Economia

Isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil recairá sobre grandes empresas, diz Rodrigo Maia

Enquanto governo quer isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5.000, presidente da CNF defende que os mais pobres paguem uma alíquota baixa, de R$ 10, para demonstrar que toda a sociedade financia o Estado brasileiro

 (Marcos Oliveira/Agência Senado)

(Marcos Oliveira/Agência Senado)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 22 de fevereiro de 2025 às 06h01.

O ex-deputado federal Rodrigo Maia leva no currículo uma gestão de quatro anos e sete meses como presidente da Câmara dos Deputados em um dos períodos mais conturbados da história recente brasileira. Foi o ápice de uma carreira de seis mandatos consecutivos na Câmara. Em 2022, Maia não buscou a reeleição e, desde janeiro de 2023, está à frente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), entidade que reúne associações e federações do setor financeiro, como bancos, corretoras e o mercado de capitais.

E sua pauta tem dois assuntos no curto prazo: a segunda etapa da regulamentação da reforma tributária, que definirá as regras de funcionamento do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, e a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5.000. No caso da isenção, o presidente da CNF é enfático:

"As pessoas podem defender que os com menor renda paguem pouco imposto, com definição de alíquotas maiores para quem ganha mais. Além da alíquota de 27,5%, criar uma de 34% para quem tem maior renda. Tudo isso é justo e possível", afirma, em entrevista exclusiva à EXAME. "Mas não acho justo que a alíquota tem que ser zerada para quem ganha menos. Pode ser [uma alíquota] de R$ 10, mas a questão de a pessoa saber que todos financiamos o Estado brasileiro é importante."

Na sua agenda, Maia antecipa que no caso da isenção de IR haverá renúncias fiscais, um custo que, em sua avaliação, será imposto às empresas tributadas pelo regime de Lucro Real — isto é, que faturam acima de R$ 78 milhões anuais. E os suspeitos serão os de sempre: a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e os Juros sobre Capital Próprio (JCP), ambos tributos cobrados majoritariamente do setor financeiro.

"Essa ideia de tributar aquelas pessoas que ganham acima de R$ 1 milhão parece ótima. Só que quando [a proposta] chegar no Congresso, vai enfrentar resistência daqueles que defendem e foram os criadores, que não vão aceitar que, de forma indireta, se tribute o Simples; que, de forma indireta, se tribute o lucro presumido dos profissionais liberais. Aqueles do agro e do setor imobiliário não vão aceitar tributação direta no CRI, no CRA, nas LCIs e da LCAs", afirma.

E conclui o raciocínio:

"O meu medo é que essas estruturas muito bem defendidas, que olham de forma correta para os seus interesses e têm muita força no Congresso, consigam ficar fora e só olhemos como tributar mais as empresas de lucro real, como aumentar a CSLL e a JCP dos acionistas."

Maia conversou com a EXAME sobre o futuro desses projetos no Congresso, bem como os temas que permearam sua atuação como presidente da Câmara e seguem na agenda institucional como presidente da CNF, como a insegurança jurídica, o aumento do contencioso tributário e trabalhista e o "parcelado sem juros" para o cartão de crédito — assunto que, em sua avaliação, foi mal comunicado pelo setor.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Como o senhor descreve seu novo papel na CNF?

Estou em uma função institucional e não olhando o resultado de uma empresa. Olho para tudo o que gera mais segurança para o setor, com melhores condições para investimentos. Meu papel é institucional, focado em políticas públicas que beneficiem o setor financeiro a médio e longo prazo, promovendo segurança e melhores condições de investimento. Ou seja, busco um desenho institucional que incentive a competitividade e a qualidade de serviços do setor.

Quais as prioridades da CNF para os próximos dois anos em termos de agendas políticas e econômicas?

As prioridades incluem a revisão do segundo projeto da reforma tributária, que está muito ruim. O projeto mais importante que tratou do desenho e das alíquotas do IVA [Imposto de Valor Agregado] teve problemas, mas não tão graves quanto o projeto que está no Senado, o projeto [de lei complementar] 108. Como todo mundo ficou olhando para o primeiro, as pessoas deram pouca atenção ao segundo. E começaram a entender que uma coisa é defender a federação, o que é legítimo dos estados e municípios. Outra coisa é defender a perpetuação do poder dos fiscais no processo tributário, que tem sido muito nociva para a sociedade. E está aí o contencioso tributário, muito em função de interpretações da Receita Federal e dificuldades de compreensão de como se tributa o ICMS.

