ocasião das privatizações.
EXAME Então, o atual governo perdeu tempo em não privatizar alguns de seus ativos?
Mendonça Não. Acho que o governo perdeu muito tempo em chegar a uma política de privatizações mais clara e não levou adiante um processo de revisão do quadro regulatório no setor de serviços públicos e petróleo. Este é um custo que vai aparecer ao longo dos próximos anos.
EXAME Recentemente, vimos casos de empresas, como o da Brasil Ferrovias, que foi privatizada no governo Fernando Henrique Cardoso, que caiu em dificuldades financeiras e acabou recebendo ajuda do BNDES, que alega ter dado o socorro na tentativa de diminuir o prejuízo no financiamento concedido à empresa na ocasião da privatização. Como o senhor explica isso?
Mendonça A privatização da rede ferroviária é o exemplo do que foi mal feito. Nesse caso, em que o setor estava completamente sucateado, havia um plano de continuidade de investimentos por parte do BNDES após a privatização. O plano original mostrava que, pelo fato de o setor ferroviário estar completamente sucateado, havia a necessidade de investimentos por parte do Estado por um determinado período. Só um maluco esperaria que uma empresa que acaba de comprar uma ferrovia fosse conseguir fazer os investimentos necessários com empréstimos na taxa Selic.