Existem outras prioridades?

No curto prazo tem esse projeto da reforma tributária [PLC 108] que está no Senado e a questão da isenção do Imposto de Renda — com a qual tenho muita preocupação. Com o desenho que estão montando, ao chegar no Congresso, os parlamentares vão sofrer pressão de setores impactados, como empresários do lucro presumido, do Simples, investidores de CRI, CRA, LCI e LCA. Vai acabar que o que vai sobrar de carga tributária para o governo compensar a isenção do IR recairá sobre as empresas do lucro real, o que é muito ruim.

"O contencioso trabalhista voltou a crescer, o tributário está altíssimo. Mais de 70% das ações na área do consumidor, em qualquer setor, são movidas por meio da justiça gratuita. Há um estímulo à judicialização de qualquer conflito" - Rodrigo Maia, presidente do CNF

Por que essa solução é ruim?

É necessário investir nas pequenas empresas e criar desenho institucional para que possam cumprir o seu papel. Mas não é uma pequena empresa que puxa uma grande empresa. No entorno das grandes empresas que funcionam os prestadores de serviços, as empresas do Simples e do lucro presumido. O Brasil inverteu e ficou com o discurso do Sebrae de que o motor da economia são as pequenas empresas. Não são. Elas são parte, junto com as grandes. Mas as grandes é que geram os grandes investimentos, que investem em empresas que estão aparecendo, principalmente na área de tecnologia.

Há outro ponto de atenção da CNF?

Há um grande tema: a questão do contencioso no Brasil. O contencioso trabalhista voltou a crescer, o tributário está altíssimo. Mais de 70% das ações na área do consumidor, em qualquer setor, são movidas por meio da justiça gratuita. Há um estímulo à judicialização de qualquer conflito. O volume de precatórios cresceu enormemente. Uma parte é [de processos de] previdência e alimentares. Mas há uma parte que não. Temos de aprofundar esse debate, entender quais são as teses, entender como o direito creditório fica validado. Litigância predatória é outro problema. Existem estruturas de advogados estimulando o litígio, algumas vezes com apoio da OAB, o que não é bom.

Falta segurança jurídica?

Acho que o grande tema do Brasil, fora a questão fiscal que é objetiva e todo mundo sabe onde estão os problemas, está na segurança jurídica, com regras mais claras e objetivas, com pouca subjetividade. Não faz sentido, no caso da indústria financeira, os bancos terem quase R$ 40 bilhões de provisão para questões trabalhistas e todo ano pagarem R$ 10 bilhões. Não faz sentido para um setor que não atrasa pagamentos. Não faz sentido ter tanta judicialização. Como melhorar o desenho da área trabalhista? A política havia dado um primeiro passo na reforma trabalhista. Algumas decisões voltaram atrás. Alguns julgamentos da própria questão da gratuidade da justiça precisam acontecer. Precisamos entender qual é o desenho que não vai dar espaço para o juiz ficar, de forma subjetiva, decidindo sobre teses de direitos creditórios que depois vão virar precatórios.

O senhor defende o fim da justiça gratuita?

Não quero o fim da justiça gratuita, quero que ela seja utilizada por quem não tem condição de pagar. Ninguém está dizendo que é contra a justiça gratuita. Sou contra que uma autodeclaração resolva, que uma pessoa com renda se autodeclare sem condições de pagar e tenha acesso à justiça gratuita. Não faz sentido 75% das ações do consumidor, em todos os setores, serem movidas por meio da justiça gratuita. Tem alguma distorção. Não dá para ter uma folha de pagamento e outra paralela, na Justiça do Trabalho. Não dá para ter uma previsão de impostos, e ter uma tributação paralela na Justiça quando qualquer governo entra, quando há necessidade de caixa e se pressiona o Judiciário para julgar teses que vão garantir um aumento extraordinário da arrecadação do governo. Esse tipo de distorção, de querer receitas que não são recorrentes para resolver o problema de caixa do governo, ter duas folhas de pagamento – a tradicional e a que se paga na Justiça –, isso gera custo para o consumidor na ponta. Não tem milagre.

Que custo é esse?

Quando o setor tem previsão de gastar R$ 10 bilhões com ações trabalhistas, bilhões de reais em ações de contencioso tributário no Carf ou no Judiciário, isso tudo está no preço.

Na taxa de juros?

Na taxa de juros, tarifas, no preço do plano de saúde, no preço do refrigerante, no preço do alimento. Está tudo no preço de todo mundo, porque as empresas colocam no preço os seus custos. Se não colocar os custos extraordinários nos preços você vai quebrar. Um exemplo disso é o tema do parcelado sem juros.

"Quando o BC autorizar o produto [Pix parcelado], haverá competitividade e reorganização de um desenho que fez sentido no passado e faz menos sentido hoje, que é parcelado sem juros" - Rodrigo Maia, presidente do CNF

Em que sentido?

O parcelado sem juros não é sem juros. Há uma baita distorção dos preços dos produtos no Brasil porque todo mundo tem que incorporar a antecipação do parcelado sem juros pelos lojistas, pelo comércio. Isso tudo está embutido no preço. Quando você entra na internet, muitas vezes o lojista vezes oferece o produto no Pix com 10% a 15% de desconto. Quando entrar em vigor o Pix crédito veremos a diferença de preço entre um produto que é bom mas que está distorcido, que é cartão de crédito parcelado, e um produto novo, que terá regras diferentes. Você verá que os preços serão diferentes. Para o consumidor, haverá benefício de redução do preço.

O Pix parcelado pode baratear preços de produtos e serviços no país?

No cartão de crédito, só é possível cobrar juros de 25% dos consumidores de cartão que estão no rotativo — 75% que parcelam as compras sem juros não pagam esses juros. Se você cria outro desenho, por meio do Pix, uma grande invenção do BC, haverá concorrência. E os juros serão pagos por cada um dos clientes. Não haverá distorção em que uma parte financia a outra, com juros absurdos. Também haverá equilíbrio na antecipação de recebíveis para o varejista, que tem hoje um custo, na média, de 15%. Quando o BC autorizar o produto [Pix parcelado], haverá competitividade e reorganização de um desenho que fez sentido no passado e faz menos sentido hoje, que é parcelado sem juros.

Qual a dificuldade nessa discussão regulatória?

Hoje, não é possível tocar nesse produto porque virou uma briga política falar em reduzir o número de parcelas. Esse assunto ficou vencido porque não tivemos a competência de explicar como o sistema gerava uma distorção e prejudicava o custo dos produtos. Mas, com o Pix, o BC está avançando e teremos dois produtos de grande qualidade competindo. Vai ser bom para o consumidor. O Pix parcelado tem potencial para reduzir os custos para os consumidores, pois introduzirá um novo modelo de crédito com regras distintas das do cartão de crédito atual.

Como o senhor avalia a proposta do governo de aumento das alíquotas de JCP e CSLL para compensar a desoneração da folha? O governo também cogita ir ao Judiciário para resolver o impasse da desoneração.

O Ministério da Fazenda faz um ótimo trabalho, mas esse caminho de usar o Judiciário para resolver problema de arrecadação é equivocado. Não é papel do Supremo Tribunal Federal (STF). O STF discute constitucionalidade. É claro que o Supremo olha com preocupação, em seus julgamentos, os impactos para o Estado e para a sociedade. A carga tributária no Brasil como um todo é muito alta. É claro que, em um país pobre, é difícil tributar a renda. O Brasil tributa mais em impostos indiretos porque é um país pobre. Os Estados Unidos têm um sistema de imposto indireto que tributa menos porque consegue tributar muito a renda — é um país rico. No Brasil é diferente e não se consegue tributar muito a renda. Tanto que o governo chama aqueles com renda acima de R$ 1 milhão de super ricos. São ricos, é claro, ainda mais em um país como o Brasil. Mas a palavra super rico me parece um exagero. E outra coisa: não deveríamos ter os ricos, os que investem, como adversários. Deveríamos tê-los como aliados do Estado. Por isso que eu falo que desenho institucional é importante. Quero ter muita segurança jurídica para que mais investidores nacionais e internacionais acreditem e invistam no Brasil.

É possível encontrar uma solução para esse impasse?

Temos uma alíquota de Imposto de Renda de 34% na pessoa jurídica. A Receita tende a não incluir na conta do que é o pagamento de imposto o acionista que paga imposto na pessoa jurídica. A pessoa jurídica não é uma abstração. Existem os seus acionistas e pagam a alíquota do Imposto de Renda dentro da empresa deles. Quando invisto em uma empresa pago 34% de imposto, com seus benefícios posso pagar uma alíquota média de 21% a 22%. Mas no setor bancário a alíquota média é de 35%, com alíquota cheia de 45%. Não se paga pouco Imposto de Renda na pessoa jurídica brasileira. Na hora que se resolve concentrar a arrecadação em cima dos que já pagam muito imposto você está afastando investimento e encarecendo os produtos no Brasil.

Como assim?

Essa ideia de tributar aquelas pessoa que ganham acima de R$ 1 milhão [para compensar a isenção de  IR para quem ganha R$ 5.000] parece ótima. Só que quando [a proposta] chegar no Congresso, vai enfrentar resistência daqueles que defendem e foram os criadores, que não vão aceitar que, de forma indireta, se tribute o Simples; que, de forma indireta, se tribute o lucro presumido dos profissionais liberais. Aqueles do agro e do setor imobiliário e do agro não vão aceitar tributação direta no CRI, no CRA, nas LCIs e da LCAs. O meu medo é que essas estruturas muito bem defendidas, que olham de forma correta para os seus interesses e têm muita força no Congresso, consigam ficar fora e só olhemos como tributar mais as empresas de lucro real, como aumentar a CSLL e a JCP dos acionistas.

E quem vai pagar essa conta?

As pessoas reclamam que os bancos têm lucros enormes. Mas têm um volume de capital investido muito grande porque as regras do Banco Central e de Basileia definem a necessidade de muito capital investido. O capital investido de um banco é muito grande para que possa emprestar e fazer a sua alavancagem. E é por isso que quando você vê o resultado, nominalmente, é muito alto. Mas, proporcionalmente, é muito equilibrado com os demais setores. O setor não tem um resultado muito acima do ponto de vista percentual. O meu medo é que esses temas acabem se concentrando naqueles que já pagam mais imposto. O governo, na reforma tributária do IVA, tomou uma decisão política. Reafirmou a importância da Zona Franca de Manaus e reafirmou a isenção da cesta básica com alíquota zerada da proteína. Decisões políticas que estão tomadas. Aqui são R$ 100 bilhões de incentivo fiscal. Está dado.

O senhor é favorável à isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000?

Isso é uma questão pessoal minha, não tem relação com o setor. Mas essa questão de não pagar imposto é ruim. As pessoas podem defender que os com menos renda paguem pouco imposto, com definição de alíquotas maiores para quem ganha mais. Além da alíquota de 27,5%, criar uma de 34% para quem tem maior renda. Tudo isso é justo e possível. Não acho justo que a alíquota seja zerada para quem ganha menos. Pode ser [uma alíquota] de R$ 10, mas a questão de a pessoa saber que todos financiamos o Estado brasileiro é importante. São os impostos pagos que financiam as escolas municipais, os hospitais estaduais, a política de segurança pública, as obras em estradas, as obras de contensão de encostas por causa das chuvas que estão mais fortes, os investimentos na cultura, no turismo. O dinheiro não cai do céu e a solução não é o governo emitir moeda.

A isenção é ruim para a sociedade?

É claro que é uma posição que não deve ser popular, nem quero que as pessoas paguem muito imposto, mas a questão de todo mundo pagar, mesmo que seja um pouco de imposto, é importante. O governo vai enviar o projeto [de isenção de IR até R$ 5 mil] ao Congresso e só temos que ver como compensar essa isenção. Meu medo, mais uma vez, é que não consigamos mudar o desenho, como aconteceu na Zona Franca, e nem mostrar que o melhor para todos os setores, inclusive para proteína, era o cashback, do que um benefício generalizado, que beneficia o pobre e rico de forma igual. Beneficiou mais o rico. As pessoas que têm mais renda poderão comprar mais proteína e terão benefício maior do que uma pessoa que não tem condições de comprar um quilo de carne. Na verdade, esse incentivo é regressivo e distorcido. Mas está vencido. A sociedade quis, o Congresso aprovou com muitos votos, em um trabalho bem-feito do setor de proteínas. Mas acabamos de ver no IVA que dois benefícios tributários que são regressivos foram mantidos e meu medo é que na reforma da renda, mais uma vez, a gente continue beneficiando alguns que têm renda, que estão no lucro presumido e no Simples, e penalizando quem está no lucro real.

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